O Valor Econômico publica o seguinte artigo sobre como deve ser a nova ordem econômica mundial:
Como deveria ser 'Bretton Woods II'
Jose Antonio Ocampo
Para aqueles de nós que há muito tempo reivindicam que a arquitetura financeira internacional necessita uma profunda reforma, a insistência em um "Bretton Woods II" é bem-vinda. Como sabemos, clamores similares foram ouvidos depois das crises asiática e russa em 1997-1998, mas não foram levadas a sério pelos países industrializados ricos. Agora que esses países estão no centro do furacão, talvez sejam encaradas com seriedade.
Existem dois problemas fundamentais na reivindicação por reforma. Em primeiro lugar, ela vem destituída de conteúdo: não sabemos o que será discutido numa eventual cúpula para um acordo de Bretton Woods II. Em segundo lugar, o processo começou da maneira errada, ao excluir a maioria dos países das conversações. É evidentemente bom para o G-7 ou para um subconjunto dos membros do G-7 demonstrar liderança, mas nenhuma reforma fundamental pode ocorrer sem um processo inclusivo que dê voz adequada a países tanto industrializados como em desenvolvimento, grandes e pequenos. Instituições internacionais, e não grupos casuísticos de países, precisam estar no centro do esforço de reforma.
O problema mais nítido, neste momento, é como corrigir o déficit de regulamentação que caracteriza os mercados financeiros em todo o mundo. É preciso iniciar discussões com um consenso em torno de princípios regulamentadores. Um dos princípios evidentes é o de que os regulamentos precisam ser abrangentes, para evitar as enormes brechas que produziram a atual turbulência.
A regulamentação deveria também ter um vigoroso foco anti-cíclico, impedindo excessivo acúmulo e alavancagem, e ampliando as exigências de capital e aprovisionamento (reservas) durante booms, bem como para evitar que bolhas dos preços de ativos alimentem expansões de crédito. Deve-se descartar qualquer dependência em relação a modelos internos de instituições financeiras, que é o foco central do acordo de Basiléia II para regulamentação bancária. Demonstrou-se que essa estratégia é perigosa, e que o uso de modelos similares de risco por instituições financeiras podem resultar em maior instabilidade.
Qualquer que seja um novo sistema regulamentador, deve basear-se em uma rede de autoridades nacionais e regionais com bom funcionamento (ainda ausente na União Européia) e incluir efetiva supervisão internacional de alcance mundial sobre as instituições financeiras. A maioria dos analistas concorda que o Fundo Monetário Internacional (FMI) não deveria ficar no centro do sistema regulamentador. O Banco para Compensações Internacionais (BIS) e a Comissão da Basiléia estão melhor posicionados para tal, mas uma reforma fundamental é necessária para ampliar sua presença e evitar um importante problema da Comissão da Basiléia: ausência de representação nos países em desenvolvimento.
Três questões centrais envolvendo a reforma do FMI também deveriam ser abordadas. A primeira é a necessidade de uma moeda de reserva efetivamente mundial, possivelmente baseada nos Direitos Especiais de Saque do FMI (SDRs, na sigla em inglês). Isso superaria tanto iniqüidades como a instabilidade que é inerente a um sistema mundial de reservas baseada em uma moeda nacional. O sistema atual é assolado por ciclos de confiança no dólar e por choques periódicos devidos a políticas americanas que são adotadas independentemente de seu impacto mundial, e assim impostas ao resto do mundo.
A segunda questão é a necessidade de colocar o FMI, e não o G-7 - ou qualquer o outro "G" - no centro da coordenação mundial da política macroeconômica. Essa é a única maneira de dar voz aos países em desenvolvimento. A monitoração multilateral sobre desequilíbrios mundiais que o FMI deflagrou em 2006 foi um passo interessante nessa direção, mas não havia comprometimento das partes nem dispunha de poder efetivo.
A terceira questão é a principal exigência dos países em desenvolvimento. Por ocasião de crises de balanças de pagamentos, o FMI deveria conceder empréstimos rapidamente e sem condições excessivamente onerosas, especialmente quando a fonte da crise é uma rápida reversão de fluxos de capital ou uma aguda deterioração nos termos de comércio. Isso tornaria o FMI mais semelhante a um banco central, provendo liqüidez com agilidade, assim como os bancos centrais dos países avançados têm recentemente disponibilizado fundos em enorme escala. No caso do FMI, o financiamento de tal liqüidez poderia ser na forma de emissões anti-cíclicas de SDRs.
Em todas essas áreas, o FMI deveria fazer uso mais ativo de instituições regionais. Durante uma década, propus que o FMI do futuro deveria ser visto como o ápice de uma rede de fundos de reserva regionais - ou seja, um sistema estruturado mais semelhante ao Banco Central Europeu (BCE) ou ao sistema do Fed.
Uma formatação institucional similar poderia ser adotada para definir políticas cautelares. Uma rede mais densa de instituições parece mais adequada a uma comunidade internacional heterogênea, e é provável que proporcione melhores serviços e dê uma voz mais vigorosa a países de menor porte.
Finalmente, uma importante deficiência da atual arquitetura financeira internacional é a inexistência de um arcabouço institucional - ou seja, um tribunal similar aos criados para a gestão de colapsos empresariais em economias nacionais - para encarregar-se da gestão de desequilíbrios de endividamento em nível internacional. O sistema atual apóia-se em mecanismos improvisados, que geralmente funcionam tarde demais, depois que endividamento elevado já impôs efeitos devastadores. O único mecanismo institucional regular é Clube de Paris, que cuida exclusivamente de financiamento oficial. Bretton Woods II deveria solucionar esse problema mediante a criação de um tribunal internacional para negociações sobre endividamento.
A atual crise financeira tornou manifestamente clara a necessidade de reforma da arquitetura financeira internacional. Mas a convocação de uma conferência para um acordo de "Bretton Woods II" precisa ser concreta em seu conteúdo. Um sistema mundial de regulamentação e supervisão cautelar; um FMI reestruturado encarregado da gestão de uma moeda de reserva mundial, coordenando a política macroeconômica mundial e proporcionando linhas de crédito com agilidade; e um tribunal internacional para negociações sobre endividamento - tudo isso precisa constar da agenda.
Jose Antonio Ocampo, subsecretário-geral de questões econômicas e sociais da ONU e ex-ministro das Finanças da Colômbia, é atualmente professor e co-presidente da Iniciativa de Diálogo para Políticas na Universidade Colúmbia.
Como deveria ser 'Bretton Woods II'
Jose Antonio Ocampo
Para aqueles de nós que há muito tempo reivindicam que a arquitetura financeira internacional necessita uma profunda reforma, a insistência em um "Bretton Woods II" é bem-vinda. Como sabemos, clamores similares foram ouvidos depois das crises asiática e russa em 1997-1998, mas não foram levadas a sério pelos países industrializados ricos. Agora que esses países estão no centro do furacão, talvez sejam encaradas com seriedade.
Existem dois problemas fundamentais na reivindicação por reforma. Em primeiro lugar, ela vem destituída de conteúdo: não sabemos o que será discutido numa eventual cúpula para um acordo de Bretton Woods II. Em segundo lugar, o processo começou da maneira errada, ao excluir a maioria dos países das conversações. É evidentemente bom para o G-7 ou para um subconjunto dos membros do G-7 demonstrar liderança, mas nenhuma reforma fundamental pode ocorrer sem um processo inclusivo que dê voz adequada a países tanto industrializados como em desenvolvimento, grandes e pequenos. Instituições internacionais, e não grupos casuísticos de países, precisam estar no centro do esforço de reforma.
O problema mais nítido, neste momento, é como corrigir o déficit de regulamentação que caracteriza os mercados financeiros em todo o mundo. É preciso iniciar discussões com um consenso em torno de princípios regulamentadores. Um dos princípios evidentes é o de que os regulamentos precisam ser abrangentes, para evitar as enormes brechas que produziram a atual turbulência.
A regulamentação deveria também ter um vigoroso foco anti-cíclico, impedindo excessivo acúmulo e alavancagem, e ampliando as exigências de capital e aprovisionamento (reservas) durante booms, bem como para evitar que bolhas dos preços de ativos alimentem expansões de crédito. Deve-se descartar qualquer dependência em relação a modelos internos de instituições financeiras, que é o foco central do acordo de Basiléia II para regulamentação bancária. Demonstrou-se que essa estratégia é perigosa, e que o uso de modelos similares de risco por instituições financeiras podem resultar em maior instabilidade.
Qualquer que seja um novo sistema regulamentador, deve basear-se em uma rede de autoridades nacionais e regionais com bom funcionamento (ainda ausente na União Européia) e incluir efetiva supervisão internacional de alcance mundial sobre as instituições financeiras. A maioria dos analistas concorda que o Fundo Monetário Internacional (FMI) não deveria ficar no centro do sistema regulamentador. O Banco para Compensações Internacionais (BIS) e a Comissão da Basiléia estão melhor posicionados para tal, mas uma reforma fundamental é necessária para ampliar sua presença e evitar um importante problema da Comissão da Basiléia: ausência de representação nos países em desenvolvimento.
Três questões centrais envolvendo a reforma do FMI também deveriam ser abordadas. A primeira é a necessidade de uma moeda de reserva efetivamente mundial, possivelmente baseada nos Direitos Especiais de Saque do FMI (SDRs, na sigla em inglês). Isso superaria tanto iniqüidades como a instabilidade que é inerente a um sistema mundial de reservas baseada em uma moeda nacional. O sistema atual é assolado por ciclos de confiança no dólar e por choques periódicos devidos a políticas americanas que são adotadas independentemente de seu impacto mundial, e assim impostas ao resto do mundo.
A segunda questão é a necessidade de colocar o FMI, e não o G-7 - ou qualquer o outro "G" - no centro da coordenação mundial da política macroeconômica. Essa é a única maneira de dar voz aos países em desenvolvimento. A monitoração multilateral sobre desequilíbrios mundiais que o FMI deflagrou em 2006 foi um passo interessante nessa direção, mas não havia comprometimento das partes nem dispunha de poder efetivo.
A terceira questão é a principal exigência dos países em desenvolvimento. Por ocasião de crises de balanças de pagamentos, o FMI deveria conceder empréstimos rapidamente e sem condições excessivamente onerosas, especialmente quando a fonte da crise é uma rápida reversão de fluxos de capital ou uma aguda deterioração nos termos de comércio. Isso tornaria o FMI mais semelhante a um banco central, provendo liqüidez com agilidade, assim como os bancos centrais dos países avançados têm recentemente disponibilizado fundos em enorme escala. No caso do FMI, o financiamento de tal liqüidez poderia ser na forma de emissões anti-cíclicas de SDRs.
Em todas essas áreas, o FMI deveria fazer uso mais ativo de instituições regionais. Durante uma década, propus que o FMI do futuro deveria ser visto como o ápice de uma rede de fundos de reserva regionais - ou seja, um sistema estruturado mais semelhante ao Banco Central Europeu (BCE) ou ao sistema do Fed.
Uma formatação institucional similar poderia ser adotada para definir políticas cautelares. Uma rede mais densa de instituições parece mais adequada a uma comunidade internacional heterogênea, e é provável que proporcione melhores serviços e dê uma voz mais vigorosa a países de menor porte.
Finalmente, uma importante deficiência da atual arquitetura financeira internacional é a inexistência de um arcabouço institucional - ou seja, um tribunal similar aos criados para a gestão de colapsos empresariais em economias nacionais - para encarregar-se da gestão de desequilíbrios de endividamento em nível internacional. O sistema atual apóia-se em mecanismos improvisados, que geralmente funcionam tarde demais, depois que endividamento elevado já impôs efeitos devastadores. O único mecanismo institucional regular é Clube de Paris, que cuida exclusivamente de financiamento oficial. Bretton Woods II deveria solucionar esse problema mediante a criação de um tribunal internacional para negociações sobre endividamento.
A atual crise financeira tornou manifestamente clara a necessidade de reforma da arquitetura financeira internacional. Mas a convocação de uma conferência para um acordo de "Bretton Woods II" precisa ser concreta em seu conteúdo. Um sistema mundial de regulamentação e supervisão cautelar; um FMI reestruturado encarregado da gestão de uma moeda de reserva mundial, coordenando a política macroeconômica mundial e proporcionando linhas de crédito com agilidade; e um tribunal internacional para negociações sobre endividamento - tudo isso precisa constar da agenda.
Jose Antonio Ocampo, subsecretário-geral de questões econômicas e sociais da ONU e ex-ministro das Finanças da Colômbia, é atualmente professor e co-presidente da Iniciativa de Diálogo para Políticas na Universidade Colúmbia.
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