sábado, 7 de março de 2009

A luta armada como embrião do feminismo

Jornal do Brasil

07/03/2009

Mulheres participaram ativamente da oposição ao regime

Vasconcelo Quadros, de Brasília

A forte presença das mulheres na luta armada durante o enfrentamento ao regime militar nos anos de chumbo desencadeou no Brasil o movimento feminista e, como subproduto deste, o expressivo engajamento delas na luta pelos direitos humanos.

– As mulheres atuaram buscando lutar em pé de igualdade com os homens que pegaram em armas. Romperam tabus familiares e sociais e, ainda que não tivessem colocado o feminismo na pauta, são responsáveis pelo surgimento do movimento de forma expressiva no Brasil – diz o professor de sociologia da Universidade de Campinas Marcelo Siqueira Ridenti.

Autor de um levantamento sobre a presença feminina entre as organizações que optaram pela luta armada, Ridenti mostra números impressionantes para um país marcado, até então, pela presença quase exclusiva dos homens em movimentos rebeldes. Baseado no cruzamento de informações publicadas no livro Brasil Nunca Mais e transformada em ensaio – As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo – a pesquisa mostra que de um total de 4.124 pessoas processadas pela Justiça Militar no período da ditadura, 660 – ou 16% – são mulheres. A presença feminina sobre para 18,3%, no entanto, quando o estudo se concentra apenas no conjunto das organizações armadas.

Na linha de frente

A presença feminina, entre 15% e 20% no total, é forte também entre as organizações de maior peso na luta armada. Na Ação Libertadora Nacional (ALN), a mais aguerrida na área urbana, 76 mulheres ou 15,4% do total foram processadas; na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) eram 35 ou 24,1%; no PCdoB, responsável pela Guerrilha do Araguaia e o de maior expressão no campo, 47 mulheres ou 18,1% foram processados.

No levantamento que fez para o livro As mulheres que foram à luta armada, o jornalista Luiz Maklouf Carvalho chegou a um número de 80 mulheres que tiveram participação ativa nas ações urbanas e rurais. O Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos, organizado pelos grupos do Tortura Nunca Mais do Rio e São Paulo, aponta outras 24 mulheres mortas e 20 desaparecidas, o que eleva o total para 124. O número total pode chegar a duas centenas se for levado em conta as mulheres que desistiram da luta armada no meio do caminho, fugiram, se esconderam ou que nunca quiseram tornar pública suas histórias.

– Embora a maioria dos relatos sobre os anos de chumbo tenha sido feita por homens, foram as mulheres que criaram os movimentos pelos direitos humanos. Hoje elas estão à frente da busca pela verdade e a memória do período – afirma Cecília Coimbra, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio.

Segundo ela, as mulheres criaram as principais entidades estaduais e acabaram empurrando a presença feminina para os movimentos rurais que há 30 anos atrás eram formados apenas por homens.

Originárias do movimento estudantil, as mulheres participaram ativamente das ações armadas e também sofreram os rigores da repressão. Falecida em 2007, a economista e socióloga Vera Silvia Magalhães participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1968, libertado depois que os militares aceitaram mandar para o exílio dezenas de guerrilheiros presos.

No Araguaia se destacaram mulheres como Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina, tão temida quanto os homens pelos militares. Lá também teve papel de destaque Maria Lúcia de Souza, a Sônia, morta ao enfrentar sozinha um pelotão inteiro do Exército. Entre as personagens que militam hoje na política, a ministra e presidenciável Dilma Rousseff é outra que participou das ações armadas nos anos de chumbo. Atuou em organizações em Minas, na Guanabara e em São Paulo, onde foi presa e torturada.

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