terça-feira, 31 de março de 2009

G-20 tem de focar objetivos básicos para ter sucesso

Valor Econômico

31/03/2009

Financial Times


O encontro de chefes de governo do G-20 (grupo de 20 países de maior renda e emergentes) em Londres será um momento de definição. Num momento de crise econômica, os líderes dos países Justificarque geram a maior parte da atividade econômica global têm de apontar o caminho por meio de soluções comuns. Se eles conseguirem fazer isso, o encontro pode não ser lembrado como o começo do fim da crise, mas como o fim do começo.

Só o fato de o G-20 ser visto como o grupo certo para enfrentar esse desafio já é significativo. Não é mais possível que um pequeno número de países ocidentais - junto com o Japão - resolva os problemas econômicos mundiais. O G-20, por outro lado, contém todas as economias importantes do mundo. Aqui, sobretudo, as potências emergentes não se sentem como meros convidados, como nos encontros do G-8, o grupo de países mais ricos. Sendo assim, este é o grupo certo. Seu primeiro encontro foi em Washington, em novembro passado. O encontro de Londres deve ser o segundo de uma série.





Alguns progressos substanciais já foram alcançados, auxiliados por análises úteis do Fundo Monetário Internacional. Nunca antes a sabedoria dos fundadores das instituições de Bretton Woods e da Organização Mundial do Comércio havia ficado tão evidente quanto durante esta crise. Diferentemente dos anos 30, a existência dessas instituições reforçou os hábitos de cooperação e salvaguardou os princípios de abertura de mercado. Elas nos lembram, por sua existência e preceitos, que a crise mundial realmente precisa de soluções mundiais.

Elas também nos contam quão mal vai essa crise agora. Em sua última previsão, o FMI sugere que a economia mundial pode se contrair de 0,5% a 1% neste ano, o primeiro declínio desse gênero desde a Segunda Guerra Mundial. A OMC prevê um declínio de 9% no volume de comércio global. Essas quedas maciças vão ocorrer apesar dos estímulos fiscais e monetários já em aplicação. Esses números nos falam de esperanças obliteradas e vidas em dificuldades por todo o planeta.

A primeira prioridade do encontro, então, é prometer pacotes de estímulo grandes o bastante para eliminar o risco de uma espital de declínio na demanda e na produção mundiais.

Os países com reservas cambiais e superávits estão em melhor posição para adotar as medidas monetárias e fiscais. Os últimos têm obrigação e oportunidades excepcionais, já que dependem tando dos gastos e empréstimos dos outros para suas próprias estabilidades macroeconômicas. A China pode estar começando a entender isso. A Alemanha, não.

A segunda prioridade é um aumento nos recursos disponíveis ao FMI, para que ele possa responder adequadamente às dificuldades dos países emergentes, se não dos países da Europa Central e do Leste, também. Os recursos existentes de cerca de US$ 250 bilhões correspondem a aproximadamente 4% das reservas cambiais internacionais. Os europeus sugeriram dobrar esse montante; os EUA falam em triplicar. Os EUA estão mais perto em acertar o tamanho necessário.

A terceira prioridade é um acordo em como limpar a bagunça do setor financeiro sem acelerar a desintegração do sistema financeiro mundial. O protecionismo financeiro é quase que um resultado inevitável dos planos de ajuda financiados pelos contribuintes. Mas é preciso resistir a essa forma de protecionismo.

Isso nos leva à quarta prioridade: uma suspensão no protecionismo, inclusive comercial. Isso teria de ser monitorado pela OMC e pelo FMI.

Se o encontro alcançar esses objetivos básicos, ele terá sido um sucesso. Além disso, ele terá de promover esforços em três direções: análises dos erros do sistema financeiro e a promoção de uma reforma radical; análises tanto da fragilidade do sistema monetário global quando dos desequilíbrios macroeconômicos, que tiveram um grande papel para a instalação dessa crise; e a rápida reforma e modernização da estrutura das instituições internacionais. Separar o setor de monitoramento do de concessão de crédito deve ser uma parte dessas reformas. A melhor maneira seria formar grupos de alto nível de especialistas independentes que fariam recomendações aos líderes do G-20 até o final do ano.

Essa é uma crise que vai definir a economia global. A história julgará os líderes e o modo como eles responderam ao desafio. Ou eles põem em prática um programa de recuperação e reforma que leve a uma globalização mais saudável ou eles serão considerados responsáveis pelo colapso da promessa de um mundo melhor. Essa é uma escolha entre avançar e retroceder. É uma decisão que esses líderes têm de tomar juntos. Que tomem a decisão certa.

segunda-feira, 30 de março de 2009

A utopia de uma ONU das finanças

Veja

30/03/2009

Lucila Soares
Além de enfrentarem os efeitos da crise global, os países
industrializados começam a trabalhar na construção de
mecanismos de fiscalização dos mercados. É a mais difícil
empreitada internacional desde o fim da II Guerra

MÃOS À OBRA
O local onde se realizará a reunião do G-20, em Londres: reforma do FMI em pauta
A duração da crise financeira internacional e a profundidade de seu impacto sobre a economia real ainda dividem opiniões. Mas é cada vez mais forte o consenso de que 2008 entrará para a história como o ano que pôs em xeque os pilares da ordem mundial instituída ao final da II Guerra Mundial. Esta crise, por ser a primeira verdadeiramente global, veio demonstrar cabalmente a precariedade dos poucos mecanismos internacionais de regulação financeira. E deixou claro que os organismos criados em meados do século XX para reconstruir um mundo arrasado pela guerra não dão conta das complexas necessidades do mundo globalizado deste século XXI. Essa constatação está no centro das discussões da reunião do G-20, que se realiza em Londres nesta semana. Os representantes das vinte maiores economias, que respondem por 85% do produto interno bruto mundial, já estabeleceram, em novembro, alguns princípios que deverão nortear as reformas necessárias. O desafio agora é transformar esses princípios em ações concretas.
A maior dificuldade reside no desenho de um mecanismo internacional de monitoramento financeiro e na construção de um arcabouço regulatório que impeça, ou pelo menos torne mais remoto, o risco de uma crise de proporções devastadoras como a que se iniciou no ano passado. A questão é de alta complexidade. No campo político ela foi enfrentada a sério, pela primeira vez na história da humanidade, depois da II Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). A missão principal da ONU era clara: evitar a eclosão de uma III Guerra Mundial. Sob esse exclusivo ponto de vista, a entidade foi bem-sucedida. A ideia de criar uma ONU das finanças que impeça a explosão de uma nova crise econômica mundial é, no entanto, inviável. O primeiro obstáculo deriva do fato de que uma entidade como essa teria de passar por cima da soberania das nações e ter poderes regulatórios sobre a política econômica e a atividade bancária de cada nação. Impedir uma crise econômica mundial é muito mais difícil do que impedir uma guerra mundial. Se a guerra é coisa séria demais para ser deixada a cargo dos generais, a verdade é que a economia continua a cargo dos economistas. Talvez por essa razão os grandes fóruns internacionais encarregados de assuntos econômicos sejam excelentes tecnicamente e, ao mesmo tempo, os mais fracos e os de menor poder deliberativo ou de persuasão. Caso emblemático é o da Organização Mundial do Comércio (OMC), que, apesar do sucesso em algumas pequenas arbitragens pontuais, nunca conseguiu colocar de pé um mecanismo consensual de trocas de amplitude planetária.

DE QUEM É A CULPA?
Lula com o primeiro-ministro Gordon Brown: a crise foi feita pelos "homens brancos de olhos azuis"
As questões econômicas encontram obstáculos até em fóruns regionais. A União Europeia é um bom retrato do desafio. Tem 27 países em diferentes estágios de desenvolvimento, atingidos de forma desigual pela crise. E um banco central que enfrenta enorme dificuldade para fiscalizar e regular convenientemente esse conjunto. Isso num bloco que começou a ser organizado há mais de meio século, em 1957. Imagine-se no mundo inteiro, e num momento difícil como o atual. Ainda que fosse possível criar um mecanismo central tão poderoso, isso não seria desejável. O excesso de regulação tende a inibir a criatividade dos mercados, mas, ao longo da história, teve impactos positivos. O melhor exemplo é a criação do mercado de ações, que, apesar de ter como regra a instabilidade a curto prazo, viabilizou, a longo prazo, o crescimento das empresas e a distribuição de seus lucros.
A tendência predominante agora é fortalecer as instituições internacionais existentes – e não partir para a criação de um novo organismo. A regulação financeira mundial poderia ficar a cargo do Fórum de Estabilização Financeira, ligado ao BIS, que é o banco central dos bancos centrais. O fórum acaba de ter sua composição ampliada, para incorporar os países emergentes. A ideia é que, com essa configuração, ele ganhe legitimidade para recomendar aos chefes de estado dos países do G-20 a adoção conjunta de um arcabouço regulatório mínimo. Seriam estabelecidos princípios e acordos de adesão voluntária pelos países, porém sem mecanismos de intervenção em caso de descumprimento de acordos. Cogita-se também a adoção de instrumentos de incentivo para premiar com crédito mais abundante os países que demonstrarem maior adesão às normas gerais de governança do mercado financeiro.
Para o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, com toda a certeza alguma regulação mundial nova haverá, mas ela será bem menos ambiciosa do que seus defensores imaginam. Diz Langoni: "Os princípios devem ser poucos e sólidos, sem a visão excessivamente ambiciosa que surge sempre em momentos de crise aguda". Em linhas gerais, esses princípios são dois:
• Abrangência: toda e qualquer instituição financeira – bancos, corretoras, fundos de investimentos – tem de estar sujeita ao mesmo marco regulatório.
• Transparência: toda e qualquer empresa ou instituição financeira tem a obrigação de informar claramente os investidores sobre seus produtos e sua situação financeira. Os balanços devem registrar todas as operações que possam significar risco às instituições.
Henrique Meirelles espera avanços na reunião do G-20
A outra vertente fundamental da reunião do G-20 é a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI), para atender às necessidades de financiamento das nações emergentes. Existem poucas dúvidas de que, mesmo sendo considerado por seus críticos um órgão burocrático e pouco funcional, o Fundo é um organismo que foi aparelhado ao longo dos últimos cinquenta anos para financiar reformas mundo afora. Hoje ele está subdimensionado. Seus 250 bilhões de dólares são uma gota no oceano das necessidades dos momentos de crise mundial. A ideia é elevar seu poder de fogo para pelo menos 500 bilhões de dólares. Para muitos analistas, 1 trilhão de dólares ainda seria pouco. O mais provável é que se fique no meio do caminho, em 750 bilhões de dólares.
Mesmo nesse assunto, em que existe mais concordância do que divergência, no en-tanto, há dificuldades. O tema torna-se espinhoso quando a discussão entra no mérito de quem vai contribuir com quanto. Os países emergentes não aceitam discutir o desembolso sem que seja aprovada a mudança na estrutura de poder do FMI. Ainda assim, o presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, está otimista em relação à reunião do G-20. Ele disse a VEJA acreditar que este é um bom momento para avançar na construção de uma nova ordem financeira mundial: "Sempre se aprende algo nas grandes crises. Bom exemplo é o Brasil, que sofreu com a quebra de grandes bancos em 1995 e criou uma sólida estrutura de fiscalização a partir daí".

domingo, 29 de março de 2009

Para que serve a Antropologia Social

Jornal Estado de São Paulo
Domingo, 29 de Março de 2009
EUA recrutam antropólogos civis
Pentágono leva acadêmicos ao Afeganistão para aumentar eficácia de estratégias usadas contra insurgentes

Roberto Simon
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Ao anunciar sua nova estratégia para o Afeganistão, na sexta-feira, o presidente americano, Barack Obama, reforçou a ideia de que não se pode vencer o Taleban apenas pela força das armas. Já faz tempo, porém, que os EUA implementam no front afegão - e mesmo no iraquiano - ações que fogem do campo estritamente militar. Uma delas é o uso de cientistas sociais, sobretudo antropólogos, com o objetivo de compreender a cultura local e, assim, oferecer soluções na redução da violência. Com a guinada estratégica de Obama, é provável que a iniciativa cresça.

Batizado de "Human Terrain System" (Sistema Terreno Humano), o programa tem por objetivo "responder à demanda de militares em combate por informações de ordem sociocultural", informa a BAE, empresa que presta o serviço. Em 2005, ano em que foi inaugurado, o projeto teve um orçamento de US$ 40 milhões. O "soldo" do especialista é de até US$ 400 mil por ano. À época, foram enviadas 6 equipes ao Afeganistão e 21 ao Iraque.

No campo de batalha, os antropólogos - acadêmicos civis - usam uniforme militar e, em grupos de cinco a nove, integram unidades de combate. Durante patrulhas pelas ruas, eles analisam construções, sistemas de subsistência, entrevistam moradores e vasculham latas de lixo para destrinchar a sociedade local.

"Somos ótimos em matar pessoas e destruir coisas, mas para sermos relevantes no século 21, devemos nos adaptar. Precisamos do apoio da população e, para isso, devemos entender sua organização", disse o coordenador do programa, o coronel Steve Fondecaro, à revista Wired.

RESULTADOS

A ação de uma divisão aerotransportada no leste do Afeganistão, em 2006, é um dos exemplos de sucesso dos antropólogos citados pelo Pentágono. Um relatório conta que tropas dos EUA estavam sob constante ataque, apesar das tentativas de negociar com os homens mais velhos da região.

Após observações, um antropólogo concluiu que os líderes não eram os anciãos, mas os mulás. O diálogo com os religiosos teria rendido um acordo, além da captura de 80 taleban, 10 militantes paquistaneses e 32 árabes. Um mulá ainda concordou em discursar contra o Taleban em uma rádio.

Especialista em antropologia da guerra da Universidade de Illinois, Jonathan Haas não considera "legítimo o uso do conhecimento antropológico" na guerra ao terror. Dividida, a Associação Americana de Antropologia (AAA) publicou um comunicado no qual recomenda a seus membros não participarem do programa. "Mas os limites éticos são tênues e não se pode ver a situação em branco e preto", disse Haas ao Estado.

Ele cita o exemplo de um programa de habitação promovido pelos EUA no Afeganistão, que tinha parcos resultados pela falta de conhecimento sobre a cultura local. "Um antropólogo que trabalhava com os militares viu que as casas tradicionais tinham grandes salas, que serviam como um importante espaço de sociabilização, enquanto as novas construções tinham salinhas. Estava aí o problema." Neste caso, conclui Haas, a ação seria positiva, pois estaria a serviço da população.

Hugh Gusterson, antropólogo da Universidade George Mason, discorda. Em 2006, ele liderou um abaixo assinado na AAA contra o programa.

"Antropólogos do Human Terrain dividem informação sobre pessoas estudadas com uma organização que prende e mata alguns desses indivíduos", afirma Gusterson. "Apesar dos salários atrativos, eles têm enfrentado dificuldades em recrutar antropólogos. Militares começaram a criticar o programa e há denúncias de corrupção por parte da BAE."

Em janeiro, o assassinato de uma antropóloga do programa esquentou o debate. Rodeada por soldados, Paula Lloyd entrevistava um afegão sobre o preço do óleo de cozinha. Ela havia formulado uma teoria que relacionava a cotação do produto com o poder de insurgentes sobre rotas de suprimentos - quanto maior o controle do Taleban, menos óleo chegava ao vilarejo e o preço subia.

Solícito, o entrevistado respondeu enquanto segurava um balde com a substância. Quando os militares se preparavam para andar, o homem jogou o óleo sobre Paula e ateou fogo. Pouco depois, um colega antropólogo disparou contra a cabeça do agressor.

Apesar de polêmica, a presença da antropologia na guerra deve crescer com Obama, mas provavelmente sob diferentes formas. Para Gusterson, os cientistas sociais participarão de programas de reconstrução, enquanto os manuais militares incorporarão a antropologia.

Giddens e a proposta de uma nova teoria social

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Verde Aguado
ANTHONY GIDDENS

Homem caminha em várzea alagada devido à chuva em Kallmünz, na Alemanha; aquecimento global é tema do novo livro do sociólogo inglês, que é ex-reitor da London School of Economics


Um dos sociólogos mais influentes da atualidade, Anthony Giddens, 71, afirma que a crise financeira global vai redefinir radicalmente a sociedade em que vivemos, mas "muito ainda depende de um fenômeno em cujas mãos ainda estamos -o mercado".
Para ilustrar sua opinião, reforça: "Toda vez que uma decisão é tomada, as pessoas querem saber como os mercados vão reagir". A reunião do G20 na próxima quinta, em Londres, produzirá um acordo -ainda que "de fachada"-, porque os mercados e as pessoas precisam ser "tranquilizados", diz ele. Giddens avalia que "estamos no estágio inicial de descobrir o que seria um novo modelo de capitalismo responsável e global" e prevê uma convergência no debate sobre a grande recessão e os desafios da mudança climática.
"Em ambos os casos, estamos falando de um papel forte para o Estado e de mais regulação, de um planejamento de mais longo prazo que não tivemos no passado, de controlar mecanismos de mercado mais efetivamente do que nos últimos 30 anos pelo menos, de mais inovações tecnológicas."
Principal ideólogo da Terceira Via, a busca de um caminho alternativo entre o liberalismo radical e as tendências estatizantes tradicionais da social-democracia, Giddens agora volta sua atenção para o tema do aquecimento global, em livro lançado na semana passada: "The Politics of Climate Change" (A Política de Mudança Climática, Polity Press, 256 págs., 12,99, R$ 43).
Ex-reitor da London School of Economics, lorde Giddens defende que os países ricos têm de arcar com 95% dos custos da luta contra o aquecimento global pelos próximos anos, pois "não é moralmente correto nem seria factível na prática impedir os países em desenvolvimento de se desenvolverem". Por outro lado, o sociólogo cobra o fim da "atitude passiva" dos países em desenvolvimento em relação ao tema e enxerga o Brasil exercendo um papel de liderança, como mediador entre EUA, China e União Europeia.
Giddens deu a entrevista à Folha no pub da Câmara dos Lordes, depois de uma pequena volta explicativa pelo local (a palavra "lobby" vem do sistema britânico, em que os parlamentares favoráveis e contrários são separados em antessalas distintas antes de votar, os lobbies). No final, foi para casa de metrô. A seguir, os principais trechos da entrevista.



FOLHA - Em seu livro, o sr. lança o "paradoxo de Giddens": uma vez que os perigos do aquecimento global não são visíveis no dia a dia, apesar de parecerem terríveis, as pessoas não irão agir; contudo, esperar até que se tornem visíveis e sérios para então tomar uma atitude será tarde demais. Como lidar com isso?
ANTHONY GIDDENS - Eu aplico o paradoxo de Giddens especialmente aos países desenvolvidos, porque são eles que têm que tomar a liderança. Por exemplo, para alguém que caminha pelas ruas de Londres, as enchentes de Bangladesh não são algo que afete o dia a dia das pessoas. Para lidar com isso, é preciso romper com as estratégias do passado. As coisas que têm saído pré-Copenhague [em dezembro haverá uma conferência na capital dinamarquesa para definir o mundo pós-protocolo de Kyoto], com os cientistas dizendo que "é muito pior do que pensávamos", passam longe da realidade das pessoas nas ruas. Muitas questões que parecem apocalípticas, que saem nos jornais e na mídia, são iguais a filmes que as pessoas não conseguem distinguir da realidade. É bem difícil esperar que as pessoas comecem a agir com base nisso. Por isso proponho uma reorganização fundamental do pensamento, para focar muito mais nos investimentos, para ver os lados positivos do aquecimento global. Podemos criar uma genuína economia verde, quebrar a dependência do Oriente Médio, garantir segurança energética e levar a uma vida melhor por meio dessas transformações. Dizer para os empresários que eles podem se tornar mais competitivos. Não sou contra regulação ou metas para reduzir a emissão de carbono. Na verdade, sou a favor dessas coisas, mas não acho que elas possam mobilizar as pessoas. Olhe para o tipo de abordagem que o presidente [dos EUA, Barack] Obama produziu, é muito diferente de todos, é muito mais afirmativa. Não sabemos se vai ter sucesso, claro, porque estamos falando aqui em mudar o "estilo de vida americano". No entanto ele fala disso como um projeto inspirador, que tem muito mais ressonância.

FOLHA - O sr. fala que o movimento verde sequestrou o debate sobre mudança climática e que é preciso sair dessa armadilha. Como assim?
GIDDENS - O movimento verde começou da metade para o final do século 19, fortemente influenciado pela ideia romântica de uma crítica do industrialismo, a nostalgia de uma terra que não havia sido modificada pelas indústrias. Sua força motriz era a conservação, a proteção da natureza e do ambiente. Realmente deveríamos ter deixado a natureza em paz, só que agora é tarde demais, e maior intervenção na natureza será absolutamente necessária. A mudança climática é muito diferente das preocupações tradicionais dos verdes e, para lidar com ela, temos de nos livrar de alguns dos preconceitos que os verdes -não todos, mas alguns- têm, de não interferir muito na natureza, de um princípio da precaução. O caminho para lidar com a mudança climática deve ser de ousadia, inovação, o máximo uso da tecnologia. Não quero descartar completamente o movimento verde, pois tem um importante papel de trazer esses assuntos para a agenda, e isso tem valor. No entanto, se você olhar para o manifesto dos verdes globais, muito pouca coisa tem a ver com mudança climática. E um dos problemas é que alguns grupos se veem como operando fora da política, extremamente críticos das atividades das grandes corporações. Mas o vital agora para a mudança climática é trazer para o centro do debate algo que 60%, 70% da população possa compreender.

FOLHA - Num artigo recente, o sr. mencionou que a crise financeira global, seus desdobramentos e o desafio de como lidar com a mudança climática levaram ao fim do fim da história. Por quê?
GIDDENS - [Francis] Fukuyama inventou a versão moderna da frase do fim da história, e o que ele quis dizer foi que chegamos a uma fase da história em que não podemos ver nada diferente do mundo em que vivemos: de um lado, a democracia parlamentarista e, de outro, o sistema capitalista, com competição e mercados abertos. Acho que não se pode mais tomar essa posição como aceitável, pois uma sociedade de baixo carbono provavelmente mudará bastante o comportamento das pessoas, o modo como veem o mundo. Pode envolver uma crítica forte de viver num tipo de sociedade baseada no consumo, sem outros valores. O que quis dizer foi que temos de nos preparar para pensar novamente de modo muito radical lá na frente. É claro que, agora, temos de lidar com o mundo como o vemos. Mas sou a favor de um retorno parcial a certo utopismo. O mundo que criamos é insustentável, sabemos que não podemos continuar como estamos.

FOLHA - O sr. fala que as nações em desenvolvimento deveriam ser autorizadas a emitir mais carbono no curto prazo, mas isso não funciona. Os EUA e a União Europeia, com medo de perderem competitividade, já disseram que isso é inaceitável. Como resolver essa equação?
GIDDENS - Não podemos impedir os países em desenvolvimento de se desenvolverem. Não seria moralmente correto nem seria factível, na prática. Parte desse desenvolvimento tende a depender pesadamente de combustíveis fósseis e, logo, de emissões de carbono. É por isso que os países já industrializados têm de arcar com 95% do fardo pelos próximos 10, 15, 20 anos até, para reduzir as emissões. Por outro lado, é preciso que o mundo em desenvolvimento assuma um papel importante, não mais a posição passiva, de que isso "não tem nada a ver com a gente". Mas, no caminho, precisamos de avanços tecnológicos e de grandes áreas daquilo que chamo de "convergência econômica e convergência política", para que os países em desenvolvimento sigam um caminho diferente do que o que estão seguindo agora. Em primeiro lugar, estamos atrás de avanços tecnológicos que sejam capazes de levar os países em desenvolvimento a pular algumas etapas de desenvolvimento. Em segundo lugar, estamos procurando vários acordos bilaterais, não apenas a conferência de Copenhague, especialmente entre EUA e China, que produzem quase 50% das emissões. Idealmente, é necessário algum acordo entre os dois, como os EUA permitirem acesso a inovações tecnológicas, com a suspensão de patentes, em troca de algum tipo de concessão da China para os EUA. Mas isso é determinado politicamente. Se não há como repetir o modelo de desenvolvimento, temos de encontrar avanços. Até agora, não conseguimos. A China ainda está fazendo usinas de carvão. Os políticos se sentem muito confortáveis, prometendo cortar as emissões em 80% até 2050, mas não ficam nem um pouco felizes quando você diz que precisam começar agora. Existe muita retórica vazia nesse debate e temos de ver como superar isso para que os acordos sejam atingidos. Temos de olhar para o que pode ser feito, de modo a produzir uma combinação de competitividade e mudança tecnológica. Estou convencido de que países que seguirem o caminho tradicional de desenvolvimento industrial não serão competitivos no médio prazo.

FOLHA - Como o sr. vê o papel do Brasil nesse debate sobre o clima? O que o país deveria fazer?
GIDDENS - Vejo o Brasil como um negociador ou uma terceira parte nas negociações entre os EUA, a União Europeia e a China. Vejo o Brasil capaz de ter uma liderança entre os países de industrialização recente para levar os outros países a uma posição decente. O país pode ter um papel bastante importante, e seria desejável se de fato o exercesse. Mas isso também depende de uma liderança política forte.

FOLHA - Estamos vivendo a pior crise econômica desde a Grande Depressão. Quais serão seus efeitos?
GIDDENS - Depende de em que nível você está falando. Nos próximos dois anos e no momento, ninguém sabe realmente o que acontecerá, independentemente de suas credenciais acadêmicas. Se haverá declínio contínuo com desemprego crescente ou se, nesse período, haverá algum tipo de recuperação, pelo menos em algumas áreas. Ambos são possíveis. Muito depende de um fenômeno do qual ainda estamos nas mãos: o mercado. Toda vez que uma decisão é tomada, as pessoas querem saber como os mercados irão reagir. Ainda estamos nas mãos do mercado global, para o bem e para o mal. No médio prazo, pessoas como eu deveriam estar pensando em um modelo de capitalismo responsável. Pois existe uma convergência entre o debate sobre mudanças climáticas e a recessão, por razões óbvias. Nos dois casos, estamos falando de um papel forte do Estado e de mais regulação, de um planejamento de longo prazo que não houve antes, de controlar mecanismos de mercado de modo mais efetivo do que foi feito nos últimos 30 anos, de inovações tecnológicas. Mas ainda estamos no estágio inicial de descobrir o que seria um novo modelo de capitalismo responsável e global. A crise é mundial, não importa o que a Europa ou os EUA façam. Essa é uma questão em aberto, pois os países não têm sido bons em chegar a acordos, mesmo quando é de seu interesse. A Rodada Doha e a Organização Mundial do Comércio são exemplos perfeitos.

FOLHA - Muitos teóricos têm falado em "desglobalização", como no caso do aumento do protecionismo.
GIDDENS - A globalização é um termo que abarca muitas mudanças, e é preciso quebrá-lo em várias partes. Há alguns aspectos muito improváveis de serem revertidos, como a revolução das comunicações, uma das maiores forças da globalização. Goste-se ou não, isso ainda será o futuro: o mundo estará integrado imediatamente pela tecnologia e quase certamente isso continuará a ter avanços. Nesse sentido, a globalização está aqui para ficar. Mas, quando se fala em livre mercado, é diferente. Alguns aspectos podem ser revertidos, isso já aconteceu antes, e, em uma situação de recessão, as pessoas tendem a se voltar para seus países. Mas, se sabemos alguma coisa de teoria econômica, é que protecionismo, no final, prejudica sua própria economia. Nenhuma economia que se isolou do mercado global conseguiu realmente prosperar. Pessoalmente, não acho que o protecionismo voltará, como nos anos 1930.

FOLHA - Quais são suas expectativas para o encontro do G20?
GIDDENS - Acho que tem mais chances de chegar a um acordo do que a imprensa diz, pois esta é a primeira vez em que houve tal grau de reconhecimento da natureza global da crise. Poderá haver acordos para aumentar a transparência ou para expandir o papel do FMI. Mas será preciso verificar em que extensão serão implementadas no mundo real. O que certamente ocorrerá será um acordo de fachada. Haverá a apresentação de um acordo -ele de fato ocorrendo ou não-, pois todo mundo reconhece que precisamos tranquilizar o público e o mercado -ele de novo!

FOLHA - Em uma palestra, o sr. afirmou que o clima do mundo vai mudar irremediavelmente, mas não vê isso como uma ameaça iminente.
GIDDENS - O que disse é que o debate quanto à mudança climática é sobre riscos e sobre como analisar esse riscos. No momento existem várias formas de medição de risco feitas pelos cientistas, e o consenso parece ser que a mudança climática é mais iminente e mais perigosa do que pensávamos, mas não está claro completamente o que querem dizer com isso. É sensato dizer que as emissões na atmosfera já estão produzindo efeitos, mas, se se está falando de 2050, quem sabe dizer o que poderemos fazer para responder a isso? Existem muitas divergências na comunidade científica sobre quão iminentes essas coisas são, e posso dizer isso porque passei os últimos dois anos estudando o tema. É muito importante para países como o Brasil, com algumas condições climáticas violentas, pensar em se adaptar a esse novo contexto, fazer estudos de vulnerabilidade, encontrar meios de convergência para procedimentos que ajudarão em caso de mudanças significativas no clima. Por exemplo, proteção contra enchentes, ao mesmo tempo melhorando práticas de agricultura. Existe uma boa área de desconhecido nos próximos 20, 30 anos. Quem sabe o mundo possa ter um mecanismo de adaptação sozinho, talvez a própria natureza produza uma solução. Mas o que sabemos até agora é que, uma vez que as emissões forem lançadas na atmosfera, não sabemos como tirá-las, e os principais gases do efeito estufa podem permanecer lá por 400 anos. Há cientistas que já conseguem [retirar os gases da atmosfera] em pequena escala, mas não sabemos se será possível em grande escala. As pessoas estão muito confusas, apesar da grande educação formal.

sábado, 28 de março de 2009

A Justiça Anormal e a sociedade de risco

A Professora Nancy Fraser chama atenção na sua entrevista "Les dliemmes de la justice" ao número de avril 2009 nº203 para o fenômeno de misframing (malenquadramento). Exemplo os sindicatos canadenses pressionam para que o Canada não importe produtos de países não protetores dos trabalhadores e do meio ambiente. Os certos sindicatos representando trabalhadores dos países do terceiro mundo pressionam ao contrario. Lembrem-se da ADi proposta pela CNT no caso amianto. Quais são os sujeitos legitimos da justiça? Os canadenses ou mundo inteiro? Não há acordo sobre o critério de

Raposa Serra do Sol e o dia seguinte

Jornal do Brasil

28/03/2009
General Alberto Cardoso

O Supremo Tribunal Federal terminou o esperado julgamento da questão sobre a constitucionalidade da homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol em configuração contínua, feita pelo Presidente da República em 2005. Trata-se de 1,7 milhão de hectares, na fronteira do nosso país com a Guiana e a Venezuela, no estado de Roraima, com 19 mil indios; uma relação de 890 mil metros quadrados ou quatro a cinco quarteirões residenciais urbanos por indivíduo. A votação técnica de dez a um a favor da continuidade da extensão pode parecer refletir uma quase unanimidade das opiniões dos grupos que acompanharam o longo histórico do problema. Na verdade, estes se envolveram em uma acirrada e polêmica argumentação, com premissas de naturezas variadas, tais como preocupação com ameaça potencial à soberania nacional; laudos antropológicos; mitigação extemporânea de sentimento de injustiça com os índios; visão ideológica da causa indígena; amputação de Roraima de suas poucas terras agricultáveis; direitos dos agricultores sulistas estimulados para o plantio nas várzeas em área demarcada posteriormente, em 1998.

Uma vez que decisão judicial da última instância não se discute, cumpre-se, deve-se procurar no comunicado final da Corte Suprema os caminhos que ela indica para os setores do Estado brasileiro afetados pela nova jurisprudência. São regras claras sobre como eles deverão cumprir seus deveres a partir de agora. Os rumos estão explicitados nos dezenove pontos acrescentados ao texto, que têm sido chamados adequadamente de estatuto das reservas. Quem os lê nota que podem até ser classificados de óbvios e redundantes, dado que as terras indígenas homologadas passam a ser propriedade da União, com acesso garantido para seus agentes cumprirem os encargos institucionais; mas era preciso e foi bom as regras terem sido impostas explicitamente. Destaco as de números cinco, seis e sete, por terem a ver diretamente com a defesa nacional e com nossas riquezas minerais. Por força do espaço, me fixarei na primeira delas, por ser cabal e excludente de quaisquer dúvidas.

Ela merece ser transcrita: "O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI". Uma leitura ligeira leva a concluir sobre medidas que já existem. Afinal, na área homologada há, ainda que precariamente, estradas e instalações militares, que podem ser expandidas. Qual a novidade?

O que surge de realmente novo é o Poder Judiciário estar mostrando ao Executivo que o Estado brasileiro, por ele gerido, tem muito a fazer nas terras indígenas acerca da infraestrutura de defesa do território nacional e das suas tantas riquezas, e que não há justificativa legal para empecilhos a esse trabalho, oriundos de organizações governamentais ou – com muito mais forte razão – não governamentais. Também é novo o Judiciário ter de fazer referência ao cunho estratégico das estradas numa região de fronteiras, das suas fontes de energia, e das riquezas nela existentes – que, em Roraima, todos sabemos serem predominantemente minerais – e, finalmente, dar nome a quem tem a competência para estabelecer ou propor critérios sobre esses assuntos de valor estratégico, numa terra indígena: o Ministério da Defesa e o Conselho de Defesa Nacional.

Quando o presidente do STF lastimou, no voto derradeiro, a ausência do Estado brasileiro naquele rincão, parecia estar pedindo ao Poder Executivo que não apenas homologasse a terra indígena, mas que não a terceirizasse para organizações não governamentais e que nos apresentasse a tão esperada novidade de instalar-se lá por inteiro, além dos seus precursores militares. Que transformasse os atos em fatos e que afirmasse ao mundo a nossa disposição de defender, sim, direitos indígenas, mas, sobretudo, a soberania indelegável que todo o povo brasileiro tem sobre seu território. Em suma, que fizesse o Estado concretizar-se na nova terra indígena e se mostrasse responsável por aquelas plagas amazônicas, porque vazio de poder interno devido atrai poder externo indevido.

Essa teria de ter sido a grande preocupação do Poder Executivo no dia seguinte à mensagem do Supremo; não a corrida sôfrega para novas demarcações e homologações, conforme já anunciado pela FUNAI, com olhos em mais uma faixa de fronteira, desta feita em Mato Grosso do Sul. Muito produtiva, por sinal.

Ainda há tempo para uma parada de arrumação, a fim de pensar no que significa não se sobrepor ao interesse da defesa nacional.

Alberto Cardoso foi fundador da Agência Brasileira de Inteligência e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República na gestão de FHC

Rússia divulga plano para militarização do Ártico

O Estado de São Paulo

28/03/2009

Envio de tropas protegeria interesses russos na região

A Rússia planeja enviar unidades militares e agentes de seu serviço de segurança civil para o Ártico, região rica em petróleo, segundo um documento oficial publicado na internet. A medida foi aprovada pelo presidente Dmitri Medvedev em setembro, mas somente ontem veio a público. De acordo com o relatório, a Rússia, cuja economia depende da exportação de petróleo, gás e metais, espera que o Ártico se torne sua principal fonte de recursos até 2020.
"É necessário criar unidades militares russa na zona do Ártico para garantir sua segurança militar", diz o documento. O texto explica que a presença militar é necessária para deixar a defesa "à altura das ameaças e desafios do país no Ártico" e aumentar o controle das rotas marítimas na região.
O relatório também informa que a FSB, agência de segurança que substituiu a KGB, ficará encarregada da vigilância do litoral.
No entanto, o Kremlin não deu indicações sobre o tipo de "ameaça" enfrentada pela Rússia no Ártico nem quantos homens devem ser enviados à região. O documento tampouco estabelece prazos para o deslocamento dos militares.
Procurados pela agência France Presse, funcionários do Conselho de Segurança russo afirmaram que o documento foi mal entendido e não se trata da "militarização do Ártico", mas de uma medida para aumentar a segurança das fronteiras do país. Em nota, o governo explicou que o projeto apenas detalha uma "estratégia de defesa dos interesses nacionais".
Estima-se que sob o Ártico existam reservas de 10 bilhões de toneladas de petróleo e gás, quantidade equivalente a todas as reservas que a Rússia explora hoje. Estudos apontam que o aquecimento global permitirá em breve a exploração dessas reservas, assim como abrirá novas rotas de navegação.

BANDEIRA
Moscou também prepara uma nova legislação para impor controles mais rígidos sobre a navegação no litoral norte da Rússia, rota cada vez sedutora para companhias comerciais.
Em 2007, uma expedição de minissubmarinos russos fincou a bandeira do país a 4 mil metros de profundidade, no leito do Oceano Ártico, ato que despertou desconfiança em outros países com interesse na região.
Rússia, Canadá, Dinamarca, Noruega e EUA também reivindicam soberania sobre alguns trechos do Polo Norte. Diferentemente da Antártida, não existe para o Ártico um tratado internacional que impeça países de declarar posse territorial sobre certas regiões.

Guatemala abre arquivos da guerra civil

Folha de São Paulo

28/03/2009

Da Redação

Um dia após anúncio, mulher de procurador de Direitos Humanos é sequestrada; Anistia cobra proteção

A ONU e a ONG Anistia Internacional cobraram ontem a investigação imediata do sequestro e tortura da mulher do procurador de Direitos Humanos da Guatemala, Sergio Morales, ocorridos na quarta-feira. Na terça-feira, o país centro-americano havia anunciado a decisão de, sob a coordenação de Morales, abrir à consulta parte dos arquivos sobre a repressão durante a longa guerra civil (1960-1996).
Segundo o procurador, Gladys Monterroso foi rendida por homens com rostos cobertos, sedada e queimada com cigarro em partes do corpo. A mulher esteve com os criminosos por 12 horas e está hospitalizada desde anteontem.
Segundo a Anistia Internacional, o caso não é isolado. A ONG diz que vários funcionários da Procuradoria de Direitos Humanos (PDH) têm sido vítimas de "ataques e ameaças".
Após decreto do presidente Álvaro Colom (centrista) sobre o tema, a PDH permitiu o acesso a 12 milhões de documentos digitalizados entre os 80 milhões que fazem parte do arquivo da antiga Polícia Nacional. Durante o conflito civil, 200 mil pessoas foram mortas ou desapareceram.
A abertura dos arquivos foi uma demanda da Comissão de Esclarecimento Histórico, que investigou as violações desde o golpe de 1954, contra o governo nacionalista de Jacobo Arbenz, até o fim da guerra civil. A comissão concluiu, em 1999, que o Estado praticou genocídio contra os índios (83% das vítimas) e que o Exército e colaboradores foram responsáveis por 93% das violações.
O embaixador da Suíça no país, Jean Pierre Villard, ligou o sequestro à abertura dos arquivos: "É difícil não ver um laço".

Violência
Já o vice-presidente guatemalteco, Rafael Espada, não descartou hipóteses. "Pode ter vindo de qualquer lugar [a agressão]. Há interessados nessa situação de violência."
A capital, Cidade da Guatemala, viveu dias de tensão nesta semana por conta de cinco atentados contra ônibus urbanos que deixaram quatro mortos. O presidente Colom afirmou que o crime quer "desestabilizar" o governo.
Relatório do Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, divulgado nesta semana, contabilizou 6.244 mortes violentas no país em 2008 (48 mortes por 100 mil habitantes, uma das taxas mais altas do continente). Denunciou ainda a existência de grupos paraestatais dentro das forças de segurança.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Resenha sobre Bauman

"A Arte da Vida" - Zygmunt Bauman Trad.: Carlos Alberto Medeiros

Divulgação

Bauman: sonho da felicidade é desviado para atendimento de necessidades de consumo


"Quando você pergunta a si mesmo se é feliz, você deixa de sê-lo... Os antigos provavelmente suspeitavam disso, razão pela qual sugeriam que, sem trabalho duro, a vida não ofereceria nada que a tornasse valiosa. Dois milênios depois, a sugestão não parece ter perdido a atualidade." Essas são as frases finais do livro do escritor e professor polonês Zygmunt Bauman que faz importantes provocações sobre temas como projeto de vida, felicidade, amor, alegria, sofrimento, ambiguidades, dilemas, etc.

Autor prolífico na linha do questionamento do que tem chamado de "mal-estar da pós-modernidade", ganha ainda mais importância diante da atual crise mundial que se alastra nos seus efeitos sobre todas as áreas e segmentos da sociedade globalizada.




Para ele - e o livro foi escrito em 2008 -, a estratégia de tornar as pessoas mais felizes, aumentando sua renda, aparentemente não funciona. Além do crescimento da violência, da criminalidade, da corrupção, do tráfico de drogas, "cresce também uma incômoda e desconfortável sensação de incerteza difícil de suportar, e com a qual é ainda mais difícil conviver de forma permanente. Uma incerteza difusa e 'ambiente', ubíqua, mas aparentemente desarraigada, indefinida e, por isso mesmo ainda mais perturbadora e exasperante".

Bauman faz uma análise das formas como a busca da felicidade têm sido substituídas, ou desviadas, ao longo do tempo. E numa das primeiras abordagens formula uma severa análise do comportamento consumista que foi criado, e estimulado, na sociedade moderna.

Segundo ele, o sonho da felicidade - representado pela visão de uma vida plena e satisfatória - foi desviado no mundo atual para o atendimento, permanente, das necessidades de consumo - ou seja, o de possuir - e transfere a insatisfação para que ela seja infinita e sempre possa ser atendida, apenas, pelo mercado e seus agentes.

"Um dos efeitos mais seminais de se igualar a felicidade à compra de mercadorias, que se espera que gerem felicidade, é afastar a probabilidade de a busca da felicidade algum dia chegar ao fim. Essa busca nunca vai terminar - seu desfecho equivaleria ao fim da felicidade como tal", conclui.

Mas, afinal o que é essa tal de felicidade? A pesquisa do autor passa por vários pensadores, filósofos, sociólogos. E ensina que, quando se trata de felicidade, não se pode ao mesmo tempo ser definitivo e consistente. Quanto mais se é definitivo, menor a chance de permanecer consistente, segundo Bauman.

O autor incita o leitor a resgatar o "faça você mesmo". Não apenas como uma forma de hobby. Mas no sentido de viver as emoções de elaborar uma gostosa refeição em vez de ir a um restaurante sofisticado, por exemplo, de cultivar amores, amizades, a introspecção, as reflexões, etc.

Referindo-se de forma constante sobre a vida como uma obra de arte, o autor reforça a necessidade de o ser humano apropriar-se do seu projeto de vida. "Vontade e escolha deixam suas marcas na forma da vida, a despeito de toda e qualquer tentativa de negar sua presença, e/ou de ocultar seu poder, atribuindo o papel causal à pressão esmagadora das forças externas que impõem um 'eu devo' onde deveria estar um 'eu quero', e assim reduzem a escala das escolhas plausíveis", escreve.

Bauman foge do estilo típico do gênero auto-ajuda e não penetra em uma seara nova, mas a leitura de sua obra é para fazer pensar e agir. Não fornece soluções. Apenas provoca. O que a torna indispensável.

quinta-feira, 26 de março de 2009

A idade da razão

Correio Braziliense

26/03/2009

Jorge Fontoura
Doutor em direito, professor titular do Instituto Rio Branco e membro-consultor do Conselho Federal da OAB

Assinado em 26 de marco de 1991, o Tratado de Assunção para a criação do Mercosul completa hoje 18 anos de ininterrupta vigência. Para a América Latina de virtudes sempre efêmeras e provisórias, a data é para ser comemorada, não obstante o clima de recorrentes rusgas que se tem verificado entre os parceiros do bloco regional.

Sobrevivente de impasses de todos os matizes e da assimetria brutal que existe entre seus membros, o Mercosul chega à idade da razão com inúmeras conquistas e como divisor de águas da política externa do subcontinente. Antes, a integração era um discurso vazio, uma chuva de palavras em um deserto de ideias, na retórica inconsequente de “vizinhos invizinhos”, para usar a expressão de João Cabral de Melo Neto.

Aos seus detratores, inconformados pelo Mercosul que não resolve os problemas da América Latina, sempre a comparar o incomparável, utilizando exemplos da Europa comunitário-europeia, resta lembrar que aqui não estamos a lidar com a integração de países ricos e parlamentaristas. A criação do Tratado de Assunção, com seus parcimoniosos 25 artigos, soube com prudência e realismo enfrentar os limites do possível, de nossos presidencialismos imperiais e do nosso apego atávico à soberania e ao nacionalismo. Assim, nada foi formalizado em instâncias supranacionais, a partir de um sistema de tomada de decisões por consenso e unanimidade, com flexibilidade e sem rigidez formal.

Agora, no vórtice de crise que se anuncia sem precedentes, como ferramenta político-jurídica de um bloco econômico que ultrapassou a fase de mera zona de livre comércio, e com interesses superiores a unir os países, o fator Mercosul é inelutável e impossível de ser desconsiderado.

A sobrevida mercosulina, contrariando vaticínios pesarosos das cassandras que se comprazem com a América Latina só de frutas tropicais e folclore, deve-se em essência à sua adequação institucional, construída com muita habilidade política e jurídica, porém deixando, antes e acima de tudo, muita liberdade aos Estados.

Para o Brasil, em particular, são tantas as lições que ficam das quase duas décadas. Distante do mundo pela própria natureza, o Mercosul destravou o país para o convívio externo e para a percepção internacional. Com isso, confrontamos nossa história republicana de ausência e indiferença à América hispânica, a realizar nosso atraso e estreiteza diante de mundos estrangeiros. Descobrimos, ademais, as vantagens do regionalismo aberto, da negociação comercial tolerante, sem a diplomacia do ultimato e das decisões unilaterais de força.

Em momento de particular dificuldade enfrentada pelo bloco em 2004, quando as rivalidades entre Brasil e Argentina se intensificavam, açuladas por conflitos comerciais menores, José Sarney e Raúl Alfonsín encontraram-se em São Paulo para chamar os países à razão. Com a autoridade moral de terem sido os tecelões de primeira hora do que seria o Tratado de Assunção, os dois ex-presidentes da República enfrentaram os lobbies poderosos e repeliram com veemência qualquer retrocesso. Sarney atribuiu a hipotecas históricas as rivalidades remanescentes, lembrando que “o Brasil nunca disse querer ser líder hegemônico, pois podemos ter papéis complementares na economia regional e mundial. Os anos de 1980 não apenas promoveram o reencontro de nossa região com a democracia, mas tiraram nossos países do isolamento internacional, a permitir as bases para a integração e para o desenvolvimento comum”.

Por fim, deve-se celebrar a data não com o deslumbramento imaginário da literatura fantástica, mas na percepção pragmática de que não é possível regredir, pois os povos não voltam a comer com as mãos. Não fora por isso, vale a efeméride pela lição de Marguerite Yourcenar que, em discurso no Instituto Francês de Tóquio, em 1982, afirmou: “O conhecimento dos mundos estrangeiros, seja no tempo, seja no espaço, tem por resultado destruir a estreiteza de espírito e os preconceitos, mas também o entusiasmo ingênuo que nos faz crer na existência do paraíso e na ideia tola de que temos alguma importância”.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O Irã é um estado teocrático?

Enviado pelo Prof Farlei Martins


El País, 25.03.2009
¿Hasta qué punto es teocrático Irán?

RAMIN JAHANBEGLOO

La revolución de 1979 fue un momento histórico trascendental dentro de la crisis política contemporánea iraní. Cuando el ayatolá Jomeini y sus seguidores se hicieron con el poder, el 12 de febrero de 1979, predicaban que la revuelta contra la injusticia y la tiranía, y sobre todo el martirio, formaban parte del islam chií, y que los musulmanes debían rechazar la influencia tanto de la superpotencia soviética como de la estadounidense en Irán.

El ayatolá Jomeini elaboró e instauró la ideología del Velayat-e faqih, según la cual, los musulmanes precisaban de una "custodia" manifestada en el dominio o la supervisión de destacados jurisconsultos islámicos, como el propio Jomeini. Al quedar el poder en manos de los juristas musulmanes, el islam se vería protegido de cualquier innovación y desviación, mediante la adherencia exclusiva a la ley musulmana tradicional, la sharia, con lo que se evitaría la pobreza, la injusticia y el saqueo de las tierras islámicas por parte de extranjeros impíos.

El texto redactado por la Asamblea de Expertos para la nueva Constitución iraní creó para Jomeini el poderoso cargo de Líder Supremo, que, al mando del Ejército y de los servicios de seguridad, nombra también a importantes cargos del Gobierno y de la judicatura. Pero cada cuatro años, según esa misma Constitución, se elegiría un presidente mucho menos poderoso. Y a otro organismo teocrático, el Consejo de Guardianes, se le otorgó capacidad de veto sobre los candidatos a presidente, a diputado y a miembro del organismo que elige al Líder Supremo (la Asamblea de Expertos), así como sobre las leyes que aprobara el Parlamento.

Entre los países musulmanes, Irán constituye el caso más interesante. Es el único ejemplo de Estado islámico contemporáneo instaurado gracias a una revolución popular. Y ésta es la razón que explica la dualidad estructural de la República Islámica de Irán. Jomeini partía del modelo del príncipe filósofo, dotado de una sabiduría y un conocimiento que están por encima de la ley. Pero su interpretación de la autoridad tuvo que adaptarse a las concepciones contemporáneas occidentales. El resultado fue una Constitución que otorga preponderancia a la sharia y a una autoridad basada en la voluntad divina, pero que también incorpora la voluntad y la soberanía populares.

Esta conjunción ha generado muchas contradicciones, sobre todo en lo tocante a aquellas leyes parlamentarias que chocan con la sharia y a la autoridad del jurisconsulto, que pasa por encima de las estructuras políticas convencionales. De este modo, la revolución dotó al Estado de apoyo popular, pero partiendo de dos fuentes de soberanía opuestas. En consecuencia, la Constitución iraní se compone en realidad de dos constituciones: una, la que hace hincapié en la autoridad y los derechos del pueblo, y la otra, la basada en el derecho eclesiástico, de origen divino.

Cualquier debate sobre la estructura de poder del régimen islámico iraní y sobre la lucha entre las diferentes instituciones gira en torno a cómo se percibe y aplica esa dicotomía. Lo que esto quiere decir es que el sistema político de la República Islámica de Irán se caracteriza por una feroz competencia entre los grupos de poder. En la cúspide de su estructura se encuentra el Líder Supremo, el ayatolá Alí Jamenei, que en 1989 sustituyó al ayatolá Jomeini, padre de la Revolución Iraní. El Líder Supremo es quien debe perfilar y supervisar las "políticas generales de la República Islámica de Irán", lo cual significa que es quien marca la pauta y la dirección de las políticas interna y exterior del país. Es el jefe máximo de las Fuerzas Armadas y controla los servicios de información y de seguridad.

El Consejo de Guardianes -el Líder Supremo elige a seis de sus 12 miembros- tiene autoridad para interpretar la Constitución y determina si las leyes aprobadas por el Parlamento respetan la sharia. En consecuencia, también puede ejercer su veto sobre el Parlamento. El Consejo examina también a los candidatos a la presidencia y al poder legislativo, decidiendo si es legítimo que concurran a las elecciones.

La Asamblea de Expertos, que se reúne durante una semana al año, elige al Líder Supremo y se compone de 86 clérigos "virtuosos y eruditos", elegidos popularmente por periodos de ocho años. Muchos analistas comparan esta Asamblea de Expertos con el Colegio Cardenalicio del Vaticano. En 1988, el ayatolá Jomeini creó asimismo el Consejo de Idoneidad, encargado de mediar entre el Consejo de Guardianes y el Parlamento en caso de disputa. El Líder Supremo nombra a todos los miembros del Consejo de Idoneidad, que a su vez sirve como organismo asesor del primero.

El Parlamento iraní es un órgano legislativo unicameral con 290 miembros elegidos mediante sufragio cada cuatro años. Cada diputado representa a una circunscripción de carácter geográfico. El Parlamento presenta y aprueba leyes que finalmente son revisadas y refrendadas por el Consejo de Guardianes, y tiene también capacidad para destituir a los ministros y aprobar el Presupuesto del Estado.

Por último, pero no por ello menos importante, está el presidente del país, segunda instancia en relevancia de Irán. Elegido por sufragio universal para un periodo de cuatro años, nombra y supervisa el Gobierno y coordina sus decisiones. También establece las políticas económicas del país, pero no controla a las Fuerzas Armadas.

Con la elección de Mohamed Jatamí se inició una nueva fase en el pulso por el poder en la República Islámica. Su arrolladora victoria en los comicios de 1997 fue un paso positivo en el camino hacia la soberanía popular. Ese año, la participación entusiasta de una nueva generación de votantes incrementó la presión para alcanzar un mayor pluralismo político.

Poca duda cabe de que la elección de Jatamí y sus ocho años en la presidencia popularizaron el discurso de la democracia en Irán, abriendo de nuevo el debate sobre su democratización. Pero con la victoria del candidato ultraconservador Mahmud Ahmadineyad en los comicios presidenciales de 2005, prácticamente todos los organismos e instituciones del poder, electivos o
no, quedaron en manos de ultraconservadores.

Ahmadineyad ha conservado importantes activos políticos, de los que sin duda el más relevante ha sido el fervor nacionalista nacido del programa nuclear iraní, aunque se le acusa de excesiva audacia en su agresivo tono respecto a Israel y en su discurso de negación del Holocausto. En sus primeros cuatro años practicó cierto populismo político, pero en los últimos meses ha sido muy censurado por su gestión ante el aumento de la inflación y el desempleo, causantes de un creciente descontento popular. Las críticas recibidas por Ahmadineyad no sólo han salido de las filas reformistas, sino que las han expresado políticos conservadores que parecen haber perdido la paciencia con él.

El Irán actual es muy parecido a la Unión Soviética de sus últimos días. La ideología revolucionaria se ha agotado, los jóvenes iraníes están desencantados, el movimiento reformista no ha logrado responder a las demandas populares y prácticamente todos los años se registran en las grandes ciudades del país disturbios espontáneos y muestras de descontento. Sin embargo, 30 años después de las revueltas que derrocaron al sha y su régimen, los iraníes carecen de una organización que aglutine sus distintas aspiraciones.

Nadie sabe si la República Islámica de Irán evolucionará hacia la democracia o si se vendrá abajo en medio de una revolución. Para la gran mayoría de los iraníes que viven dentro del país, ya de por sí desencantados con una revolución y víctimas durante ocho años de la brutal guerra con Irak, la evolución pacífica sería la opción más ventajosa. Y sea como sea, para la generación más joven, ese 70% de la población menor de 30 años, el cambio tendrá que llegar tarde o temprano, porque está buscando trabajo, libertad y oportunidades.

En esta tesitura, ¿podrá la República Islámica de Irán superar su identidad ideológica, dejando espacio para la soberanía popular, o, por el contrario, el mandato divino del Velayat-e-Faqih acabará con cualquier esperanza de una transición democrática en Irán? Ésta es la pregunta clave a la que tendrán que responder los analistas de la Revolución Iraní.

Traducción de Jesús Cuéllar Menezo.

Ramin Jahanbegloo, filósofo iraní, es catedrático de Ciencias Políticas en la Universidad de Toronto.

Supremo julga extradição de ex-agente da Condor

Jornal do Brasil

24/03/2009

Luiz Orlando Carneiro
Major uruguaio acusado de atuar na repressão deve deixar o país
BRASÍLIA

O plenário do Supremo Tribunal Federal deve decidir, nesta quinta-feira, se concede ou não a extradição do major uruguaio Manuel Juan Cordero, a pedido do governo da Argentina, por crimes de sequestro, tortura e desaparecimento de opositores da ditadura militar instaurada naquele país na década de 70, no âmbito da chamada Operação Condor – que contava com a colaboração dos regimes também ditatoriais então vigentes no Brasil, no Chile, no Uruguai e no Paraguai. Cinco dos 11 ministros já votaram pela extradição – apenas com relação a crime de sequestro – e apenas dois (o relator Marco Aurélio e Menezes Direito) negaram o pedido.

No início do julgamento, em setembro do ano passado, Marco Aurélio defendeu a tese de que não ficou provado ter havido nenhum crime de sequestro, mas, aparentemente, crimes de homicídio, que já estariam prescritos. Para o ministro, nem o fato de ter sido sequestrado um recém-nascido de 20 dias, em 14 de junho de 1976, juntamente com a mãe (desaparecida), que acabou sendo adotado e descobriu, em março de 2002, chamar-se Aníbal Parodi, modificava o prazo de prescrição.

Ainda conforme o relator, o Código Penal brasileiro (Artigo 249) só prevê crime de "subtração de menor" (detenção de dois meses a dois anos). Assim, esse crime estaria também prescrito. Quanto ao "desaparecimento" das outras dez pessoas pelo qual Cordero também responde, Marco Aurélio entendeu que se tratava de "morte presumida", tendo em vista que nenhuma delas retornou ao convívio social, mesmo com o fim da ditadura.

No entanto, em sessão plenária posterior (30 de outubro), prevaleceu o voto do ministro Cezar Peluso - que pedira vista dos autos – no sentido de que, para que haja "morte presumida", o Código Civil brasileiro exige sentença judicial que, entre outros requisitos, estabeleça uma data provável do falecimento. Com relação ao crime de subtração de menor, ele o enquadrou como de sequestro. Explicou que o sequestro só terminou em 2002, quando o menor adotado tomou conhecimento de sua verdadeira identidade. Logo, o prazo de prescrição só podia correr a partir daquele ano. Além de Peluso, integram a maioria até agora formada os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ayres Britto.

Na sessão de outubro, a maioria dos ministros procurou tratar a questão de um ponto de vista estritamente penal, para evitar qualquer paralelismo com a ação de arguição de descumprimento de preceito constitucional proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, e em tramitação, para que o Supremo declare que a Lei da Anistia de 1979 não beneficia os agentes policiais e militares da repressão política durante a ditadura no Brasil, acusados de crimes de tortura. O ministro Eros Grau pediu vista do processo naquela oportunidade, e deve levar o seu voto na sessão de quinta-feira.

O governo do Uruguai também havia requerido a extradição de Cordero, mas os ministros resolveram desconsiderar o pedido, já que o da Argentina foi protocolado em data anterior.

Afro-brasileiros contra leis raciais

O Estado de São Paulo

25/03/2009

José Roberto F. Militão, advogado, membro da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios Conad-OAB/SP, foi secretário geral do Conselho da Comunidade Negra do governo do Estado de São Paulo (1987-1995).

No Congresso debatem-se os polêmicos projetos de leis raciais, que preveem cotas em universidades e até no mercado de trabalho e em concursos. São matérias que interessam a todos e dividem também os afro-brasileiros. Há os favoráveis, muitos bem organizados e bem financiados, e há os cidadãos comuns, não organizados - 62,3% são contrários às leis e cotas raciais, de acordo com pesquisa Cidan/IBPS de 20 de novembro.
Os argumentos contrários são de razões éticas e psicossociais, já que a aprovação dessas leis significa a imposição pelo Estado de uma identidade jurídica racial que hoje não temos, alterando substancialmente o status da cidadania de todos. A Constituição federal repudia a classificação racial e está conforme as convenções internacionais que, desde a 2.ª Guerra Mundial e desde a Declaração Contra o Racismo da Unesco, de 1950, têm reiterado o consenso de que a luta contra o racismo exige esforços estatais para a destruição da crença em raças. Isso pressupõe a necessária abstenção do Estado para não legitimar essa crença racial.
Desde então, nenhum país tem recorrido a leis raciais para conferir ou excluir direitos. Estamos trilhando a contramão da história. Sem pensar nas gerações futuras, leis e políticas públicas estão racializando o Brasil e violando os artigos 5.º e 19.º da Constituição, segregando direitos da cidadania. Não é disso que precisamos. Queremos que o Estado nos assegure o direito à igualdade de tratamento e de oportunidades, o que não equivale a privilégios raciais.
Outra objeção conceitual é que políticas de cotas raciais não são equivalentes a programas de ações afirmativas. As cotas compulsórias não têm acolhimento em razão dos males que produzem: aprofundam a crença racial, geram no meio social, a médio e a longo prazos, divisões, conflitos e ódios raciais, em que as vítimas são os afro-brasileiros. Os defensores de leis raciais ludibriam a boa-fé alegando que cota racial é ação afirmativa. Mas especialistas ensinam que "ação afirmativa" é a boa doutrina jurídica acolhida pelo Direito, destinada a coibir todos os tipos de discriminações atuais cotidianas, como racismo, sexismo, machismo, homofobia, etc. Portanto, nos moldes do que lecionava em 2001 o jurista Joaquim Barbosa, atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), "somente os inimigos de ações afirmativas é que as denominam por cotas raciais". Era essa, também, a opinião da ministra do STF Carmem Lúcia e do professor Mangabeira Unger: as ações afirmativas não fazem reparações do passado, não fazem cotas estatais, mas atuam com eficácia para que as discriminações históricas não persistam no presente. Portanto, os afro-brasileiros precisam de políticas públicas de inclusão, indutoras e garantidoras da promoção da igualdade, e não das cotas de humilhação.
No caso da escassez de vagas nas universidades, não é razoável que, sem qualquer novo investimento público, sob alegação de falacioso direito racial, venha o Estado retirar vagas de brancos pobres para entregá-las a pretos também pobres, oriundos de mesma escola pública e mesmo ambiente social. Basta, portanto, a reserva de 50% das vagas por meio de critérios sociais e de origem na escola pública, suficientes para ampliar oportunidades e igualar a disputa entre os pobres. Com isso também se reduz o privilégio dos ricos.
A realidade inaceitável é que a apologia de raças pelo Estado produzirá efeitos colaterais conhecidos e prejudiciais aos afro-brasileiros, pois se trata da crença racial edificada para oprimir. Ao Estado cabe atuar para destruir a crença em raças, neutralizar as discriminações no presente e induzir a igualdade de oportunidades. Leis raciais não servem para redução das desigualdades entre brancos e pretos, pois atacam os efeitos, mas aprofundam as causas, alimentando a perniciosa autoestima racial, em prejuízo da autoestima humana. Isso é violência contra a dignidade humana, pois deduz-se, nesse conceito, pelo senso comum, que há uma perversa hierarquia implícita, na qual a "raça negra" seria a "raça" inferior.
Nos EUA, desde 1990, importantes intelectuais afro-americanos como Thomas Sowell, Cornell West, Kevin Gray e inclusive o atual presidente, Barack Obama, denunciam que a autoestima racial está dilacerando a juventude afro-americana, vítima do niilismo social. Dados oficiais revelam que 1 em cada 3 jovens de 16 a 24 anos está sob a custódia da Justiça. Quase 2 milhões estão nas prisões, o equivalente a mais de 4% dos afro-americanos. Eles são 12% da população, correspondem a 60% dos presos e a 70% dos casos de gravidez na adolescência. São estatísticas que revelam a tragédia social numa sociedade que cultua uma profunda crença racial. Atinge inclusive os filhos da classe média. Não é justo que o Parlamento condene nossas crianças com a mesma crença de que pertencem a uma "raça negra e inferior". Essas leis, segregando direitos, aumentam a autoestima racial, mas enfraquecem o caráter e deformam a personalidade, afirmava Martin Luther King em Carta da Prisão de Birmingham (1963).
Até o presente momento, não somos vítimas dessa autoestima racial. Se nossos jovens talentos tiverem oportunidades iguais, sem o estigma da inferioridade implícita nas cotas raciais impostas pelo Estado, saberão aproveitá-las. A identidade racial é, portanto, assunto que diz respeito aos afro-brasileiros, pois nos afetará, enfraquecendo a autoestima humana. O Parlamento atento a preceitos éticos não deve cometer esse crime de lesa-humanidade. Com sabedoria, nossas avós ensinaram: somos homens e mulheres "de cor". Elas deduziam que a cor de pretos e pardos é uma característica biológica natural, diferente do conceito de "raça negra" - uma construção social para oprimir, violar a dignidade dos humanos de cor e sonegar a inteira humanidade, conforme dizia o líder afro-americano Malcom X.

Execuções crescem 90% em um ano

O Globo

25/03/2009

Segundo Anistia Internacional, China é responsável por 72% das mortes

LONDRES. A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional (AI) denunciou ontem em seu relatório anual que, em 2008, um total de 2.390 pessoas foram executadas legalmente no mundo todo, 72% delas na China. O número é, de acordo com o documento, 90% superior ao de 2007.

No relatório, intitulado "Penas de morte e execuções", a AI afirma que as execuções ocorreram em 25 países - dado que demonstra uma concentração desta prática - e acrescenta que pelo menos 8.864 pessoas foram condenadas à morte em 52 nações.

"A China realizou pelo menos 1.718 execuções, 72% das praticadas no mundo todo, mas o número pode ser maior, já que os dados sobre as penas de morte e as execuções são segredo de Estado", diz um trecho do relatório.

Estados Unidos executaram 37 pessoas em 2008

Depois da China, os países que mais executaram em 2008 foram Irã, Arábia Saudita, EUA e Paquistão. Os cinco países são, juntos, responsáveis por mais de 90% das mortes.

Segundo a ONG, com sede em Londres, só um Estado europeu, a Bielorrúsia, ainda adota a pena de morte.

- Decapitações, eletrocussões, enforcamentos, administrações de injeções letais, fuzilamentos e apedrejamentos não têm lugar no século XXI. As penas capitais precisam ser extintas - afirmou a secretária-geral da Anistia Internacional, Irene Khan.

A organização faz referência também a países nos quais penas de morte foram impostas em processos injustos, como Afeganistão, Arábia Saudita, Irã, Iraque, Paquistão, Nigéria, Sudão e Iêmen. Além disso, o risco de executar inocentes persiste, como mostram os casos de quatro condenados à morte que foram libertados nos EUA após ficar comprovada sua inocência.

"Muitos condenados à morte sofrem duras condições de reclusão e suportam penas psicológicas, como é o caso do Japão, onde é habitual que o enforcamento só seja comunicado na manhã da execução, e as famílias só são informadas após a morte ", diz o relatório.

O texto ressalta que grande parte do mundo está avançando em direção à abolição da pena de morte, pois só em 25 dos 59 países que adotam a sentença foram registradas execuções em 2008.

Os retrocessos em 2008 ocorreram em países como São Cristóvão e Névis, onde ocorreu a primeira execução realizada na América fora dos EUA desde 2003, e pela Libéria, onde a condenação foi reinserida para os crimes de assalto, terrorismo e roubo de veículos.

A maioria das execuções realizadas em 2008 ocorreu na Ásia, onde 11 países continuam utilizando a pena de morte: Afeganistão, Bangladesh, China, Coreia do Norte, Indonésia, Japão, Malásia, Mongólia, Paquistão, Cingapura e Vietnã. A segunda região foi o Oriente Médio, com 508. Na América, só os EUA adotam execuções de maneira constante, sendo 37 em 2008. Pelo menos 125 pessoas foram condenadas à morte ano passado no continente americano.

Relatório da ONU acusa Israel de ter usado criança como escudo em Gaza

O Estado de São Paulo

24/03/2009

The Guardian e Reuters
Investigação e vídeos denunciam ataques a médicos e bombardeios contra civis; Exército israelense nega acusações
As provas reunidas por investigadores sobre supostos crimes de guerra cometidos por Israel durante os 23 dias da ofensiva contra Gaza, encerrada em janeiro, envolvem o emprego de crianças palestinas como escudos humanos, ataques contra médicos e hospitais e disparos indiscriminados feitos contra civis por aeronaves não tripuladas. A conclusão de uma comissão das Nações Unidas, composta de nove membros, é a de que o Exército de Israel incorreu em uma longa lista de violações.
Três vídeos feitos pelo jornal britânico The Guardian, após um mês de investigações, engrossam o coro dos que pedem uma investigação mais completa dos eventos que envolveram a Operação Chumbo Grosso, dirigida contra o Hamas - que deixou, segundo a ONU, 1.440 palestinos mortos, incluindo 431 crianças e 114 mulheres.
O Exército israelense rejeita as acusações e insiste que a legislação internacional foi respeitada. Militares de Israel admitem "incidentes" que custaram a vida de civis palestinos, mas asseguram que as mortes não foram parte de uma campanha sistemática.
"Se querem saber se eu acho que (ao invadir Gaza) matamos inocentes, a resposta é, sem dúvida, ?sim?", disse o brigadeiro da reserva Tzvika Fogel, acrescentando, porém, que esses casos foram excepcionais. Na semana passada, o Exército israelense anunciou que investigaria a ação de seus soldados.

''AMEAÇA TERRORISTA''
O relatório para o Conselho de Direitos Humanos da ONU foi também duramente criticado pelo embaixador israelense Aharon Leshno Yar. Para ele, o documento de 43 páginas "obedece ao padrão" de demonizar Israel. "Ele (o relatório) subestima o terrorismo e outras ameaças que enfrentamos, além do uso, pelo Hamas, de mulheres e crianças como escudos humanos."
O embaixador lembrou que, no domingo, um carro-bomba foi desativado pelos soldados israelenses nas proximidades de um grande shopping center na cidade israelense de Haifa, evitando o que poderia ser um dos mais mortíferos atentados contra Israel nos últimos anos.
A ONU recebeu, também ontem, outro relatório - feito pelo acadêmico americano e professor de direito em Princeton Richard Falk - que mostrou resultados parecidos com o da comissão das Nações Unidas. O Departamento de Estado dos EUA, no entanto, classificou o relatório de Falk como "parcial".
A investigação do Guardian apurou os fatos citados nos depoimentos de soldados publicados pela imprensa israelense a respeito do assassinato de civis palestinos e queixas feitas por testemunhas de que as regras do combate implicaram num descaso excessivo.
A Anistia Internacional, que critica a força excessiva de Israel, disse que o Hamas também deveria ser investigado por executar pelo menos duas dúzias de palestinos num aparente acerto de contas com rivais e supostos colaboracionistas enquanto a Operação Chumbo Grosso estava em curso.

RESPOSTA DESPROPORCIONAL
Grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que a grande maioria das violações foi cometida por Israel, e definiram a ofensiva em Gaza como uma resposta desproporcional aos ataques com foguetes do Hamas contra território israelense. Desde 2002, 21 israelenses foram mortos pelos foguetes disparados da Faixa de Gaza.
"Somente uma investigação com o aval do Conselho de Segurança da ONU poderia garantir a cooperação de Israel. Trata-se da única instituição capaz de garantir algum tipo de responsabilidade legal", disse Donatella Rovera, da Anistia Internacional, que passou duas semanas em Gaza investigando as denúncias de crimes de guerra. "Na ausência disso, a mensagem permanece a mesma: ?Não há problema em cometer atrocidades, não haverá consequências reais?."

ACUSAÇÕES
Menino é usado como escudo humano (Testemunho à investigação da ONU): Exército israelense teria usado um garoto de 11 anos como escudo humano durante a ofensiva de 22 dias contra o grupo militante islâmico Hamas na Faixa de Gaza. De acordo com especialistas de direitos humanos da ONU, que compilaram um relatório de 43 páginas sobre violações durante a ofensiva, o Exército de Israel teria ordenado ao menino que andasse na frente de soldados que eram alvo de combatentes no bairro de Tel al-Hawa. O menino também teria recebido ordens de entrar em prédios antes dos soldados israelenses, além de ter recebido instruções para abrir malas e sacolas de palestinos - presumivelmente para proteger os militares de possíveis explosivos. Depois de realizar as tarefas para o Exército de Israel, o garoto teria sido liberado na entrada de um hospital. Integrantes da ONU afirmaram que também receberam denúncias de que o Hamas teria utilizado escudos humanos. O governo israelense qualificou o relatório da ONU de "incapaz e relutante" em tratar dos ataques de foguete do Hamas contra Israel e da ameaça de terrorismo.
Ataque a equipes médicas pelo Exército israelense (Relatório de entidade do setor): A organização Médicos pelos Direitos Humanos de Israel (PHR) afirmou que militares israelenses violaram os códigos de ética médica durante a ofensiva contra o Hamas em Gaza, entre 27 de dezembro e 18 de janeiro. Dados da Organização Mundial da Saúde, citados no relatório do PHR, indicam que 16 palestinos de equipes médicas morreram durante os ataques na região, enquanto outros 25 ficaram feridos. A entidade afirmou, ainda, que Israel atacou 34 instalações médicas, incluindo 8 hospitais. Segundo o PHR, o Exército não retirou do território famílias em risco e não permitiu que equipes médicas palestinas se aproximassem dos feridos. A organização também acusou o Exército israelense de deixar civis palestinos sem comida e água por "períodos consideráveis". Os militares israelenses responderam afirmando que muitas vezes os combatentes do Hamas usam veículos médicos para realizar atentados terroristas.
Ataque contra civis (Testemunho de soldados israelenses): Um atirador de elite do Exército de Israel teria disparado contra uma mulher e seus dois filhos após eles não entenderem a ordem de um outro soldado e seguirem para o caminho errado. Sem saber que as vítimas tinham sido liberadas por outro militar, o atirador abriu fogo contra a família. Uma outra mulher mais idosa teria sido morta só por estar caminhando na rua, sem ficar estabelecido se ela era uma ameaça ou não. De acordo com um soldado, identificado apenas como Aviv, orientações superiores estabeleciam que todas as pessoas que tivessem permanecido em Gaza depois do início da ofensiva israelense deveriam ser consideradas terroristas.
Vandalismo contra propriedades em Gaza (Testemunho de soldados israelenses): Segundo testemunhos de militares envolvidos na ofensiva, havia um sentimento geral entre os soldados de que em Gaza tudo era permitido. "(Os militares) escreviam ?morte aos árabes? nas paredes, pegavam fotos de famílias e cuspiam nelas só porque podiam", afirmou um dos soldados. As declarações não foram comentadas pelo Exército de Israel.

terça-feira, 24 de março de 2009

Desglobalização

Folha de São Paulo de 24 de março de 2009

Desglobalização
MARCIO POCHMANN





A CRISE econômica atual dissemina-se num mundo ineditamente integrado e subordinado à lógica de funcionamento das forças de mercado. Noutras oportunidades, como nas grandes crises sistêmicas de 1873, 1929 e 1973, o mundo era constituído parcialmente por países com economias de mercado.
Nas depressões de 1873 e 1929, por exemplo, havia uma quantidade significativa de colônias vinculadas aos velhos impérios (Inglaterra, França, Holanda e Portugal) que mantinham ativos os modos de produção e consumo pré-capitalistas, e nas crises de 1929 e de 1973 existiam economias centralmente planejadas, como a antiga União Soviética. Hoje, constata-se que o avançado grau de internacionalização capitalista sofre importante abalo por decorrência da crise econômica, que coloca em xeque as principais forças privadas responsáveis pela sustentação da própria globalização.
Sem a ação pública coordenada e civilizada, a inflexão desglobalizadora tende a prosseguir pela via da saída clássica. Ou seja, a promoção da maior concentração de capital nas grandes empresas em meio à contração da demanda estimulada por cortes no nível de emprego e de remuneração dos ocupados. Na sequência das medidas estatais adotadas para salvar empresas financeiras e não-financeiras insolventes e para compensar parcialmente a queda no consumo, ganham maiores destaques as intervenções de caráter protecionista. Outro ciclo de conflitos entre nações pode estar sendo gestado no mundo no caso de continuar predominando a ausência das condições concretas de retomada da trajetória do crescimento econômico e social.
Com a fragmentação em curso da economia global, a dinâmica geográfica deve assumir novo patamar, com estruturas de hegemonias regionalizadas. Noutras palavras, a transição do mundo unipolar desde o fim da Guerra Fria para a multipolaridade evidenciada por sinais crescentes da decadência dos EUA. No mesmo sentido, ressalta-se que o desenvolvimento econômico deve ser reconfigurado tendo em vista a quebra dos vínculos entre as finanças nacionais e globais.
De um lado, pelo enfraquecimento das fontes geradoras de liquidez internacional, fundamentais na retroalimentação dos esquemas de financeirização da riqueza interna e externa. Na ausência de novas formas confiáveis de drenagem dos recursos entre países, empresas e famílias, deficitárias ou não, a base do financiamento da globalização torna-se ainda mais escassa. Para os países não desenvolvidos, os fluxos internacionais de crédito foram praticamente interrompidos, com queda estimada para 2009 de quase US$ 1,2 trilhão para menos de US$ 200 bilhões.
Ademais da dificuldade para as empresas que operam em rede manterem o circuito da produção desterritorializada, o comércio externo sofre enorme retrocesso. Por conta disso, não se mostra desprezível o surgimento de nova onda de recomposição produtiva no mundo multipolar, consagrado por escassos esquemas de financiamentos nacionais e regionais. O fluxo de migrações inversas (das regiões ricas às não desenvolvidas), acompanhado da maior discriminação contra migrantes na Europa, por exemplo, revela o quadro geral de disputa do emprego fora da globalização.
De outro lado, pelo fortalecimento das moedas de curso regional, que pode levar ao estabelecimento de estruturas bancárias modificadas, já que o esvaziamento dos bancos locais, estaduais e regionais terminou por concentrar a quase totalidade dos depósitos em poucas localidades. Ou seja, a quebra de compromissos que poderiam haver entre a poupança e a aplicação de recursos na mesma localidade. De maneira geral, tende a prevalecer a transferência da poupança bancária de regiões pobres para as regiões mais ricas, estimulada fortemente pela concentração bancária.
Em síntese, a desglobalização já desponta como uma das consequências da crise econômica atual. Sua reversão parece possível, mas depende da adoção de outra modalidade de saída da crise que não seja a clássica. Nesse caso, o padrão de financiamento precisa ser reconstituído, bem como outro modelo de produção e consumo necessita ser adotado. Mas, para isso, uma nova maioria política global deveria ocupar o lugar deixado vago pelo grupo de interesses articulados pelo ciclo da financeirização de riquezas, estabelecendo na esteira da governança mundial outra institucionalidade para além das agências multilaterais como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, entre outras.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Limites só no pós-crise

Isto é

23/03/2009

Octávio Costa

G-20 define confiança e crédito como prioridades para reunião de abril e adia, mais uma vez, criação de regras para cercar o capital especulativo

O mundo voltará sua atenção para Londres, na quintafeira 2 de abril. Lá estará reunido o G-20, grupo dos países desenvolvidos e emergentes responsáveis por 85% do PIB global. Caberá a eles o desafio de buscar saídas definitivas para a crise econômica internacional. Não há tempo a perder. Segundo o mais recente relatório do FMI, a economia mundial vai emagrecer de 0,5% a 1% este ano, na primeira recessão em 60 anos. A dose mais forte de retração ocorrerá nos países desenvolvidos, com perda de até 3,5%. Mas os emergentes também vão sofrer, com contração entre 1,5% e 2,5%. Para o Brasil, o FMI prevê uma forte desaceleração por causa, principalmente, da redução do crédito.

Consciente da urgência que o momento exige, o presidente Lula, em encontro com investidores estrangeiros, no hotel Plaza, de Nova York, na segunda-feira 16, afirmou que "as prioridades para o encontro do G-20 são a garantia de crédito para os países em desenvolvimento, a estatização dos grandes bancos em dificuldade, a regulamentação financeira e a fiscalização dos paraísos fiscais". Esta será, sem dúvida, a agenda de Londres. Tanto assim que a direção do FMI decidiu se antecipar e nesta terça-feira 24 anunciará uma ampla revisão de sua sistemática de empréstimos. Trata-se de um novo modelo de financiamento e de uma nova filosofia.

Não faltam aos ilustres e poderosos participantes do G-20 diagnósticos sobre a crise. Seja no meio acadêmico, Economia seja no meio empresarial, há consenso sobre as origens dos problemas atuais: apostou-se demais no poder de autorregulação dos mercados financeiros, permitindo uma especulação sem precedentes, que, ao fim, transformou os ativos em pó. Na opinião de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, "a criatividade na engenharia de novos produtos financeiros passou dos limites". O Prêmio Nobel Paul Krugman faz coro: "A expansão do sistema bancário paralelo, sem nenhum aumento de regulamentação, armou o palco para novas modalidades de corridas bancárias em escala maciça."

É enorme, portanto, a pressão por regras mais rígidas e mais seguras, que ponham termo definitivo às manobras irresponsáveis do mercado financeiro.O próprio presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ficou profundamente irritado ao saber da distribuição de bônus, no valor de US$ 165 milhões, aos executivos da seguradora AIG, que havia recebido US$ 173 bilhões de socorro do governo americano. Em resposta, o Senado elevou em 90% a taxação sobre esse tipo de bônus. O fato, porém, veio mostrar que a cultura dos executivos financeiros não se abalou, apesar da crise. O que é mais um motivo para que o G-20 adote medidas drásticas para rearrumar a casa. Alerta-se que o mais importante, agora, é restabelecer os fluxos de crédito.

"Devem ser adotadas novas regras prudenciais, mas como exigir mais cautela dos bancos se eles já não estão emprestando?", questiona o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central. "Importante, agora, é dinheiro, é resolver a crise de liquidez. E nesse caso o papel do FMI é fundamental", completa.

Paulo Nogueira Batista Jr., diretorexecutivo do FMI, representante do Brasil e mais oito países da América Latina, também admite que a nova regulamentação do setor financeiro é necessária, mas explica que existe um acordo entre os membro do Fundo de "não tentar impor novas regras agora no meio da crise". O que será discutido em Londres, segundo ele, é o fortalecimento do FMI, por meio de sua democratização. O objetivo é aumentar de forma significativa os recursos do FMI, mas ao mesmo tempo redefinir as quotas e os votos.

"A Europa está super-representada no FMI e os países em desenvolvimento estão sub-representados. O mundo mudou muito desde Breton Woods, em 1945", diz, referindo-se ao acordo mundial do pós-guerra que impôs limites ao capital especulativo. Ele destaca também que o monitoramento (surveillance) do FMI não conseguiu detectar a crise. E o motivo é que as crises costumavam ocorrer na periferia dos países desenvolvidos, mas agora tem os principais focos nos EUA e na Europa, que sofrem menor vigilância. "Os novos clientes do FMI são brancos. A área mais conflagrada, desta vez, não é a América Latina, nem a Ásia, nem a África, mas a periferia europeia, como a Lituânia, a Bielorrússia, a Sérvia e a Ucrânia", afirma Nogueira Batista. Após lembrar que a Islândia e a Hungria também pediram recursos ao FMI, ele ressalta que é tempo de a estrutura do FMI refletir essa nova realidade, em termos de quotas e votos dos países emergentes. A Europa, porém, resiste por temer pagar a conta da crise. A tensão social aumenta, sobretudo, na Alemanha e na França.

Quanto à reestruturação do sistema financeiro, Nogueira Batista diz que é um processo em discussão que tem a ver com o pós-crise. "Procura-se saber hoje como será a configuração do sistema financeiro quando a tempestade passar. Haverá, sem dúvida, maior rigor", prevê. O que existe de mais concreto sobre o tema é o relatório do Grupo dos 30, organização privada que reúne economistas e ex-ministros de Finanças de várias partes do mundo.

O grupo é presidido por Paulo Volker, assessor econômico de Barack Obama, e tem como vice-presidente o brasileiro Armínio Fraga. Entre as propostas, destacam- se a regulação mais rígida dos hedge funds e dos derivativos, a adoção de novos limites de risco de crédito e a subordinação das instituições não bancárias aos bancos centrais. Na opinião de Krugman, que faz parte do grupo, "qualquer coisa que necessite de socorro durante a crise financeira, por desempenhar papel essencial no sistema financeiro, deve ser submetida à regulamentação, quando a crise tiver sido superada". As ideias já estão circulando, mas enfrentam forte resistência dos Estados Unidos e da Inglaterra, que não se dispõem a abrir mão da soberania nacional, além de temer o que chamam de "overregulation".

Afinado com essa última preocupação, o economista Roberto Teixeira da Costa adverte que "é preciso evitar que se passe ao outro extremo de regras que acabe por engessar os mercados". Nogueira Batista discorda frontalmente: "Estados Unidos e Inglaterra acreditam no laissez faire e querem preservar a liberdade, a iniciativa e a criatividade do mercado. Mas todos nós estamos pagando um preço alto demais por esses princípios." A discussão vai longe e certamente servirá de pano de fundo ao encontro do G-20.

Gordon Brown : Protecionismo é ruína

Veja

23/03/2009

Duda Teixeira
O primeiro-ministro britânico quer encontrar uma solução de consenso para a crise econômica e diz que todo mundo perde com o aumento de tarifas

O primeiro-ministro da Inglaterra, Gordon Brown, foi um dos primeiros governantes a acusar a grandeza da crise econômica e carrega nos ombros a responsabilidade de ajudar a debelá-la. Ele é o articulador da Cúpula de Londres, que no próximo dia 2 reunirá os dirigentes das vinte maiores economias, representantes de 85% do PIB mundial. No encontro de um único dia, Brown pretende forjar uma ação conjunta para retomar o crescimento e a estabilidade econômica. Parlamentar trabalhista desde 1983, esse escocês de 58 anos assumiu o cargo de primeiro-ministro em junho de 2007, substituindo Tony Blair, de quem foi ministro das Finanças por dez anos. Enquanto se preparava para uma viagem a São Paulo, onde se encontrará com o presidente Lula, Brown deu a seguinte entrevista a VEJA.

O senhor tem advertido que a adoção de medidas protecionistas seria contraproducente no combate à crise econômica. Por que ações que visam a preservar empregos e fortalecer o mercado consumidor doméstico atrapalhariam a recuperação da economia global?
Considero incompreensível que alguns países possam ceder à tentação de recorrer a políticas que põem em primeiro lugar o interesse de suas empresas nacionais, produtoras e exportadoras. Isso pode ser muito perigoso. Estima-se que um aumento na aplicação de tarifas em todo o planeta poderia encolher o mercado mundial em 728 bilhões de dólares. Restringir importações ou subsidiar a produção nacional acaba por elevar as despesas para os consumidores e para quem paga impostos. Isso deixa a população com menos dinheiro para gastar na compra de bens e serviços. Devemos manter nosso compromisso com o livre mercado e continuar a trabalhar para concluir a Rodada Doha das negociações sobre a liberação do comércio mundial. Também precisamos nos esforçar para que a Organização Mundial do Comércio tenha um papel maior em monitorar e fortalecer os compromissos com o mercado. Em tempos de dificuldade econômica, argumentos protecionistas sempre voltam à tona, mas não podemos nos deixar levar por eles.

A crise econômica pode pôr em risco a integridade da União Europeia?
A situação tem demonstrado que os membros da União Europeia podem trabalhar juntos para atuar em harmonia e com impacto real na vida dos trabalhadores europeus, de suas famílias e nos seus negócios. Uma política conjunta da União Europeia promoveria também maior transparência na regulação dos serviços financeiros europeus e mundiais. Essa é uma questão crucial, uma vez que estamos todos empenhados em não deixar que a crise financeira atual se repita no futuro.

O que a Europa está fazendo para sair da crise?
A União Europeia tem um papel-chave a desempenhar nos preparativos para a Cúpula de Londres. Três meses atrás, os 27 países-membros do grupo concordaram em dar uma resposta coordenada à crise, agindo com rapidez para aumentar os gastos e acelerar as reformas. Trata-se, sobretudo, de ações nas áreas de educação, emprego, eficiência energética e infraestrutura digital. Esse tipo de política é crucial. Quando os países atuam de forma unida, o impacto nos negócios e na confiança do consumidor é muito maior do que quando agem separadamente.

O governo britânico gastou bilhões de libras para salvar os bancos nacionais. Medidas com perfil estatizante como essa sinalizariam o fracasso do capitalismo e do livre mercado?
Acredito firmemente que as economias baseadas no livre mercado oferecem melhorias reais no padrão de vida das pessoas. Seria um erro grosseiro desistir desse modelo apenas por causa da crise econômica. Os problemas com que estamos lidando, porém, podem reforçar a necessidade de uma regulação mais efetiva dos mercados financeiros para que consigam funcionar adequadamene e produzir crescimento econômico. Os mercados devem ser livres, mas não podem ser livres de valores éticos. O governo britânico interveio no setor bancário para garantir que ele continue a apoiar as famílias e os empresários. Os bancos têm de prover as fundações para que a economia possa crescer no futuro. Isso é algo com que o presidente Lula e eu concordamos firmemente, e devemos conversar sobre o assunto durante minha visita.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que estava esquecido, deveria ganhar mais poderes para auxiliar economias à beira da falência?
Todos os países estão sentindo os impactos da crise, e é necessário que eles possam contar com o FMI para estabilizar suas economias em dificuldades. Não usar esse instrumento seria impingir sofrimento desnecessário a seus habitantes e também pôr a todos em risco, pois os problemas econômicos hoje facilmente transbordam pelas fronteiras. Defendo um aumento substancial dos recursos do FMI, para que essa instituição esteja apta a apoiar todos os países que precisem de socorro.

Os bancos brasileiros estão menos expostos aos riscos que arruinaram instituições ao redor do mundo. As leis que regulam o sistema bancário brasileiro poderiam servir de modelo para o sistema europeu?
Uma das ideias que estão sendo discutidas atualmente é a criação de normas para garantir que os bancos em todo o mundo administrem melhor seu capital. Caso essa sugestão seja acatada, as instituições terão mais dinheiro em caixa em momentos de crise e, desse modo, serão capazes de despejar aos poucos essas reservas no mercado. Seria possível, assim, prevenir desabamentos no setor financeiro. Quebras, como as que vimos, comprometem os interesses das pessoas e de suas famílias, que podem não conseguir pagar ou pedir empréstimos. O Brasil, por outro lado, tem um grande, moderno, lucrativo e bem capitalizado setor bancário. Os bancos brasileiros têm conseguido um desempenho muito bom nos últimos meses, e não há dúvida de que podemos tirar lições desse modelo. Essa é uma das razões pelas quais convidamos o Brasil e outros países emergentes a se tornar membros do Fórum de Estabilidade Financeira, um espaço criado em 1999 para que diretores de bancos centrais, ministros e autoridades de órgãos internacionais troquem informações.

Estabelecer laços mais fortes com o Brasil e com países como a China e a Índia pode ajudar a Inglaterra e a Europa a sair mais rapidamente dessa crise?
Os problemas atuais afetam a economia mundial como um todo, não apenas países ou regiões. À medida que a crise se aprofundou, seus impactos se espalharam e contaminaram os emergentes também. Nenhuma nação está totalmente isolada de suas consequências. Assim, todos devem fazer sua parte para reformar e melhorar os sistemas internacionais. Muitos países já agiram para minimizar os impactos, mas há também políticas coordenadas que podem ser tomadas em conjunto pelos bancos centrais em relação às taxas de juro. Todas as nações que estarão na Cúpula de Londres têm um papel substancial a desempenhar no soerguimento da economia global e no fortalecimento do aparato financeiro.

Medidas para reduzir as emissões de carbono na atmosfera e diminuir os efeitos do aquecimento global não se tornariam um peso a mais para a economia mundial?
Não seria melhor adiar esse tipo de política até que o mundo se livrasse dessa crise? Preocupar-se com as mudanças climáticas é uma necessidade, não um luxo. Não é algo que possa ser adiado até que as previsões econômicas se mostrem otimistas. Investimentos em negócios e tecnologias verdes serão a garantia de uma recuperação resistente e sustentável, pois não correríamos o risco de um renascimento dos elevados preços de energia. Essas medidas podem ainda criar empregos a curto e médio prazo. É de nosso total interesse, portanto, que o mundo ingresse em uma trajetória mais limpa de crescimento. Um passo importante para isso é traçar um ambicioso acordo global sobre mudanças climáticas no encontro em Copenhague, capital da Dinamarca, em dezembro deste ano.

As ameaças terroristas na Inglaterra e nos Estados Unidos parecem ter diminuído, enquanto os ataques dão a impressão de ter se transferido para países periféricos, como o Paquistão. Isso deve levar a uma mudança na estratégia de combate ao terror?
Embora a Inglaterra e os Estados Unidos não tenham sofrido ataques recentes de terroristas internacionais, nossas agências de segurança e de inteligência continuam rastreando a pista de inúmeras ameaças. Os últimos ataques contra turistas em Mumbai, na Índia, e contra a equipe de críquete do Sri Lanka em Lahore, no Paquistão, demonstram que a ameaça é grande e é preciso manter a vigilância. Nossa abordagem para combater o terrorismo deve ser abrangente. Em seu cerne, tem de incluir uma estratégia baseada na cooperação internacional entre as polícias e as forças de segurança. Devemos fazer esforços de grande amplitude para combater os extremistas, sem para isso abrir mão do respeito pelos direitos humanos fundamentais.

Como o senhor se define ideologicamente?
Sempre fui um progressista. Um membro do governo deve se perguntar a todo momento o que ainda pode fazer para melhorar a vida das pessoas comuns. Temos a obrigação de promover prosperidade e crescimento econômico e ao mesmo tempo construir uma sociedade mais justa. Quando deparamos com uma crise econômica como a atual, essa postura fica mais importante do que nunca. Se olharmos para o passado, para os momentos de instabilidade, veremos que foram os pobres, os idosos e os trabalhadores comuns que sempre pagaram o preço mais alto pelas crises. Eles são sempre a parte mais vulnerável. Nessa ocasião, temos o dever de pôr esses grupos em primeiro lugar e protegê-los dos piores e mais prolongados efeitos da crise.

Qual será o foco de suas conversas em São Paulo?
O Brasil é a décima economia do mundo e será um dos participantes da Cúpula de Londres, no dia 2 de abril. Esse evento reunirá os governantes das vinte maiores economias, que representam 85% do PIB mundial. Nesse único dia, teremos uma oportunidade vital para elaborar uma ação internacional com o objetivo de restaurar o crescimento e a estabilidade da economia. Em minha visita ao Brasil, vou conversar com o presidente Lula sobre as respostas que brasileiros e britânicos estão dando à crise e trocar ideias sobre políticas prioritárias que poderão entrar na agenda da reunião em Londres. Outra meta da visita é ampliar as excelentes relações de negócios que meu país mantém com o Brasil. Nunca tivemos tantas companhias brasileiras e britânicas comprando e vendendo produtos e serviços entre si. O comércio bilateral está crescendo muito rapidamente, em um ritmo sem paralelo com outros períodos históricos. Apenas no ano passado, nossas exportações aumentaram mais de 50%.

O senhor acompanha o futebol brasileiro?
O Brasil ocupa um lugar especial no coração dos torcedores de todo o planeta. Sempre fui um grande fã, dos tempos de Pelé e Jairzinho, do grande time de 1970, aos grandes nomes que hoje atuam no campeonato inglês e na Copa dos Campeões da Europa. A primeira Copa do Mundo a que assisti ao vivo foi na Espanha, em 1982, quando o Brasil enfrentou a Escócia na primeira fase. Claro, o Brasil venceu por 4 a 1, e realmente deveria ter ganho a Copa do Mundo naquele ano. O time de Sócrates, Zico e Falcão era magnífico. Nunca me esquecerei de vê-los ao vivo. O Brasil sempre jogou do jeito que deve ser jogado. Os atletas brasileiros são o que há de especial no futebol.