quinta-feira, 19 de março de 2009

ONU: sul-americanos e árabes querem reforma

Agência de Notícias Brasil-Árabe

19/03/2009

Alexandre Rocha
Os países das duas regiões defendem mudança 'ampla e integral' na organização para que ela passe a refletir a geopolítica atual, segundo minuta da declaração da 2ª Cúpula América do Sul-Países Árabes.

São Paulo – Além de mudanças nas instituições financeiras multilaterais, os países árabes e sul-americanos defendem também a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU), de acordo com a minuta da declaração final de 2ª Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), obtida com exclusividade pela ANBA. O encontro de chefes de estado e de governo vai ocorrer nos dias 31 de março e 01 de abril, em Doha, no Catar.
“Para cumprir o seu papel, as Nações Unidas precisam de uma reforma ampla e integral, especialmente no que diz respeito à Assembléia Geral, ao Conselho de Segurança (CS) e ao Conselho Econômico e Social (Ecosoc), para tornar esses órgãos mais eficientes, democráticos, transparentes e representativos, de acordo com suas respectivas naturezas, funções e propósitos para os quais foram criados”, diz o documento, que ainda pode sofrer alterações.
O texto não detalha quais são as mudanças necessárias na visão dos países dos dois blocos. A questão da reforma da ONU, no entanto, vem sendo discutida há algum tempo e, no caso do Brasil, ela ocupa uma posição importante na lista de prioridades de sua política externa. O país prega, por exemplo, o fortalecimento da Assembléia Geral, a mudança do CS com a ampliação do número de membros permanentes e maior influência das deliberações do Ecosoc nas decisões de outras agências, inclusive o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
A diplomacia brasileira destaca que organização, em especial o CS, tem a mesma configuração do pós-guerra, sendo que o cenário geopolítico mudou drasticamente desde então. Nos diferentes fóruns internacionais, o governo do Brasil tem defendido uma maior participação das nações emergentes nas instituições multilaterais. O próprio país quer ter um assento permanente no CS da ONU.
A carta de Doha ressalta o comprometimento dos países árabes e sul-americanos com o sistema multilateral para a tomada de decisões de impacto global em diferentes áreas. É o caso, por exemplo, do combate à pobreza e à fome. Nesse sentido, os governos das duas regiões pedem aos países desenvolvidos que cumpram as obrigações assumidas perante a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e reafirmam seu compromisso em fortalecer o Comitê Mundial de Segurança Alimentar, ligado à FAO, como “fórum multilateral no qual os estados podem encontrar alternativas para resolver a insegurança alimentar no mundo”.
Ainda na seara da coordenação política e diplomática, os governos da Aspa reafirmam a necessidade de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio, especialmente no que diz respeito ao conflito entre israelenses e palestinos. Evocando o multilateralismo, eles pedem a aplicação das resoluções da ONU adotadas sobre o tema até hoje, condenam os ataques de Israel à Faixa de Gaza no início deste ano e defendem a abertura das fronteiras do território para permitir o fornecimento de produtos e serviços e evitar uma maior deterioração da situação humanitária no local.
Na mesma linha, os países dos dois blocos destacam a necessidade de unidade, liberdade, soberania e independência no Iraque e “expressam grande preocupação” com sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos à Síria. “Envolvimento, não isolamento, é uma maneira mais eficaz de promover o diálogo e o entendimento entre os países”, diz o texto.
O documento declara também que o Oriente Médio como um todo deve ser livre de armas nucleares e outras de destruição em massa, para que haja segurança e estabilidade na região; e ressalta a importância da cooperação regional e internacional para combater o tráfico de drogas, de armas e de seres humanos, o crime organizado transnacional e a proliferação de armas nucleares e outras de destruição em massa.
A minuta da declaração deixa clara também a posição dos governos em condenar o terrorismo em todas as formas e a importância da cooperação internacional no enfrentamento dessa questão.

Iniciativas culturais
Na seara cultural, a declaração de Doha destaca as iniciativas que foram tomadas desde a 1ª Cúpula Aspa, realizada em 2005, como o lançamento da idéia de construção de uma Biblioteca Aspa na Argélia. O governo argelino doou uma área de três hectares para que as instalações sejam construídas. Também o lançamento da iniciativa de um centro de estudos e pesquisas sobre os países sul-americanos no Marrocos, para o qual o país decidiu destinar um terreno de dois hectares.
Ainda nessa área, o documento lembra o lançamento do site da BibliAspa, com obras das duas regiões, e do livro “Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso – Estudo de um relato de viagem Bagdali”, do imã Abdurrahman Al-Baghdadi, que viajou pelo Brasil no século 19. O livro, baseado nos manuscritos originais, tem tradução e organização de Paulo Farah, professor da Universidade de São Paulo (USP).
O texto destaca também a realização da exposição “Amrik”, de fotos sobre a imigração árabe na América do Sul, que percorreu diversos países; e a realização do seminário sobre a influência da cultura árabe nas nações ibero-americanas, realizado no Rio de Janeiro em 2008. O Rio será palco também da segunda reunião de ministros da área cultural dos dois blocos, em maio.
A minuta ressalta ainda o papel dos sul-americanos de origem árabe e vice-versa no fortalecimento do relacionamento das duas regiões e declara o interesse dos governos em ampliar o intercâmbio na área de economia cultural, incluindo cooperação na preservação do patrimônio material e imaterial.
No capítulo sobre o diálogo entre as civilizações, a carta diz que as nações das duas regiões reafirmam seu compromisso com a criação de espaços internacionais para o debate do tema; decidem sobre a realização de um seminário sobre o diálogo entre os países árabes e sul-americanos; e defendem a importância de apoiar iniciativas do gênero, como as já tomadas pela a Arábia Saudita e pela própria ONU.

Desenvolvimento
A declaração de Doha e a iniciativa Aspa se sustentam na cooperação Sul-Sul, ou seja, entre os países em desenvolvimento. No caso do Brasil, esse é um dos pilares de sua política externa desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No documento a ser aprovado no Catar, os países participantes declaram sua “convicção na importância da cooperação Sul-Sul como um mecanismo efetivo para promover o desenvolvimento de capacitações e a troca de experiências em áreas relevantes, como desenvolvimento, inovação e combate à pobreza”.
De acordo com fontes diplomáticas consultadas pela ANBA, a 2ª Cúpula Aspa deverá ter presença maciça de chefes de estado e de governo do Oriente Médio e Norte da África, uma vez que vai começar no mesmo dia que termina a Cúpula da Liga Árabe, também em Doha. Da América do Sul são esperados pelos menos 09 presidentes de um total de 12.

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