segunda-feira, 23 de março de 2009

Limites só no pós-crise

Isto é

23/03/2009

Octávio Costa

G-20 define confiança e crédito como prioridades para reunião de abril e adia, mais uma vez, criação de regras para cercar o capital especulativo

O mundo voltará sua atenção para Londres, na quintafeira 2 de abril. Lá estará reunido o G-20, grupo dos países desenvolvidos e emergentes responsáveis por 85% do PIB global. Caberá a eles o desafio de buscar saídas definitivas para a crise econômica internacional. Não há tempo a perder. Segundo o mais recente relatório do FMI, a economia mundial vai emagrecer de 0,5% a 1% este ano, na primeira recessão em 60 anos. A dose mais forte de retração ocorrerá nos países desenvolvidos, com perda de até 3,5%. Mas os emergentes também vão sofrer, com contração entre 1,5% e 2,5%. Para o Brasil, o FMI prevê uma forte desaceleração por causa, principalmente, da redução do crédito.

Consciente da urgência que o momento exige, o presidente Lula, em encontro com investidores estrangeiros, no hotel Plaza, de Nova York, na segunda-feira 16, afirmou que "as prioridades para o encontro do G-20 são a garantia de crédito para os países em desenvolvimento, a estatização dos grandes bancos em dificuldade, a regulamentação financeira e a fiscalização dos paraísos fiscais". Esta será, sem dúvida, a agenda de Londres. Tanto assim que a direção do FMI decidiu se antecipar e nesta terça-feira 24 anunciará uma ampla revisão de sua sistemática de empréstimos. Trata-se de um novo modelo de financiamento e de uma nova filosofia.

Não faltam aos ilustres e poderosos participantes do G-20 diagnósticos sobre a crise. Seja no meio acadêmico, Economia seja no meio empresarial, há consenso sobre as origens dos problemas atuais: apostou-se demais no poder de autorregulação dos mercados financeiros, permitindo uma especulação sem precedentes, que, ao fim, transformou os ativos em pó. Na opinião de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, "a criatividade na engenharia de novos produtos financeiros passou dos limites". O Prêmio Nobel Paul Krugman faz coro: "A expansão do sistema bancário paralelo, sem nenhum aumento de regulamentação, armou o palco para novas modalidades de corridas bancárias em escala maciça."

É enorme, portanto, a pressão por regras mais rígidas e mais seguras, que ponham termo definitivo às manobras irresponsáveis do mercado financeiro.O próprio presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ficou profundamente irritado ao saber da distribuição de bônus, no valor de US$ 165 milhões, aos executivos da seguradora AIG, que havia recebido US$ 173 bilhões de socorro do governo americano. Em resposta, o Senado elevou em 90% a taxação sobre esse tipo de bônus. O fato, porém, veio mostrar que a cultura dos executivos financeiros não se abalou, apesar da crise. O que é mais um motivo para que o G-20 adote medidas drásticas para rearrumar a casa. Alerta-se que o mais importante, agora, é restabelecer os fluxos de crédito.

"Devem ser adotadas novas regras prudenciais, mas como exigir mais cautela dos bancos se eles já não estão emprestando?", questiona o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central. "Importante, agora, é dinheiro, é resolver a crise de liquidez. E nesse caso o papel do FMI é fundamental", completa.

Paulo Nogueira Batista Jr., diretorexecutivo do FMI, representante do Brasil e mais oito países da América Latina, também admite que a nova regulamentação do setor financeiro é necessária, mas explica que existe um acordo entre os membro do Fundo de "não tentar impor novas regras agora no meio da crise". O que será discutido em Londres, segundo ele, é o fortalecimento do FMI, por meio de sua democratização. O objetivo é aumentar de forma significativa os recursos do FMI, mas ao mesmo tempo redefinir as quotas e os votos.

"A Europa está super-representada no FMI e os países em desenvolvimento estão sub-representados. O mundo mudou muito desde Breton Woods, em 1945", diz, referindo-se ao acordo mundial do pós-guerra que impôs limites ao capital especulativo. Ele destaca também que o monitoramento (surveillance) do FMI não conseguiu detectar a crise. E o motivo é que as crises costumavam ocorrer na periferia dos países desenvolvidos, mas agora tem os principais focos nos EUA e na Europa, que sofrem menor vigilância. "Os novos clientes do FMI são brancos. A área mais conflagrada, desta vez, não é a América Latina, nem a Ásia, nem a África, mas a periferia europeia, como a Lituânia, a Bielorrússia, a Sérvia e a Ucrânia", afirma Nogueira Batista. Após lembrar que a Islândia e a Hungria também pediram recursos ao FMI, ele ressalta que é tempo de a estrutura do FMI refletir essa nova realidade, em termos de quotas e votos dos países emergentes. A Europa, porém, resiste por temer pagar a conta da crise. A tensão social aumenta, sobretudo, na Alemanha e na França.

Quanto à reestruturação do sistema financeiro, Nogueira Batista diz que é um processo em discussão que tem a ver com o pós-crise. "Procura-se saber hoje como será a configuração do sistema financeiro quando a tempestade passar. Haverá, sem dúvida, maior rigor", prevê. O que existe de mais concreto sobre o tema é o relatório do Grupo dos 30, organização privada que reúne economistas e ex-ministros de Finanças de várias partes do mundo.

O grupo é presidido por Paulo Volker, assessor econômico de Barack Obama, e tem como vice-presidente o brasileiro Armínio Fraga. Entre as propostas, destacam- se a regulação mais rígida dos hedge funds e dos derivativos, a adoção de novos limites de risco de crédito e a subordinação das instituições não bancárias aos bancos centrais. Na opinião de Krugman, que faz parte do grupo, "qualquer coisa que necessite de socorro durante a crise financeira, por desempenhar papel essencial no sistema financeiro, deve ser submetida à regulamentação, quando a crise tiver sido superada". As ideias já estão circulando, mas enfrentam forte resistência dos Estados Unidos e da Inglaterra, que não se dispõem a abrir mão da soberania nacional, além de temer o que chamam de "overregulation".

Afinado com essa última preocupação, o economista Roberto Teixeira da Costa adverte que "é preciso evitar que se passe ao outro extremo de regras que acabe por engessar os mercados". Nogueira Batista discorda frontalmente: "Estados Unidos e Inglaterra acreditam no laissez faire e querem preservar a liberdade, a iniciativa e a criatividade do mercado. Mas todos nós estamos pagando um preço alto demais por esses princípios." A discussão vai longe e certamente servirá de pano de fundo ao encontro do G-20.

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