terça-feira, 3 de março de 2009

Por um 'new deal' global

O Estado de São Paulo

03/03/2009
Gordon Brown

Gordon Brown é primeiro-ministro do Reino Unido
Os historiadores olharão para trás e dirão que este não foi um período ordinário, mas um momento definidor: um período de mudança global sem precedente, e um tempo em que um capítulo se encerrou e outro começou.
A escala e velocidade da crise bancária global às vezes tem sido quase avassaladora, e sei que em países de todo o mundo pessoas que confiavam em seus bancos para guardar suas poupanças têm se sentido impotentes e assustadas. Mas é quando os tempos se tornam mais duros e os desafios maiores que países de todo o mundo precisam mostrar visão, liderança e coragem - e, embora possamos fazer muita coisa nacionalmente, podemos fazer ainda mais trabalhando juntos internacionalmente.
Assim, este é o momento para líderes de cada país trabalharem juntos para acertar a ação que nos permita transpor a presente crise e garantir que sairemos dela mais fortes. E não existe nenhuma parceria internacional na história recente que tenha servido melhor ao mundo que a relação especial entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos.
Trata-se de uma relação que persistiu e prosperou porque se baseia não simplesmente em nossa história comum, mas em valores duradouros que nos unem - nossos países se fundaram na liberdade, nossas histórias se forjaram pela democracia e pela crença inabalável no poder de empresa e oportunidade.
Mas, se ela reflete nossos valores e nossas histórias, essa relação especial é também uma parceria de propósitos, renovada por cada geração para refletir os desafios que enfrentamos. Nos anos 1940, descobrimos sua força plena na derrota do fascismo e na construção da ordem internacional do pós-guerra; na era da Guerra Fria, combatemos a propagação de armas nucleares e, quando o Muro de Berlim caiu, assistimos ao fim do comunismo. Neste novo século, desde que os horrores visitaram os Estados Unidos, em 2001, trabalhamos em parceria para derrotar o terrorismo.
Agora, nesta geração, precisamos mais uma vez renovar nosso trabalho conjunto. Um novo conjunto de desafios se coloca para o mundo todo, impondo a necessidade de uma parceria de propósitos que deve envolver o mundo inteiro. Reconstruir a estabilidade financeira mundial é um desafio global que exige soluções globais.
Entretanto, a instabilidade financeira é apenas um dos desafios que a globalização nos traz. Nossa tarefa ao trabalharmos juntos é assegurar uma recuperação com alto crescimento e baixa emissão de carbono, tratando com seriedade o desafio global da mudança climática. E nossos esforços precisam trabalhar para um mundo mais estável no qual derrotaremos não só o terrorismo global, mas a pobreza, a fome e a doença globais.
A globalização trouxe grandes avanços, tirando milhões da pobreza na medida em que eles colhem os benefícios do crescimento econômico e do comércio. Mas trouxe também novas incertezas, como esta - a primeira crise financeira verdadeiramente global - salienta. A globalização não é uma opção, é um fato, e por isso a questão que se coloca é se a administramos bem ou mal.
Acredito que não existe desafio tão grande ou tão difícil que não possa ser vencido pelos Estados Unidos, a Grã-Bretanha e o mundo trabalhando juntos. É por isso que o presidente Obama e eu discutiremos nesta semana um novo acordo global, cujo impacto poderá se estender das aldeias da África à reforma de instituições financeiras em Londres e Nova York - e dar segurança às famílias que trabalham duro em cada país.
Vejo esse novo acordo global como um acordo em que cada continente injetará recursos em sua economia. Acredito que o central neste novo investimento é que cada país apoie uma recuperação verde para o futuro, que cada país que deseje participar de um sistema financeiro internacional concorde com princípios comuns de regulação financeira, internacionalmente coordenada, e mudanças em seus sistemas bancários que nos trarão de novo uma prosperidade comum. E que, juntos, precisamos acertar a reforma do mandato e da governança de instituições globais para reconhecer a forma cambiante da economia mundial e o surgimento de novos atores.
Trata-se de um novo acordo global que assentará as bases não só de uma recuperação econômica sustentável, mas de uma era de parceria internacional genuinamente nova em que todos os países terão um papel a desempenhar. Esse programa de ações internacionalmente coordenadas inclui seis elementos: Primeiro, uma ação universal para impedir a propagação da crise, estimular a economia global e ajudar a reduzir a gravidade e extensão da recessão global. Segundo, uma ação para revigorar o sistema de empréstimos para que famílias e empresas possam tomar novamente emprestado. Terceiro, uma renúncia de todos os países ao protecionismo, com um mecanismo transparente para monitorar os comprometimentos.
Quarto, uma reforma da regulação internacional para fechar lacunas regulatórias para que sistemas bancários paralelos não tenham onde se esconder. Quinto, uma reforma de nossas instituições financeiras internacionais e a criação de um sistema internacional de alarme antecipado. E, por último, uma ação internacional coordenada para construir o amanhã hoje - colocar a economia mundial num caminho econômico, social e ambientalmente sustentável rumo à recuperação e ao crescimento futuro.
Eu sempre fui um "atlanticista" e um grande admirador do espírito de empreendimento e de propósito nacional americano. Visitei os EUA muitas vezes e fiz muitos amigos lá, e como primeiro-ministro quero fazer mais para fortalecer nossa relação com os EUA.
Winston Churchill descreveu a herança conjunta de Grã-Bretanha e Estados Unidos como não só uma história compartilhada, mas uma crença compartilhada nos grandes princípios de liberdade e direitos humanos - o que Barack Obama descreveu como o poder duradouro de nossos ideais - democracia, liberdade, oportunidade e esperança inabalável.
Grã-Bretanha e Estados Unidos podem estar separados pelas milhares de milhas do Atlântico, mas estamos unidos por valores comuns que jamais poderão ser rompidos. E, no momento em que os Estados Unidos se erguem em sua aurora de esperança, é meu desejo que essa esperança seja realizada com todos nós reunidos para moldar o século 21 como o primeiro século de uma sociedade verdadeiramente global.

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