Folha de São Paulo 8 de março de 2009
Zizek elogia Obama "conservador"
Para filósofo esloveno, a curto prazo crise econômica tende a criar coordenação global e a fortalecer o capitalismo
As pessoas perderam seu "mapeamento cognitivo", e está em curso uma disputa, ele diz, para ver qual análise sobre a crise "vai vencer"
Seja como for que você o veja, não há dúvida de que o filósofo esloveno marxista cult Slavoj Zizek é um polemista intelectual nato. Autor de uma série de livros provocantes sobre política, psicanálise, ideologia e cinema, ele faz palestras surpreendentes em todo o mundo justapondo teoria marxista, psicanálise freudiana e cultura pop.
Zizek é todo charme amarfanhado quando chega ao restaurante Pri Vitezu, no centro da pitoresca capital da Eslovênia, onde nasceu.
Tentamos simplificar nossa vida pedindo algo para comer.
Mas Zizek está perplexo com o misto de cozinha internacional padronizada e especialidades locais eslovenas no cardápio.
"Para explicar em meus termos stalinistas, este restaurante não tem um perfil ideológico claro", ele brinca.
Pergunto a ele sobre a crise financeira, esperando alguma pirotecnia política sobre os estertores de morte do capitalismo. Será que a crise pressagia a revolução? "Não, não, não. Sou um marxista extremamente modesto", ele responde em tom um tanto quanto decepcionante. "Não sou uma pessoa catastrófica. Não estou dizendo que a revolução esteja à espreita na esquina. Tenho plena consciência de que qualquer solução comunista à moda antiga está fora de questão."
Ele insiste, porém, que a crise financeira acabou com a utopia liberal que floresceu após a queda da União Soviética em 1991 e toda a conversa grandiosa sobre o "fim da história". Os ataques terroristas de setembro de 2001 e o derretimento financeiro explodiram o mito segundo o qual a economia de mercado e a democracia liberal têm todas as respostas.
Estado de emergência
No curto prazo, pelo menos, os governos vão introduzir mais regulamentação estatal e coordenação global, fortalecendo o sistema capitalista.
Nesse sentido, ele sugere que o progressista Barack Obama poderá um dia ser incluído no rol dos melhores presidentes conservadores na história dos Estados Unidos.
Mas, diz Zizek, mesmo que o capitalismo seja temporariamente consertado, isso não ajudará em nada a resolver suas contradições inerentes. O alarmante colapso da sociedade levará a novas formas de apartheid e estados de emergência.
Ele destaca a militarização crescente da Itália, onde o governo enviou o Exército a Nápoles para fazer frente à máfia.
E afirma que São Paulo está se metamorfoseando numa versão real do filme "Blade Runner, o Caçador de Androides" (1982). A cidade hoje tem 70 heliportos, e os ricos se deslocam num nível diferente dos pobres.
O capitalismo, ele acredita, é incapaz de solucionar os maiores desafios de hoje: a catástrofe ambiental e os abusos da tecnologia de informação, os direitos de propriedade intelectual e a biogenética. As sociedades precisam inventar novas formas de propriedade e de bens comuns, ou então irão morrer.
"A principal crítica que faço ao capitalismo liberal não é que ele seja prejudicial, mas que não pode durar para sempre. O comunismo precisa ser reinventado", diz Zizek.
Disputa de interpretações
Enquanto mastigamos nossas fartas saladas verdes e nossas carnes deliciosas, Zizek comenta que o que o fascina especialmente é a batalha ideológica em torno da interpretação da crise financeira. A ideologia governante procura transferir a culpa do sistema capitalista global, como tal, para seus desvios acidentais -como a regulamentação excessivamente frouxa ou a corrupção das grandes instituições financeiras.
"O problema hoje é que, quando há caos e desordem, as pessoas perdem seu mapeamento cognitivo. Então é uma disputa aberta para ver qual interpretação vai vencer", diz ele. "Nunca esqueça que foi assim que Hitler venceu."
De acordo com Zizek, a razão pela qual Hitler chegou ao poder nos anos 1930 foi que ele ofereceu a interpretação mais atraente de acontecimentos desastrosos. Ele simplesmente lisonjeou os alemães, afirmando que seu Exército tinha sido traído na Primeira Guerra Mundial e atribuindo toda a culpa por isso aos judeus.
Pedimos uma salada de frutas. Mas será que pessoas como Zizek deveriam estar passando tanto tempo procurando entender o mundo, quando, como insistiu Marx, o xis da questão é mudar o mundo? Zizek, o marxista modesto, diz que os tempos em que vivemos são tão extraordinários que precisamos compreender plenamente o que está acontecendo antes de podermos agir de modo sensato. "Precisamos nos afastar, refletir, pensar", diz ele.
O papel dos filósofos, na visão dele, é ajudar a lançar luz sobre as perguntas que as sociedades deveriam formular, em lugar de apresentar soluções prontas. "Me sinto como um mágico que mostra apenas cartolas, nunca coelhos."
domingo, 8 de março de 2009
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