sexta-feira, 20 de março de 2009

Militares de Israel revelam abusos em Gaza

Folha de São Paulo

20/03/2009

da redação
Soldados relatam ordens de atirar em mulheres e crianças palestinas desarmadas; governo promete abrir investigação

Ministro da Defesa diz que Exército é "o mais ético do mundo", mas reservista conta ter sido instruído a deixar sua moral de lado
Soldados israelenses que participaram da recente ofensiva de 22 dias na faixa de Gaza relataram assassinatos de civis desarmados e atos sistemáticos de vandalismo contra casas de palestinos.
As narrativas, de formandos na Academia Militar de Oranim, vieram a público ontem, pelo jornais israelenses "Haaretz" e "Maariv". Mais tarde, o Exército abriu investigação para apurar violações na ofensiva, que matou mais de 1.400 palestinos e 13 israelenses.
As revelações foram feitas pelos soldados em 13 de fevereiro e chocaram o diretor da escola, Danny Zamir. Ele relatou o episódio aos superiores, que solicitaram uma transcrição do que fora dito. O "Haaretz" promete publicar mais detalhes do documento hoje.
Os textos divulgados ontem apontam que alguns envolvidos nas ações tiveram questionamentos éticos ao receberem ordens como derrubar a porta de entrada de uma residência e revistá-la cômodo a cômodo, disparando indiscriminadamente em quem estivesse lá dentro.
Mas revelam que houve reclamações quando foi revogada a ordem de atirar nos moradores sem alertas prévios. "Devemos matar todo mundo [no centro de Gaza]. São todos terroristas", disse um militar, segundo o "Haaretz".
O "Maariv" publicou a declaração de um soldado que recebeu ordem de jogar os bens dos palestinos pela janela das casas invadidas "para colocá-las em ordem e abrir espaço".
Para o ministro da Defesa, Ehud Barak, os incidentes relatados são exceções. "Passei dezenas de anos de uniforme. Temos o Exército mais ético do mundo", disse o ex-premiê.

"Moral à parte"
O documento obtido pelos jornais israelenses não é a única fonte de relatos sobre abusos. O "New York Times" publicou entrevista do historiador Amir Marmor, na qual o reservista se disse chocado pela maneira como as baixas civis foram debatidas no treinamento, antes de sua unidade de tanques entrar em Gaza.
"Atirem e não se preocupem com as consequências", foi a orientação de um tenente-coronel. "Ele [o instrutor] disse que não poderíamos correr riscos na operação. Moral à parte, temos que fazer nosso trabalho", relatou Marmor.
"O que é ótimo em Gaza: você vê uma pessoa no caminho e você pode simplesmente atirar, sem que ela precise estar armada", declarou um comandante de patrulha indagado sobre a morte de uma idosa, segundo o "New York Times".
Outro relato de assassinato publicado ontem foi de uma mulher e seus dois filhos, mortos por um franco-atirador depois de deixarem o prédio onde haviam sido confinados e caminharem para o lado oposto ao que os militares mandaram.
O "Haaretz" publicou que um soldado que viu o episódio contou que o atirador "não se sentiu tão mal, porque, afinal de contas, cumpriu ordens". E justificou: "As vidas dos palestinos são muito, muito menos importantes que as vidas de nossos soldados".
Para Arik Asjerman, diretor da ONG Rabinos pelos Direitos Humanos, ainda que "apenas uma fração dos testemunhos seja verdadeira e inclusive se houver explicação para algumas dessas ações, estaríamos falando de um tsunami moral que nos obriga a fazer jejum, luto e um exame de consciência".
Já a ONG israelense Yes Din expressou que "se Israel não investiga seus delitos, outros países terão de fazê-lo".

Investigação
A observação faz eco a pleito de juízes ligados a julgamentos de crimes de guerra, apresentado no domingo ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e ao Conselho de Segurança, para abertura de investigação internacional sobre supostos crimes de guerra de Israel e Hamas no confronto. O grupo islâmico que controla a faixa de Gaza foi acusado de torturar e executar palestinos de facções rivais e colaboradores dos israelenses.
O relator da ONU para os territórios palestinos, Richard Falk, disse que a ofensiva em Gaza foi crime de guerra de "grande magnitude".
Com agências internacionais

Nenhum comentário: