sexta-feira, 6 de março de 2009

Keynes e os keynesianos

O Globo

06/03/2009
Rubem de Freitas Novaes

Acrise atual traz à baila ideias intervencionistas do economista inglês John Maynard Keynes, que, diante da depressão dos anos 30, se tornou crítico da Teoria Econômica Neoclássica, sustentáculo do pensamento liberal tradicional exposto por autores do calibre de Adam Smith, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Milton Friedman.

Muitos analistas, pessimistas com os rumos da economia, hoje caracterizada pelo predomínio do Capitalismo e pela globalização dos mercados, parecem prever novos tempos em que regimes econômicos caminhariam no sentido da socialização dos meios de produção e do estreitamento do comércio internacional. Fazem-no buscando respaldo intelectual em Keynes, como se fosse um inimigo declarado do capitalismo e do livre comércio. Convém, portanto, para melhor entendimento da questão, repassar alguns tópicos do pensamento econômico dos tempos em que foi escrita a famosa obra do mestre de Cambridge, "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda":

Antes da publicação da "Teoria Geral" de Keynes, em 1936, prevalecia no corpo da doutrina econômica a ideia de que a "mão invisível" de Smith era bastante para resolver, não só questões de ajustamentos setoriais, mas também problemas de recessão. De início, acreditava-se que a "Lei de Say", segundo a qual "a oferta cria sua própria demanda", vigorava sempre. Mais tarde, diante da constatação da existência de ciclos de recessão e prosperidade (geralmente causados, é verdade, por imperícia dos governantes), a Teoria Neoclássica passou a postular que, mesmo diante de uma queda da demanda global, bastaria a existência de plena flexibilidade de preços e salários para que os mercados se autocorrigissem, evitando males de uma depressão.



A grande "sacada" de Keynes foi perceber que o bom funcionamento do regime capitalista depende de um fator até então muito pouco lembrado nas construções teóricas: a fundamental confiança entre os agentes econômicos. Instalada uma crise generalizada de confiança num momento ruim da economia - sem que se discuta o que a originou - a hipótese de flexibilidade de preços e salários seria insuficiente para garantir o retorno à normalidade, já que os mercados de moeda e crédito deixariam de funcionar adequadamente. Emissões primárias de base monetária comandariam um menor estoque de moeda, pela queda dos multiplicadores bancários, e o estoque de moeda existente comandaria uma menor demanda agregada, pela queda da velocidade de circulação monetária. Em outras palavras, bancos, indivíduos e empresas disporiam de recursos financeiros, mas não os movimentariam na velocidade desejada. Com isso, estaria configurada uma "armadilha da liquidez" (liquidity trap), modernamente chamada de "empoçamento" da moeda e do crédito, que obrigaria o governo a agir do lado das despesas públicas para restabelecer um nível razoável de atividade econômica.



Neste ponto podemos introduzir a crítica de Milton Friedman, no sentido de que não seria necessário o aumento do dispêndio público para estimular a demanda agregada, bastando para tanto que se emitisse moeda até a desobstrução dos canais entupidos e que se reduzisse a carga tributária sobre indivíduos e empresas. Mas, ainda assim, permaneceriam válidos os pressupostos da política fiscal compensatória de Keynes que, lastreada numa bem maior propensão a gastar do setor público em períodos de crise de confiança, faz prever significativo acréscimo na demanda quando recursos são transferidos da população para as agências governamentais gastadoras.



Se Keynes e sua obra têm méritos indiscutíveis, o mesmo não pode ser dito de muitos de seus seguidores e dos que se apropriam e distorcem suas ideias. Duas categorias de "keynesianos" aqui se destacam: os que apontam falhas no funcionamento dos mercados para defender o ideário socialista e a classe de políticos e governantes que, sedenta de poder, procura respaldar-se no rationale oferecido pelo mestre inglês para justificar despesas direcionadas a grupos de interesse, empregar protegidos e criar organismos públicos geradores de "bons negócios".



Pouco antes de sua morte, Lord Keynes dirigiu-se ao ultraliberal Hayek demonstrando abominar o credo socialista. Sua grande contribuição à Teoria Econômica foi feita com o intuito de fortalecer o capitalismo, corrigindo, com medidas de caráter temporário, falhas do funcionamento dos mercados magnificadas em momentos de crise de confiança. Se vivo fosse, certamente estaria feliz com seu retorno às manchetes, mas amargurado com o mau uso que fazem de seus ensinamentos.

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