segunda-feira, 23 de março de 2009

Gordon Brown : Protecionismo é ruína

Veja

23/03/2009

Duda Teixeira
O primeiro-ministro britânico quer encontrar uma solução de consenso para a crise econômica e diz que todo mundo perde com o aumento de tarifas

O primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, foi um dos primeiros governantes a acusar a grandeza da crise econômica e carrega nos ombros a responsabilidade de ajudar a debelá-la. Ele é o articulador da Cúpula de Londres, que no próximo dia 2 reunirá os dirigentes das vinte maiores economias, representantes de 85% do PIB mundial. No encontro de um único dia, Brown pretende forjar uma ação conjunta para retomar o crescimento e a estabilidade econômica. Parlamentar trabalhista desde 1983, esse escocês de 58 anos assumiu o cargo de primeiro-ministro em junho de 2007, substituindo Tony Blair, de quem foi ministro das Finanças por dez anos. Enquanto se preparava para uma viagem a São Paulo, onde se encontrará com o presidente Lula, Brown deu a seguinte entrevista a VEJA.

O senhor tem advertido que a adoção de medidas protecionistas seria contraproducente no combate à crise econômica. Por que ações que visam a preservar empregos e fortalecer o mercado consumidor doméstico atrapalhariam a recuperação da economia global?
Considero incompreensível que alguns países possam ceder à tentação de recorrer a políticas que põem em primeiro lugar o interesse de suas empresas nacionais, produtoras e exportadoras. Isso pode ser muito perigoso. Estima-se que um aumento na aplicação de tarifas em todo o planeta poderia encolher o mercado mundial em 728 bilhões de dólares. Restringir importações ou subsidiar a produção nacional acaba por elevar as despesas para os consumidores e para quem paga impostos. Isso deixa a população com menos dinheiro para gastar na compra de bens e serviços. Devemos manter nosso compromisso com o livre mercado e continuar a trabalhar para concluir a Rodada Doha das negociações sobre a liberação do comércio mundial. Também precisamos nos esforçar para que a Organização Mundial do Comércio tenha um papel maior em monitorar e fortalecer os compromissos com o mercado. Em tempos de dificuldade econômica, argumentos protecionistas sempre voltam à tona, mas não podemos nos deixar levar por eles.

A crise econômica pode pôr em risco a integridade da União Europeia?
A situação tem demonstrado que os membros da União Europeia podem trabalhar juntos para atuar em harmonia e com impacto real na vida dos trabalhadores europeus, de suas famílias e nos seus negócios. Uma política conjunta da União Europeia promoveria também maior transparência na regulação dos serviços financeiros europeus e mundiais. Essa é uma questão crucial, uma vez que estamos todos empenhados em não deixar que a crise financeira atual se repita no futuro.

O que a Europa está fazendo para sair da crise?
A União Europeia tem um papel-chave a desempenhar nos preparativos para a Cúpula de Londres. Três meses atrás, os 27 países-membros do grupo concordaram em dar uma resposta coordenada à crise, agindo com rapidez para aumentar os gastos e acelerar as reformas. Trata-se, sobretudo, de ações nas áreas de educação, emprego, eficiência energética e infraestrutura digital. Esse tipo de política é crucial. Quando os países atuam de forma unida, o impacto nos negócios e na confiança do consumidor é muito maior do que quando agem separadamente.

O governo britânico gastou bilhões de libras para salvar os bancos nacionais. Medidas com perfil estatizante como essa sinalizariam o fracasso do capitalismo e do livre mercado?
Acredito firmemente que as economias baseadas no livre mercado oferecem melhorias reais no padrão de vida das pessoas. Seria um erro grosseiro desistir desse modelo apenas por causa da crise econômica. Os problemas com que estamos lidando, porém, podem reforçar a necessidade de uma regulação mais efetiva dos mercados financeiros para que consigam funcionar adequadamene e produzir crescimento econômico. Os mercados devem ser livres, mas não podem ser livres de valores éticos. O governo britânico interveio no setor bancário para garantir que ele continue a apoiar as famílias e os empresários. Os bancos têm de prover as fundações para que a economia possa crescer no futuro. Isso é algo com que o presidente Lula e eu concordamos firmemente, e devemos conversar sobre o assunto durante minha visita.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que estava esquecido, deveria ganhar mais poderes para auxiliar economias à beira da falência?
Todos os países estão sentindo os impactos da crise, e é necessário que eles possam contar com o FMI para estabilizar suas economias em dificuldades. Não usar esse instrumento seria impingir sofrimento desnecessário a seus habitantes e também pôr a todos em risco, pois os problemas econômicos hoje facilmente transbordam pelas fronteiras. Defendo um aumento substancial dos recursos do FMI, para que essa instituição esteja apta a apoiar todos os países que precisem de socorro.

Os bancos brasileiros estão menos expostos aos riscos que arruinaram instituições ao redor do mundo. As leis que regulam o sistema bancário brasileiro poderiam servir de modelo para o sistema europeu?
Uma das ideias que estão sendo discutidas atualmente é a criação de normas para garantir que os bancos em todo o mundo administrem melhor seu capital. Caso essa sugestão seja acatada, as instituições terão mais dinheiro em caixa em momentos de crise e, desse modo, serão capazes de despejar aos poucos essas reservas no mercado. Seria possível, assim, prevenir desabamentos no setor financeiro. Quebras, como as que vimos, comprometem os interesses das pessoas e de suas famílias, que podem não conseguir pagar ou pedir empréstimos. O Brasil, por outro lado, tem um grande, moderno, lucrativo e bem capitalizado setor bancário. Os bancos brasileiros têm conseguido um desempenho muito bom nos últimos meses, e não há dúvida de que podemos tirar lições desse modelo. Essa é uma das razões pelas quais convidamos o Brasil e outros países emergentes a se tornar membros do Fórum de Estabilidade Financeira, um espaço criado em 1999 para que diretores de bancos centrais, ministros e autoridades de órgãos internacionais troquem informações.

Estabelecer laços mais fortes com o Brasil e com países como a China e a Índia pode ajudar a Inglaterra e a Europa a sair mais rapidamente dessa crise?
Os problemas atuais afetam a economia mundial como um todo, não apenas países ou regiões. À medida que a crise se aprofundou, seus impactos se espalharam e contaminaram os emergentes também. Nenhuma nação está totalmente isolada de suas consequências. Assim, todos devem fazer sua parte para reformar e melhorar os sistemas internacionais. Muitos países já agiram para minimizar os impactos, mas há também políticas coordenadas que podem ser tomadas em conjunto pelos bancos centrais em relação às taxas de juro. Todas as nações que estarão na Cúpula de Londres têm um papel substancial a desempenhar no soerguimento da economia global e no fortalecimento do aparato financeiro.

Medidas para reduzir as emissões de carbono na atmosfera e diminuir os efeitos do aquecimento global não se tornariam um peso a mais para a economia mundial?
Não seria melhor adiar esse tipo de política até que o mundo se livrasse dessa crise? Preocupar-se com as mudanças climáticas é uma necessidade, não um luxo. Não é algo que possa ser adiado até que as previsões econômicas se mostrem otimistas. Investimentos em negócios e tecnologias verdes serão a garantia de uma recuperação resistente e sustentável, pois não correríamos o risco de um renascimento dos elevados preços de energia. Essas medidas podem ainda criar empregos a curto e médio prazo. É de nosso total interesse, portanto, que o mundo ingresse em uma trajetória mais limpa de crescimento. Um passo importante para isso é traçar um ambicioso acordo global sobre mudanças climáticas no encontro em Copenhague, capital da Dinamarca, em dezembro deste ano.

As ameaças terroristas na Inglaterra e nos Estados Unidos parecem ter diminuído, enquanto os ataques dão a impressão de ter se transferido para países periféricos, como o Paquistão. Isso deve levar a uma mudança na estratégia de combate ao terror?
Embora a Inglaterra e os Estados Unidos não tenham sofrido ataques recentes de terroristas internacionais, nossas agências de segurança e de inteligência continuam rastreando a pista de inúmeras ameaças. Os últimos ataques contra turistas em Mumbai, na Índia, e contra a equipe de críquete do Sri Lanka em Lahore, no Paquistão, demonstram que a ameaça é grande e é preciso manter a vigilância. Nossa abordagem para combater o terrorismo deve ser abrangente. Em seu cerne, tem de incluir uma estratégia baseada na cooperação internacional entre as polícias e as forças de segurança. Devemos fazer esforços de grande amplitude para combater os extremistas, sem para isso abrir mão do respeito pelos direitos humanos fundamentais.

Como o senhor se define ideologicamente?
Sempre fui um progressista. Um membro do governo deve se perguntar a todo momento o que ainda pode fazer para melhorar a vida das pessoas comuns. Temos a obrigação de promover prosperidade e crescimento econômico e ao mesmo tempo construir uma sociedade mais justa. Quando deparamos com uma crise econômica como a atual, essa postura fica mais importante do que nunca. Se olharmos para o passado, para os momentos de instabilidade, veremos que foram os pobres, os idosos e os trabalhadores comuns que sempre pagaram o preço mais alto pelas crises. Eles são sempre a parte mais vulnerável. Nessa ocasião, temos o dever de pôr esses grupos em primeiro lugar e protegê-los dos piores e mais prolongados efeitos da crise.

Qual será o foco de suas conversas em São Paulo?
O Brasil é a décima economia do mundo e será um dos participantes da Cúpula de Londres, no dia 2 de abril. Esse evento reunirá os governantes das vinte maiores economias, que representam 85% do PIB mundial. Nesse único dia, teremos uma oportunidade vital para elaborar uma ação internacional com o objetivo de restaurar o crescimento e a estabilidade da economia. Em minha visita ao Brasil, vou conversar com o presidente Lula sobre as respostas que brasileiros e britânicos estão dando à crise e trocar ideias sobre políticas prioritárias que poderão entrar na agenda da reunião em Londres. Outra meta da visita é ampliar as excelentes relações de negócios que meu país mantém com o Brasil. Nunca tivemos tantas companhias brasileiras e britânicas comprando e vendendo produtos e serviços entre si. O comércio bilateral está crescendo muito rapidamente, em um ritmo sem paralelo com outros períodos históricos. Apenas no ano passado, nossas exportações aumentaram mais de 50%.

O senhor acompanha o futebol brasileiro?
O Brasil ocupa um lugar especial no coração dos torcedores de todo o planeta. Sempre fui um grande fã, dos tempos de Pelé e Jairzinho, do grande time de 1970, aos grandes nomes que hoje atuam no campeonato inglês e na Copa dos Campeões da Europa. A primeira Copa do Mundo a que assisti ao vivo foi na Espanha, em 1982, quando o Brasil enfrentou a Escócia na primeira fase. Claro, o Brasil venceu por 4 a 1, e realmente deveria ter ganho a Copa do Mundo naquele ano. O time de Sócrates, Zico e Falcão era magnífico. Nunca me esquecerei de vê-los ao vivo. O Brasil sempre jogou do jeito que deve ser jogado. Os atletas brasileiros são o que há de especial no futebol.

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