domingo, 16 de novembro de 2008

David Held e Obama

"Folha de São Paulo" de 16 de novembro de 2008 publica importante entrevista de David Held especialista no debate de teoria da democracia sobre o futuro Governo Obama.
SUCESSÃO NOS EUA / OS DESAFIOS"Eleito deve evitar repetir Blair"
Para David Held, Obama deve priorizar agenda doméstica para que crise interna não sufoque a promessa de mudançaEspecialista britânico em globalização defende que sob o novo governo EUA exerçam liderança "dentro das regras" e voltem a ouvirPEDRO DIAS LEITEDE LONDRES Um dos mais respeitados estudiosos da globalização, o professor da LSE (London School of Economics and Political Science) David Held afirma que Barack Obama, 47, deve mirar seus pensamentos através do Atlântico, 11 anos no passado, e se lembrar de Tony Blair, para não cometer os mesmos erros.Em 1997, aos 43, o premiê britânico também se elegeu com a promessa de mudança, que acabou soterrada pelas premências da tarefa de governar. Co-diretor do Centro para Estudo da Governança Global da LSE, Held diz que o presidente eleito dos EUA deve manter a liderança americana global, mas agora dentro das regras. Pelo contraste, os oito áridos anos de George W. Bush dão a Obama uma força inédita nas últimas décadas.Para Held, entre as primeiras medidas do novo presidente deveria estar a desistência do escudo antimísseis perto da Rússia. Leia abaixo os principais trechos de sua entrevista.

FOLHA - George W. Bush quase sempre colocou a opinião do resto do mundo em segundo plano. O que vai mudar com Barack Obama? DAVID HELD - Obama é claramente um político excepcional e uma pessoa especial, que, em muitos aspectos, encarna o "sonho americano". Não há dúvidas de que ele acredita na negociação e no multilateralismo, no diálogo. Definitivamente não é um unilateralista. Mas até agora tem sido um democrata bastante conservador, que [no Senado] votou com seu partido na maioria das questões. Precisamos ser cautelosos com essa visão de que ele é um novo radical norte-americano.Tivemos oito anos de uma política americana deprimente e triste. A presidência de Bush não só não se conectou com o mundo ocidental de igual para igual como perseguiu políticas que foram destrutivas do mundo multilateral e enfraqueceram o reinado da lei. Contra esse pano de fundo, Obama parece muito bom. Um recado importante: lembre-se de 1997.
FOLHA - Por quê? HELD - Um jovem político chegou ao poder no Reino Unido, após 18 anos de governo conservador. Era muito charmoso, radical, prometia mudança, era um internacionalista. E muitas das promessas progressistas que fez jamais foram mantidas. Esse político era Tony Blair. Obama tem todas as promessas, o peso da história a seu lado e possivelmente mais habilidade que qualquer um em muito tempo para mudar o mundo. Mas tem de se lembrar de Blair.
FOLHA - Ele herdará um mundo complicado para o qual Bush e Blair contribuíram. HELD - Seu espaço para manobra é muito limitado. Com uma enorme dívida pública e grandes problemas nas finanças americanas, a capacidade de investir na área social será muito limitada do lado doméstico. No lado internacional, está atolado em duas guerras e cercado de muitas áreas de extrema volatilidade: a fronteira Israel-Líbano, com o Hizbollah; Israel com o Hamas; o Irã; a Coréia do Norte; e o Paquistão, que está se desintegrando, com uma bomba nuclear, o que o torna ainda mais perigoso.
FOLHA - Em relação à Rússia, o que ele deve fazer? HELD - O que os EUA têm de entender é que nos últimos anos a Rússia se sentiu isolada e atacada pelo mundo ocidental, em situações das quais ela não era culpada. Em segundo lugar, a implantação do escudo antimísseis [pelos EUA] na porta da Rússia [a Polônia aceitou receber mísseis interceptores, e a República Tcheca, um radar] é uma enorme provocação, e Obama deveria desistir desses planos assim que possível.
FOLHA - Nesse mundo multipolar, onde ele deve focar? HELD - Ele deve focar, antes de tudo e com afinco, na agenda doméstica. Os EUA estão com graves problemas econômicos e, a menos que ele arrume isso, eles não vão estar em uma posição de fazer mais nada. Segundo, ele deve deixar claro que vai se comprometer com seus aliados, com uma ordem multilateral, e fortalecê-la. Deve mandar um sinal claro de que a América quer liderar, dentro das regras.
FOLHA - E o Irã? HELD - Obama é mais inclinado a confiar na diplomacia por mais tempo do que seus antecessores. É claro que não dá pra saber 100% o que ele fará numa situação extrema -há risco de ele ser pressionado para ultrapassar um ponto muito complicado. Espero que ele se lembre das lições de 1997 e dos limites do poder americano. Não importa quão grande seja seu poder militar, ele não produz resultados positivos num mundo complexo. Temos de nos ater à negociação com base na lei.
FOLHA - Se fosse explicar a Obama: por que os EUA precisam do mundo? HELD - A política externa americana dos últimos anos fracassou. Os EUA tentaram se impor ao resto do mundo e não funcionou. Iraque e Afeganistão estão longe de uma solução. Os erros do Iraque não devem ser repetidos no Afeganistão. Não pode haver vitória puramente militar, e é um erro pôr mais recursos militares lá. Os problemas mais complexos, de aquecimento global a negociações comerciais, só podem ser resolvidos por coordenação internacional.
FOLHA - E por que ficar fora da reunião do G20 neste fim de semana? HELD - Ele não tinha opção. Sua voz será ouvida pela porta dos fundos.

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