sábado, 15 de novembro de 2008

Obama e a América Latina

Artigo do jornal O Estado de São Paulo aborda as relações que o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, deverá manter com a América Latina.


O presidente Obama e a América Latina

Luiz Felipe Lampreia
Eleito por uma margem consagradora e portador das esperanças da América, Barack Obama em breve começará a revelar as suas prioridades em matéria de relações internacionais dos Estados Unidos. Que lugar caberá à América Latina nesse rol? Não se deve esperar que a nossa região figure na lista das suas prioridades imediatas, mas, por diversas razões, creio que haverá progressos importantes em relação ao lamentável legado de George W. Bush, que frustrou as grandes expectativas que havia criado para a região no início de seu mandato.
A América Latina é hoje, mais do que nunca, um importante parceiro para os Estados Unidos: como supridor de petróleo e, potencialmente, de bioenergia, como mercado para exportações e investimentos das grandes empresas norte-americanas, como terra de origem de parcela crescente da população americana. Recorde-se que Obama ganhou com 57% do total do voto latino na Flórida, o que significou uma mudança estrutural num Estado tradicionalmente dominado por um eleitorado cubano-americano que sempre votou de modo mais conservador. Por outro lado, na América Latina estão hoje algumas das lideranças mais agressivamente antiamericanas.
Quais devem ser em nosso continente os focos de maior atenção do governo Obama?
Não vejo nenhuma possibilidade de surgir algum programa ambicioso como a Aliança para o Progresso, de John Kennedy, ou a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), de Bill Clinton. Ao contrário, penso que a política ser feita sob medida para cada país ou cada região do continente.
O México, o grande vizinho ao sul, deve figurar em primeiro lugar, por duas razões principais: por que está sendo palco de uma luta terrível entre o governo e o narcotráfico e porque esse país envia anualmente cerca de 500 mil de seus cidadãos através da fronteira norte e tem outros 15 milhões que lá residem legal ou ilegalmente. O governo Bush havia acenado com um grande acordo sobre imigração e prometido apoio financeiro e material de alguns bilhões de dólares ao combate às drogas (a Iniciativa Mérida), depois que o presidente Felipe Calderón alterou a tradicional política mexicana de nem pedir nem aceitar e solicitou essa ajuda. Em sucessivas reduções, o México acabou por receber apenas US$ 400 milhões, e mesmo assim com numerosas condicionalidades. Quanto à imigração, Barack Obama - ele mesmo filho de um imigrante - não deixará de dar atenção ao tema, abandonando a política repressiva de Bush, que ergueu muros e reforçou a vigilância policial na fronteira. Acredito que o governo Obama buscará um amplo acordo com o Congresso americano e um entendimento cooperativo e operacional com todos os países da região para os quais este assunto é de grande importância e sensibilidade. Creio que seja possível um acordo em bases realistas - permitindo a imigração de um número x de pessoas que seja proporcional à demanda de trabalho nos Estados Unidos -, mas também engajando os países de emigração no controle de seus cidadãos.
A Colômbia também se beneficiará de grande atenção, mas não está claro se Obama manterá a linha bastante crítica que usou na campanha eleitoral, em particular condenando violações de direitos humanos. Há vários anos o presidente Álvaro Uribe vem sendo um aliado de Washington, possivelmente o mais sólido na América Latina. Como eixo central dessa aliança figurou em primeiro lugar o Plano Colômbia - ambiciosa tentativa de coibir a produção e o tráfico de cocaína por meio de uma assistência de US$ 6 bilhões desde o ano 2000. Hoje se sabe que o plano fracassou, pois não conseguiu o seu objetivo central de reduzir em 50% a produção da droga. Houve igualmente uma importante cooperação militar, que contribuiu para reverter a situação de inferioridade em que estava o governo colombiano diante das Farc, nos governos anteriores. Para a Colômbia, entretanto, o objetivo central nos últimos anos tem sido a aprovação de preferências comerciais recíprocas. Bush não conseguiu fazer passar o acordo no Congresso. Na campanha eleitoral, Barack Obama falou em rever a ajuda à Colômbia e não aprovar o acordo de comércio. Veremos como age uma vez empossado. O teste da Colômbia será decisivo também para sinalizar a disposição do novo governo americano em relação a acordos bilaterais de comércio.
Cuba figurará na agenda, embora de modo muito gradual. Pode haver, porém, uma janela a curto prazo. A devastação dos furacões arrasou as colheitas de alimentos na ilha. Cuba buscou discretamente o levantamento do embargo por um curto período para poder comprar comida e suprimentos nos Estados Unidos, mas Bush fez ouvidos moucos. Estará Obama disposto a sinalizar boa vontade e, futuramente, a suspender o anacrônico e ineficaz bloqueio, ainda que seja temporariamente no início? Clinton já havia cogitado de uma normalização gradual, mas Fidel Castro não tinha interesse algum nisso, pois lhe roubaria a grande arma da ameaça externa que por décadas uniu o povo cubano sob sua liderança. Os tempos mudaram e as oportunidades podem surgir.
Hugo Chávez, com seu tradicional assanhamento, já se vem oferecendo como interlocutor ao presidente Obama. Seu objetivo principal é tentar atenuar sua caracterização como o principal opositor dos Estados Unidos na região, inclusive para ter efeito na difícil campanha eleitoral que está em curso na Venezuela. Não antecipo nenhuma receptividade para esse oferecimento. Creio que mais provavelmente haverá uma política de frieza e observação, pelo menos no período inicial, para com Chávez, Evo Morales (Bolívia), Cristina Kirchner (Argentina) e Rafael Correa (Equador).
Em artigo próximo abordarei o tema das relações com o Brasil.

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