Matéria do Valor Econômico do dia 17 de novembro analisa como deverão ser as relações entre Brasil e Estados Unidos após a eleição de Barack Obama.
EUA e Brasil: vencendo o medo
Kellie Meiman é diretora executiva da McLarty Associates e foi diplomata e negociadora de comércio internacional durante o governo Clinton.
Ao longo dos anos, o relacionamento entre Estados Unidos e Brasil passou por várias fases. Caracterizou-se em grande parte, durante a segunda metade do século XX, por uma tensão natural entre os poderes continentais do hemisfério, apesar do afável relacionamento pessoal na década de 90 entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton. Um Brasil relativamente insular driblou os EUA quando possível, enquanto a superpotência americana freqüentemente tentou isolar o Brasil no contexto de políticas regionais.
Já no governo do presidente George W. Bush, um sério esforço para o aprofundamento das relações bilaterais foi um destaque dentro de uma agenda de política externa desafiadora em outras áreas. O Brasil, de sua parte, entrou no século XXI realizando concretamente suas ambições como o "país do futuro", ocupando seu próprio lugar no cenário global. Não apenas o governo brasileiro, mas também o setor privado contribuíram para essa nova realidade, com multinacionais brasileiras de vários setores investindo pesadamente em mercados tão distintos como os dos EUA, China, Índia e de países da África.
Hoje, temos a oportunidade de elevar a relação EUA-Brasil a um patamar diferente em questões críticas de ambos os lados, incluindo a segurança regional, global, energética, ambiental e econômica. Em um mundo fracionado e multipolar, despedaçado pela crise financeira e dominado por uma tecnologia que em sua essência difunde o poder, o Brasil pragmático e os EUA multilateralistas podem, juntos, alcançar muito mais. A construção de um relacionamento estratégico mais amplo entre as duas nações beneficiará ambos os países na medida em que entrarmos nos próximos quatro anos sob uma revigorada liderança nos EUA.
Por motivos óbvios, os conflitos no Oriente Médio e a economia global serão prioridades do presidente eleito Barack Obama. Ao mesmo tempo, os EUA precisam enviar um sinal claro ao mundo de que a era do unilateralismo acabou. Um modo de realizar isso é recuperar a credibilidade de importantes instituições multilaterais, como as Nações Unidas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), assim como o G-7 e o G-20, todos desesperadamente carentes de reformas. O Brasil tem muito a contribuir para esse esforço, considerando sua perspectiva única sobre o melhor modo de integrar poderes emergentes no contexto internacional. A crise financeira atual tem mostrado a um público amplo que há a necessidade de modernizar as instituições internacionais de forma que elas venham a se igualar às novas realidades políticas e econômicas. Ao fazer isso, devemos ter a certeza de que qualquer reforma manterá espaço para discussões pragmáticas e produtivas nos fóruns multilaterais.
O fracasso até o momento da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde os interesses americanos e brasileiros estão claramente alinhados, justifica o foco do Brasil e dos EUA em perseguir a abertura de mercados e evitar uma resposta protecionista aos desafios econômicos globais, como tem sabiamente destacado o chanceler Celso Amorim. Não será fácil levar nossos parceiros de comércio ao progresso de Doha, porém, o benefício dessa negociação para nossas economias, mais ainda para o mundo em desenvolvimento, vale o sacrifício.
Vamos deixar o medo de lado. A imprensa brasileira tem expressado preocupação quanto a um governo democrata, temendo que ele seja "protecionista" e, portanto, contra aos interesses do Brasil. Muito pelo contrário.
Na difícil economia de hoje, um líder americano de centro-esquerda pode ser o mais bem-sucedido na reconstrução do consenso bilateral para apoiar o livre comércio que imperou nos EUA durante o governo Clinton. Antes da posse do ex-presidente, em 1993, muitos americanos e brasileiros expressaram preocupações sobre o que representaria a política econômica da gestão Clinton. Esses medos e preocupações, como se comprovou depois, se mostraram desnecessários.
O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) possivelmente não teria ocorrido sem a persistência do presidente Clinton, um líder democrata como Barack Obama. Lembremos que foi Clinton também quem aprovou a Rodada Uruguai nos EUA. Esses e outros feitos foram conquistados através da ampliação do apoio doméstico à abertura do mercado. Apesar das dificuldades envolvidas, precisamos cautelosamente nos esforçar para readquirir um apoio de base ampla para a liberalização comercial dos EUA, de modo a permitir que nosso país lidere novamente o mundo nestas importantes questões.
Ninguém entende melhor do que o presidente Lula a importância de uma liderança de esquerda baseada em uma política econômica forte e sustentável. Os benefícios sociais e econômicos para o Brasil decorrentes dessa liderança para a estabilização e o crescimento da economia são óbvios. Como acontece no Brasil, toda a política comercial dos EUA está repleta de desafios políticos, porém, ninguém esquece o legado da Lei Smoot-Hawley, que introduziu o protecionismo na política econômica dos EUA no pior momento possível - no calor da depressão de 1929.
Os conselheiros econômicos do presidente eleito Barack Obama estão entre os mais sábios executivos e economistas dos EUA, muitos dos quais contribuíram significativamente para a administração Clinton. Seria difícil imaginar que os ex-secretários do Tesouro Robert Rubin e Larry Summers, o presidente do Federal Reserve de Nova York, Timothy Geithner, e o megainvestidor Warren Buffet ignorem as realidades da globalização, mesmo durante tempos difíceis. Todos eles são francamente favoráveis à expansão do comércio mundial.
É chegada a hora. Se o Brasil conseguir se firmar como um ator verdadeiramente pragmático na economia global e nas instituições internacionais, ao mesmo tempo em que os EUA ressurgirem como um paladino do multilateralismo, há muito mais a ser alcançado por nossos países de maneira conjunta. Nem sempre estaremos de acordo, mas, acima de tudo, o presidente Lula e o presidente eleito Obama compartilham de um slogan de campanha cuja premissa é: "a esperança vence o medo". Esta mesma noção descreve bem como nossas nações devem abordar as relações políticas e econômicas no início desta nova era. Devemos e podemos elevar esse relacionamento a um novo patamar de sofisticação e, assim, cumprir a promessa e as possibilidades desta relação tão importante.
EUA e Brasil: vencendo o medo
Kellie Meiman é diretora executiva da McLarty Associates e foi diplomata e negociadora de comércio internacional durante o governo Clinton.
Ao longo dos anos, o relacionamento entre Estados Unidos e Brasil passou por várias fases. Caracterizou-se em grande parte, durante a segunda metade do século XX, por uma tensão natural entre os poderes continentais do hemisfério, apesar do afável relacionamento pessoal na década de 90 entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton. Um Brasil relativamente insular driblou os EUA quando possível, enquanto a superpotência americana freqüentemente tentou isolar o Brasil no contexto de políticas regionais.
Já no governo do presidente George W. Bush, um sério esforço para o aprofundamento das relações bilaterais foi um destaque dentro de uma agenda de política externa desafiadora em outras áreas. O Brasil, de sua parte, entrou no século XXI realizando concretamente suas ambições como o "país do futuro", ocupando seu próprio lugar no cenário global. Não apenas o governo brasileiro, mas também o setor privado contribuíram para essa nova realidade, com multinacionais brasileiras de vários setores investindo pesadamente em mercados tão distintos como os dos EUA, China, Índia e de países da África.
Hoje, temos a oportunidade de elevar a relação EUA-Brasil a um patamar diferente em questões críticas de ambos os lados, incluindo a segurança regional, global, energética, ambiental e econômica. Em um mundo fracionado e multipolar, despedaçado pela crise financeira e dominado por uma tecnologia que em sua essência difunde o poder, o Brasil pragmático e os EUA multilateralistas podem, juntos, alcançar muito mais. A construção de um relacionamento estratégico mais amplo entre as duas nações beneficiará ambos os países na medida em que entrarmos nos próximos quatro anos sob uma revigorada liderança nos EUA.
Por motivos óbvios, os conflitos no Oriente Médio e a economia global serão prioridades do presidente eleito Barack Obama. Ao mesmo tempo, os EUA precisam enviar um sinal claro ao mundo de que a era do unilateralismo acabou. Um modo de realizar isso é recuperar a credibilidade de importantes instituições multilaterais, como as Nações Unidas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), assim como o G-7 e o G-20, todos desesperadamente carentes de reformas. O Brasil tem muito a contribuir para esse esforço, considerando sua perspectiva única sobre o melhor modo de integrar poderes emergentes no contexto internacional. A crise financeira atual tem mostrado a um público amplo que há a necessidade de modernizar as instituições internacionais de forma que elas venham a se igualar às novas realidades políticas e econômicas. Ao fazer isso, devemos ter a certeza de que qualquer reforma manterá espaço para discussões pragmáticas e produtivas nos fóruns multilaterais.
O fracasso até o momento da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde os interesses americanos e brasileiros estão claramente alinhados, justifica o foco do Brasil e dos EUA em perseguir a abertura de mercados e evitar uma resposta protecionista aos desafios econômicos globais, como tem sabiamente destacado o chanceler Celso Amorim. Não será fácil levar nossos parceiros de comércio ao progresso de Doha, porém, o benefício dessa negociação para nossas economias, mais ainda para o mundo em desenvolvimento, vale o sacrifício.
Vamos deixar o medo de lado. A imprensa brasileira tem expressado preocupação quanto a um governo democrata, temendo que ele seja "protecionista" e, portanto, contra aos interesses do Brasil. Muito pelo contrário.
Na difícil economia de hoje, um líder americano de centro-esquerda pode ser o mais bem-sucedido na reconstrução do consenso bilateral para apoiar o livre comércio que imperou nos EUA durante o governo Clinton. Antes da posse do ex-presidente, em 1993, muitos americanos e brasileiros expressaram preocupações sobre o que representaria a política econômica da gestão Clinton. Esses medos e preocupações, como se comprovou depois, se mostraram desnecessários.
O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) possivelmente não teria ocorrido sem a persistência do presidente Clinton, um líder democrata como Barack Obama. Lembremos que foi Clinton também quem aprovou a Rodada Uruguai nos EUA. Esses e outros feitos foram conquistados através da ampliação do apoio doméstico à abertura do mercado. Apesar das dificuldades envolvidas, precisamos cautelosamente nos esforçar para readquirir um apoio de base ampla para a liberalização comercial dos EUA, de modo a permitir que nosso país lidere novamente o mundo nestas importantes questões.
Ninguém entende melhor do que o presidente Lula a importância de uma liderança de esquerda baseada em uma política econômica forte e sustentável. Os benefícios sociais e econômicos para o Brasil decorrentes dessa liderança para a estabilização e o crescimento da economia são óbvios. Como acontece no Brasil, toda a política comercial dos EUA está repleta de desafios políticos, porém, ninguém esquece o legado da Lei Smoot-Hawley, que introduziu o protecionismo na política econômica dos EUA no pior momento possível - no calor da depressão de 1929.
Os conselheiros econômicos do presidente eleito Barack Obama estão entre os mais sábios executivos e economistas dos EUA, muitos dos quais contribuíram significativamente para a administração Clinton. Seria difícil imaginar que os ex-secretários do Tesouro Robert Rubin e Larry Summers, o presidente do Federal Reserve de Nova York, Timothy Geithner, e o megainvestidor Warren Buffet ignorem as realidades da globalização, mesmo durante tempos difíceis. Todos eles são francamente favoráveis à expansão do comércio mundial.
É chegada a hora. Se o Brasil conseguir se firmar como um ator verdadeiramente pragmático na economia global e nas instituições internacionais, ao mesmo tempo em que os EUA ressurgirem como um paladino do multilateralismo, há muito mais a ser alcançado por nossos países de maneira conjunta. Nem sempre estaremos de acordo, mas, acima de tudo, o presidente Lula e o presidente eleito Obama compartilham de um slogan de campanha cuja premissa é: "a esperança vence o medo". Esta mesma noção descreve bem como nossas nações devem abordar as relações políticas e econômicas no início desta nova era. Devemos e podemos elevar esse relacionamento a um novo patamar de sofisticação e, assim, cumprir a promessa e as possibilidades desta relação tão importante.
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