terça-feira, 11 de novembro de 2008

Direito Financeiro Mundial

Posta-se abaixo artigo do Correio Braziliense sobre direito financeiro.


Direito Financeiro Mundial

11/11/2008

IURE PONTES VIEIRA
Especialista em finanças públicas e fiscalidade, mestrado e doutorado em direito tributário pela Universidade Panthéon-Assas de Paris
iurepontes@yahoo.fr
O mercado financeiro internacional não possui limites. A crise atual mostra que o sistema necessita de regras. Mas como as leis de mercado foram fincadas no imaginário de nossa sociedade e prevaleceram durante tanto tempo sem nenhum debate crítico confiável?

A crença no mercado pode ser explicada. Com a queda do muro de Berlim, dos dois sistemas existentes na época, o capitalista e o socialista, só o primeiro pareceu viável e eficaz. Como único sistema possível, poucas foram as críticas apontadas. Da concorrência bilateral ideológica passamos à polarização imposta.

Igualmente prevaleceu durante as últimas décadas “o governo dos economistas”, ideologias econômicas que influenciaram a forma de governar de vários países. O processo de influência foi construído da seguinte maneira: primeiro, o

economista influencia outros economistas; em seguida, torna-se idealizador de programas políticos, para finalmente passar a ser ideólogo. O exemplo mais contundente foi o do americano Milton Friedman, Prêmio Nobel de economia. Suas idéias monopolizaram a sociedade durante décadas. A linha preponderante foi a da livre autonomia e da auto-organização dos mercados.

O que deve ser planejado na era hodierna é a construção de um Estado de direito financeiro. A concepção de instrumentos aptos a regular e limitar o sistema financeiro mundial. E o direito é o meio imprescindível. A mundialização dos instrumentos jurídicos já se opera há algum tempo. O direito atinge o mundo por valores como o da dignidade humana e definições jurídicas como crimes contra a humanidade.

Temos também as cortes internacionais. Em matéria penal, a Corte Internacional de Justiça; na ordem comercial, a Organização Mundial do Comércio. O direito é instrumento extremamente adaptado e adaptável à realidade, pois mantém uma ligação privilegiada entre a política, a economia e a moral. O primeiro desafio do direito para a construção de uma ordem financeira internacional é a determinação jurídica do conceito de mercado.

A expressão “lei de mercado” parece consagrada pelo uso. No entanto, nem o conceito de mercado é um conceito universal nem existe um direito de mercado construído como ordem jurídica autônoma. O mercado é conhecido como o local onde a oferta e a demanda se encontram. Mas igualmente percebido como um fato que foge ao espírito crítico. O discurso sobre a globalização se coloca sob o ponto de vista da economia liberal clássica, segundo o qual o mercado representa o estado natural de organização da sociedade.

Sem interferências provocadas pelas intervenções estatais e regulamentações públicas, a organização espontânea na sociedade se constrói como um sistema de comunicação em que o contrato é a tradução jurídica. A lei da oferta e da procura é sua expressão econômica. É um fato que se personifica. Nós falamos de boa ou má saúde do mercado, ou mesmo de sua tirania, um tipo de Deus onde o homem é o agente.

A noção de mercado não é somente um termo técnico, mas que também influencia toda uma problemática implícita de regulação social e política em seu todo. A história intelectual da modernidade acredita que o mercado seja até mesmo uma espécie de modelo político alternativo.

Se o mercado é uma idéia, ou mesmo um modelo de organização social, ou somente um fato, seu estatuto jurídico é ambíguo, pois o mercado necessita do direito para funcionar. Nesse caso, o direito é um instrumento a serviço do mercado, transformando-se em uma disciplina simplesmente ancilar.

Talvez o grande problema provenha da dessimetria do processo de internacionalização que favoreceu os valores mercantis. Boa parte do desequilíbrio do mundo, de suas injustiças, reside na desproporção entre “o direito da mundialização” que se impõe e a “ mundialização do direito” que se adapta. Cabe a nós cobrarmos uma ordem jurídica capaz de humanizar o sistema financeiro, pois, na medida em que o direito é a expressão dos interesses da humanidade, ele pode salvar o mundo da potencial barbaria.

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