Jornal Estado de São Paulo
Domingo, 29 de Março de 2009
EUA recrutam antropólogos civis
Pentágono leva acadêmicos ao Afeganistão para aumentar eficácia de estratégias usadas contra insurgentes
Roberto Simon
Tamanho do texto? A A A A
Ao anunciar sua nova estratégia para o Afeganistão, na sexta-feira, o presidente americano, Barack Obama, reforçou a ideia de que não se pode vencer o Taleban apenas pela força das armas. Já faz tempo, porém, que os EUA implementam no front afegão - e mesmo no iraquiano - ações que fogem do campo estritamente militar. Uma delas é o uso de cientistas sociais, sobretudo antropólogos, com o objetivo de compreender a cultura local e, assim, oferecer soluções na redução da violência. Com a guinada estratégica de Obama, é provável que a iniciativa cresça.
Batizado de "Human Terrain System" (Sistema Terreno Humano), o programa tem por objetivo "responder à demanda de militares em combate por informações de ordem sociocultural", informa a BAE, empresa que presta o serviço. Em 2005, ano em que foi inaugurado, o projeto teve um orçamento de US$ 40 milhões. O "soldo" do especialista é de até US$ 400 mil por ano. À época, foram enviadas 6 equipes ao Afeganistão e 21 ao Iraque.
No campo de batalha, os antropólogos - acadêmicos civis - usam uniforme militar e, em grupos de cinco a nove, integram unidades de combate. Durante patrulhas pelas ruas, eles analisam construções, sistemas de subsistência, entrevistam moradores e vasculham latas de lixo para destrinchar a sociedade local.
"Somos ótimos em matar pessoas e destruir coisas, mas para sermos relevantes no século 21, devemos nos adaptar. Precisamos do apoio da população e, para isso, devemos entender sua organização", disse o coordenador do programa, o coronel Steve Fondecaro, à revista Wired.
RESULTADOS
A ação de uma divisão aerotransportada no leste do Afeganistão, em 2006, é um dos exemplos de sucesso dos antropólogos citados pelo Pentágono. Um relatório conta que tropas dos EUA estavam sob constante ataque, apesar das tentativas de negociar com os homens mais velhos da região.
Após observações, um antropólogo concluiu que os líderes não eram os anciãos, mas os mulás. O diálogo com os religiosos teria rendido um acordo, além da captura de 80 taleban, 10 militantes paquistaneses e 32 árabes. Um mulá ainda concordou em discursar contra o Taleban em uma rádio.
Especialista em antropologia da guerra da Universidade de Illinois, Jonathan Haas não considera "legítimo o uso do conhecimento antropológico" na guerra ao terror. Dividida, a Associação Americana de Antropologia (AAA) publicou um comunicado no qual recomenda a seus membros não participarem do programa. "Mas os limites éticos são tênues e não se pode ver a situação em branco e preto", disse Haas ao Estado.
Ele cita o exemplo de um programa de habitação promovido pelos EUA no Afeganistão, que tinha parcos resultados pela falta de conhecimento sobre a cultura local. "Um antropólogo que trabalhava com os militares viu que as casas tradicionais tinham grandes salas, que serviam como um importante espaço de sociabilização, enquanto as novas construções tinham salinhas. Estava aí o problema." Neste caso, conclui Haas, a ação seria positiva, pois estaria a serviço da população.
Hugh Gusterson, antropólogo da Universidade George Mason, discorda. Em 2006, ele liderou um abaixo assinado na AAA contra o programa.
"Antropólogos do Human Terrain dividem informação sobre pessoas estudadas com uma organização que prende e mata alguns desses indivíduos", afirma Gusterson. "Apesar dos salários atrativos, eles têm enfrentado dificuldades em recrutar antropólogos. Militares começaram a criticar o programa e há denúncias de corrupção por parte da BAE."
Em janeiro, o assassinato de uma antropóloga do programa esquentou o debate. Rodeada por soldados, Paula Lloyd entrevistava um afegão sobre o preço do óleo de cozinha. Ela havia formulado uma teoria que relacionava a cotação do produto com o poder de insurgentes sobre rotas de suprimentos - quanto maior o controle do Taleban, menos óleo chegava ao vilarejo e o preço subia.
Solícito, o entrevistado respondeu enquanto segurava um balde com a substância. Quando os militares se preparavam para andar, o homem jogou o óleo sobre Paula e ateou fogo. Pouco depois, um colega antropólogo disparou contra a cabeça do agressor.
Apesar de polêmica, a presença da antropologia na guerra deve crescer com Obama, mas provavelmente sob diferentes formas. Para Gusterson, os cientistas sociais participarão de programas de reconstrução, enquanto os manuais militares incorporarão a antropologia.
domingo, 29 de março de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário