Correio Braziliense
18/03/2009
Isabel Fleck
África
Golpe de Estado em Madagascar é o mais recente capítulo na onda de instabilidade política que assola o continente. Analista critica queda de governos como medida para solucionar baixa legitimidade do líder
Isabel Fleck
Da equipe do Correio
Nos últimos três meses, a África tem chamado a atenção do mundo com a intensificação de conflitos políticos em pelo menos quatro países. No mais recente deles, o presidente de Madagascar, Marc Ravalomanana renunciou ontem, após dois meses de pressão da oposição. A junta militar que assumiu o poder com a saída do mandatário aprovou, poucas horas depois, a indicação do líder da oposição, Andry Rajoelina, para liderar um governo de transição. Em Guiné-Bissau, onde o presidente João Bernardo Vieira foi assassinado por militares no começo do mês, o clima ainda é de instabilidade, sem previsão para a convocação de novas eleições. A situação no Zimbábue e no Sudão, onde os presidentes estão há mais de 10 anos à frente de um governo extremamente centralizado e corrupto, não é diferente.
“A África vinha até se adaptando bem ao ciclo virtuoso do crescimento do capitalismo global. Mas os últimos meses têm sido realmente intranquilos, ou por coincidência dos fatos ou por um recrudescimento de grupos de interesses que disputam com as elites no poder”, afirma o diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, José Flávio Sombra Saraiva, especialista em África. Apesar de destacar que os conflitos em cada país possuem suas especificidades, Saraiva percebe um movimento comum entre eles. “Há uma onda de instabilidade política que se espalhou pela África, em diferentes partes do continente. Mas é cedo para saber se essa onda será mais profunda ou se vai se disseminar”, pontua.
Agravamento
Se depender da resposta dos grupos no poder em Madagascar, Sudão, Guiné-Bissau e Zimbábue às denúncias feitas pela comunidade internacional, a situação só tende a se agravar. A despeito das declarações do presidente da Comissão da União Africana (UA), Jean Ping, que considerou “não-constitucional” a entrega do poder em Madagascar a Rajoelina, os militares aprovaram o nome do opositor para o governo de transição. “Isso não é constitucional. É um golpe, ou uma tentativa de aproveitar o poder pela força”, acusou Ping. Desde o começo do ano, Rajoelina liderava protestos para forçar a renúncia do presidente acusado de corrupção. O líder da oposição assumiu imediatamente o poder e foi conduzido, ao lado de homens do Exército, até o palácio presidencial. “Podemos dizer que somos livres. Há muito trabalho a nossa espera. É o caminho que Madagascar deve tomar”, afirmou o novo líder do governo.
No Sudão, o presidente Omar Al-Bashir, que recebeu uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) no começo do mês, anunciou o fim da “intervenção” internacional em seu país por meio de agências humanitárias estrangeiras. Ontem, o mandatário afirmou que, no prazo de um ano, as agências internacionais de assistência serão impedidas de distribuir a ajuda destinada ao país que ainda sofre as consequências do genocídio em Darfur — onde morreram aproximadamente 400 mil pessoas, segundo organizações humanitárias.
Futuro
Para Saraiva, é difícil prever um cenário positivo para países que alternam o poder por meio de um golpe de Estado. “Essa mania de resolver o problema da baixa legitimidade de um governo pela derrubada do governante é um retrocesso. É um método que não compõe mais com essas normalizações políticas que vinham acontecendo, como a alteração de governantes por meio de eleições”, avalia. “Esse é um momento difícil e pode ter repercussões principalmente em lugares onde há oposições virulentas e muita ânsia de ocupar o poder político estabelecido”, prevê.
Já Roger Bate, pesquisador do American Enterprise Institute, acredita que a recente onda de instabilidade terá sérias consequencias não só políticas como econômicas para o continente. “Não há dúvidas que a África será afetada economicamente com isso. As exportações para a Europa e os Estados Unidos, por exemplo, já estão caindo consideravelmente”, destaca.
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Nós estamos colhendo os frutos de nossos esforços. Essa é a vontade de Deus. Eu usarei meus esforços até o fim
Andry Rajoelina, líder da oposição em Madagascar, no caminho até o palácio presidencial
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Golpe de Estado em Madagascar é o mais recente capítulo na onda de instabilidade política que assola o continente. Analista critica queda de governos como medida para solucionar baixa legitimidade do líder
Isabel Fleck
Da equipe do Correio
Nos últimos três meses, a África tem chamado a atenção do mundo com a intensificação de conflitos políticos em pelo menos quatro países. No mais recente deles, o presidente de Madagascar, Marc Ravalomanana renunciou ontem, após dois meses de pressão da oposição. A junta militar que assumiu o poder com a saída do mandatário aprovou, poucas horas depois, a indicação do líder da oposição, Andry Rajoelina, para liderar um governo de transição. Em Guiné-Bissau, onde o presidente João Bernardo Vieira foi assassinado por militares no começo do mês, o clima ainda é de instabilidade, sem previsão para a convocação de novas eleições. A situação no Zimbábue e no Sudão, onde os presidentes estão há mais de 10 anos à frente de um governo extremamente centralizado e corrupto, não é diferente.
“A África vinha até se adaptando bem ao ciclo virtuoso do crescimento do capitalismo global. Mas os últimos meses têm sido realmente intranquilos, ou por coincidência dos fatos ou por um recrudescimento de grupos de interesses que disputam com as elites no poder”, afirma o diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, José Flávio Sombra Saraiva, especialista em África. Apesar de destacar que os conflitos em cada país possuem suas especificidades, Saraiva percebe um movimento comum entre eles. “Há uma onda de instabilidade política que se espalhou pela África, em diferentes partes do continente. Mas é cedo para saber se essa onda será mais profunda ou se vai se disseminar”, pontua.
Agravamento
Se depender da resposta dos grupos no poder em Madagascar, Sudão, Guiné-Bissau e Zimbábue às denúncias feitas pela comunidade internacional, a situação só tende a se agravar. A despeito das declarações do presidente da Comissão da União Africana (UA), Jean Ping, que considerou “não-constitucional” a entrega do poder em Madagascar a Rajoelina, os militares aprovaram o nome do opositor para o governo de transição. “Isso não é constitucional. É um golpe, ou uma tentativa de aproveitar o poder pela força”, acusou Ping. Desde o começo do ano, Rajoelina liderava protestos para forçar a renúncia do presidente acusado de corrupção. O líder da oposição assumiu imediatamente o poder e foi conduzido, ao lado de homens do Exército, até o palácio presidencial. “Podemos dizer que somos livres. Há muito trabalho a nossa espera. É o caminho que Madagascar deve tomar”, afirmou o novo líder do governo.
No Sudão, o presidente Omar Al-Bashir, que recebeu uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) no começo do mês, anunciou o fim da “intervenção” internacional em seu país por meio de agências humanitárias estrangeiras. Ontem, o mandatário afirmou que, no prazo de um ano, as agências internacionais de assistência serão impedidas de distribuir a ajuda destinada ao país que ainda sofre as consequências do genocídio em Darfur — onde morreram aproximadamente 400 mil pessoas, segundo organizações humanitárias.
Futuro
Para Saraiva, é difícil prever um cenário positivo para países que alternam o poder por meio de um golpe de Estado. “Essa mania de resolver o problema da baixa legitimidade de um governo pela derrubada do governante é um retrocesso. É um método que não compõe mais com essas normalizações políticas que vinham acontecendo, como a alteração de governantes por meio de eleições”, avalia. “Esse é um momento difícil e pode ter repercussões principalmente em lugares onde há oposições virulentas e muita ânsia de ocupar o poder político estabelecido”, prevê.
Já Roger Bate, pesquisador do American Enterprise Institute, acredita que a recente onda de instabilidade terá sérias consequencias não só políticas como econômicas para o continente. “Não há dúvidas que a África será afetada economicamente com isso. As exportações para a Europa e os Estados Unidos, por exemplo, já estão caindo consideravelmente”, destaca.
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Nós estamos colhendo os frutos de nossos esforços. Essa é a vontade de Deus. Eu usarei meus esforços até o fim
Andry Rajoelina, líder da oposição em Madagascar, no caminho até o palácio presidencial
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