Folha de São Paulo
31/01/2009
Clóvis Rossi, enviado especial a Davos
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL
Primeiro-ministro britânico pede urgência na reativação do crédito e na criação de um sistema regulatório mundial
Presidente do HSBC sugere criação de um "Business20" para reunir o setor privado, promover o livre mercado e se opor à visão estatizante
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, parecia o economista Nouriel Roubini, conhecido como "Mr. Apocalipse", durante a entrevista coletiva que concedeu ontem em Davos, a ponto de ter cunhado um neologismo, "desglobalização", para referir-se ao risco que antevê em função da crise econômica global.
Ou seja, Brown teme que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, antípoda ideológico do mundo de Davos, possa vir a acertar em sua avaliação de que "Davos é o passado", se se tomar a cidadezinha suíça como porta-bandeira da globalização dita neoliberal.
Brown deu permanente tom de urgência às providências que devem ser tomadas para que, em vez da "desglobalização", tenha-se uma globalização "mais bem administrada", o que ele obviamente prefere.
A prioridade do momento é pôr de pé o que chamou de terceiro pilar das providências tomadas contra a crise, pilar "essencial para o emprego". Trata-se de "retomar os empréstimos em todas as economias".
Criticou duramente o que chamou de "nova forma de protecionismo", o financeiro, na medida em que bancos com matriz nos países ricos estão secando o crédito nos países periféricos, para repatriar capital e enfrentar os buracos nos seus próprios países.
Citou como comprovação o fato de que o investimento líquido nos países emergentes cairá neste ano para US$ 150 bilhões, apenas 15% do valor (US$ 1 trilhão) que chegou a atingir. Brown não está exagerando. Ricardo Vilela Marino, executivo-chefe do banco Itaú para a América Latina, diz que os bancos estrangeiros no Brasil estão "vampirizando" as suas filiais para fornecer capital para as matrizes.
Para o Brasil, o problema é bem menor porque a participação dos bancos estrangeiros no conjunto do sistema financeiro é pequena. Mas, nos casos de Argentina e México, para ficar só em América Latina, de fato é uma tremenda complicação.
Brown aponta qual é a complicação: a não-retomada dos empréstimos "tornará a recessão mais longa e profunda".
Completou: "As instituições internacionais têm que ser mais proativas imediatamente", na enésima vez em que usou a palavra "imediatamente" ou sinônimo dela.
O sumiço do crédito está se dando mesmo depois de os governos, pelas contas de Brown, despejarem incríveis US$ 7 trilhões para evitar o colapso do sistema financeiro -ou cinco vezes tudo o que o Brasil produz de bens e serviços por ano.
Brown defendeu os pacotes de estímulo à economia, que começam a receber tímidas críticas porque aumentam os déficits nacionais. "A política fiscal é essencial quando a política monetária está prejudicada" [porque os juros já caíram tanto no mundo rico que novas reduções não produzem efeito].
O premiê britânico, que será o anfitrião da segunda cúpula do G20 (abril, em Londres), espera que esse encontro adote pelo menos duas decisões capazes de eventualmente controlar o pânico: 1) criar um sistema de "aviso antecipado" de crise. Ele próprio admite que faz dez anos que essa ideia circula no mundo financeiro;
2) adotar um conjunto de medidas regulatórias que cubra também fundos de hedge e outros "complexos instrumentos" financeiros, que são uma das causas da crise.
Brown quer um sistema regulatório global, a partir do raciocínio de que "temos um sistema financeiro global, mas, até agora, não temos coordenação ou supervisão global, apenas supervisores nacionais".
O problema com essa proposta é que ela já figurava no comunicado da reunião de ministros da Fazenda do G20, realizada em novembro em São Paulo, mas foi descaracterizada na semana seguinte, quando se reuniram em Washington os presidentes e primeiros-ministros. O comunicado final da cúpula enfatiza a preferência pela supervisão apenas nacional.
Como a cúpula anterior foi durante a gestão Bush, a Folha perguntou a Brown se ele recebera algum sinal da nova administração norte-americana de aceitação de uma regulação global, contra a tradição dos Estados Unidos de preferir seus próprios instrumentos.
Resposta: "Agora há um consenso global de que a supervisão nacional é inadequada".
Depois de Brown, foi a vez de Angela Merkel, a chanceler alemã, defender a criação de um Conselho Econômico das Nações Unidas, à semelhança do Conselho de Segurança, que é o coração do sistema ONU.
Merkel, como seu colega britânico, lamentou que o mundo "não tenha uma arquitetura global que funcione de forma adequada" e defendeu que a cúpula de Londres do G20 tome decisões que sejam obrigatórias para todos os participantes, o que inclui os EUA.
Talvez por sentir -ou temer- a pressão do ativismo estatal, o setor privado também se mobiliza para o G20. Ontem, o presidente do grupo HSBC, Stephen Green, sugeriu a criação de um B20 ("Business20"), um conglomerado das maiores companhias do planeta, incluindo as de emergentes, desde que com operações globais.
Objetivo, segundo Green: "Promover o livre mercado e funcionar como a voz dos negócios sustentáveis".