O jornal O Estado de São Paulo publica no dia 11 de novembro matéria sobre o presidente eleito dos EUA, Barack Obama.
Notas sobre a eleição para presidente nos EUA/Opinião
Rubens Barbosa, consultor de negócios, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador nos EUA
Muito se disse e se dirá sobre a eleição de Barak Obama. Sem a pretensão de esgotar o assunto, vou procurar analisar apenas alguns dos aspectos que considero importantes para entender o real significado do que ocorreu nos EUA, sob o olhar atento do mundo, transformado no que se poderia chamar de verdadeiro colégio eleitoral global.
O presidente eleito soube entender as profundas transformações que estão ocorrendo na sociedade americana, acentuadas pela crise financeira. Deu forma e conteúdo aos anseios dos eleitores e passou a personificar essas mudanças. A uma nação infeliz, dividida e em crise interna e externa, sobretudo desde o 11 de Setembro, ele ofereceu a recuperação da auto-estima, a reconstrução da economia e a recuperação da imagem internacional. Realista, Obama, no primeiro discurso como presidente eleito, tentou baixar as expectativas ao sinalizar que os desafios são enormes, os resultados não vão ser imediatos e sacrifícios deverão ser enfrentados pelo povo americano.
Na mais longa campanha política da história eleitoral norte-americana (22 meses), o candidato apresentou-se como alguém capaz de unir o país num momento de tantos desafios internos e externos. Um dos aspectos salientes da organização da campanha democrata, que deve influir na maneira como as eleições presidenciais serão conduzidas nos EUA e no mundo, inclusive no Brasil, foi a utilização, de forma inovadora e revolucionária, dos meios eletrônicos. Pela internet foi possível aumentar significativamente o registro de novos eleitores jovens, mobilizá-los para a conquista dos indecisos e elevar a arrecadação de fundos para a campanha a mais de US$ 650 milhões.
Como se pode interpretar o resultado das urnas? Qual o seu significado? Mais do que o simbolismo da eleição de Obama, o que chama a atenção é seu impacto sobre as realidades do poder. A onda conservadora iniciada com Ronald Reagan, com a redução do papel do Estado, o individualismo, a predominância do mercado, chegou ao fim. Fecha-se também o ciclo de luta pela igualdade racial que começou com Martin Luther King, com o início de nova era pós-racial. O ideário e os anseios da geração dos anos 60 ficaram superados (o trauma das Guerras da Coréia e do Vietnã e as lutas pelos direitos civis, por exemplo). Novas preocupações surgiram, como as questões de aquecimento global, meio ambiente, direitos humanos (resultados das detenções ilegais e a tortura) e os problemas das hipotecas criados pela bolha imobiliária. As minorias mostraram a força que têm na sociedade americana: os jovens, os latinos, os negros votaram maciçamente e deram vitória aos democratas. Consolidou-se o predomínio democrata, com o controle da Câmara e do Senado, o que poderá tornar mais fácil a aprovação das medidas propostas pelo novo governo, mas também poderá ter uma influência muito forte em políticas restritivas em diversas áreas, como imigração e comércio exterior.
As primeiras medidas a serem divulgadas a partir da posse, em 20 de janeiro, buscarão reduzir o impacto da crise financeira sobre a economia e restabelecer a credibilidade e o prestígio do país no exterior. Deverá ser anunciado plano para recuperar o valor do salário da classe média, de apoio aos desempregados, e um pacote de estímulos fiscais para reativar a economia, em especial nas áreas de energia e infra-estrutura. Deverá também ser estabelecido um programa de gradual retirada das tropas do Iraque e de mudança do foco da ação militar para o Afeganistão com vista a dominar a ameaça taleban e a capturar Osama bin Laden. As relações com o Irã, o Paquistão, a Rússia, a China e um renovado esforço para tentar resolver o conflito no Oriente Médio (Israel e palestinos) ocuparão as atenções iniciais do novo governo. O tom e o estilo (mais diálogo, e não uso da força) deverão mudar, mas não as prioridades do que o novo presidente entender como do interesse nacional americano.
As relações com a América Latina e com o Brasil não deverão sofrer alteração. A América Latina continuará fora da tela dos radares dos formuladores de decisão em Washington. Não representando uma ameaça à segurança nacional e não sendo uma região atrativa para os interesses comerciais e de investimento das empresas dos EUA, a região permanecerá como prioridade baixa na política externa. As atenções do Departamento de Estado se concentrarão nas relações com o México (Nafta e imigração), Cuba (restrições e embargo comercial), Colômbia (narcotráfico, Farc-Plano Colômbia), Haiti (operação de paz) e com os países percebidos como de esquerda, Venezuela, Bolívia e Equador (democracia, respeito aos tratados e contratos).
O Brasil continuará a ocupar uma posição diferenciada como interlocutor privilegiado dos EUA, não só para temas regionais, mas também por ser um país emergente com crescente projeção externa em temas globais, como energia, bicombustíveis (etanol), meio ambiente e mudança de clima e comércio. As relações bilaterais estão em nível excelente, não havendo nenhum problema político ou diplomático. No tocante às relações comerciais, pouco se poderá esperar, em conseqüência da tendência protecionista do Congresso, dominado pelos democratas, agravada pelo aumento do nível do desemprego decorrente da crise financeira. É possível prever o aumento do contencioso comercial em razão de novas medidas restritivas que afetam os produtos brasileiros (inclusive o etanol) e dos subsídios. No tocante às negociações multilaterais da Rodada Doha, uma das prioridades do governo Lula e do Itamaraty, são nulas as possibilidades de sua retomada pelo menos durante os primeiros dois anos da gestão Obama.
Notas sobre a eleição para presidente nos EUA/Opinião
Rubens Barbosa, consultor de negócios, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador nos EUA
Muito se disse e se dirá sobre a eleição de Barak Obama. Sem a pretensão de esgotar o assunto, vou procurar analisar apenas alguns dos aspectos que considero importantes para entender o real significado do que ocorreu nos EUA, sob o olhar atento do mundo, transformado no que se poderia chamar de verdadeiro colégio eleitoral global.
O presidente eleito soube entender as profundas transformações que estão ocorrendo na sociedade americana, acentuadas pela crise financeira. Deu forma e conteúdo aos anseios dos eleitores e passou a personificar essas mudanças. A uma nação infeliz, dividida e em crise interna e externa, sobretudo desde o 11 de Setembro, ele ofereceu a recuperação da auto-estima, a reconstrução da economia e a recuperação da imagem internacional. Realista, Obama, no primeiro discurso como presidente eleito, tentou baixar as expectativas ao sinalizar que os desafios são enormes, os resultados não vão ser imediatos e sacrifícios deverão ser enfrentados pelo povo americano.
Na mais longa campanha política da história eleitoral norte-americana (22 meses), o candidato apresentou-se como alguém capaz de unir o país num momento de tantos desafios internos e externos. Um dos aspectos salientes da organização da campanha democrata, que deve influir na maneira como as eleições presidenciais serão conduzidas nos EUA e no mundo, inclusive no Brasil, foi a utilização, de forma inovadora e revolucionária, dos meios eletrônicos. Pela internet foi possível aumentar significativamente o registro de novos eleitores jovens, mobilizá-los para a conquista dos indecisos e elevar a arrecadação de fundos para a campanha a mais de US$ 650 milhões.
Como se pode interpretar o resultado das urnas? Qual o seu significado? Mais do que o simbolismo da eleição de Obama, o que chama a atenção é seu impacto sobre as realidades do poder. A onda conservadora iniciada com Ronald Reagan, com a redução do papel do Estado, o individualismo, a predominância do mercado, chegou ao fim. Fecha-se também o ciclo de luta pela igualdade racial que começou com Martin Luther King, com o início de nova era pós-racial. O ideário e os anseios da geração dos anos 60 ficaram superados (o trauma das Guerras da Coréia e do Vietnã e as lutas pelos direitos civis, por exemplo). Novas preocupações surgiram, como as questões de aquecimento global, meio ambiente, direitos humanos (resultados das detenções ilegais e a tortura) e os problemas das hipotecas criados pela bolha imobiliária. As minorias mostraram a força que têm na sociedade americana: os jovens, os latinos, os negros votaram maciçamente e deram vitória aos democratas. Consolidou-se o predomínio democrata, com o controle da Câmara e do Senado, o que poderá tornar mais fácil a aprovação das medidas propostas pelo novo governo, mas também poderá ter uma influência muito forte em políticas restritivas em diversas áreas, como imigração e comércio exterior.
As primeiras medidas a serem divulgadas a partir da posse, em 20 de janeiro, buscarão reduzir o impacto da crise financeira sobre a economia e restabelecer a credibilidade e o prestígio do país no exterior. Deverá ser anunciado plano para recuperar o valor do salário da classe média, de apoio aos desempregados, e um pacote de estímulos fiscais para reativar a economia, em especial nas áreas de energia e infra-estrutura. Deverá também ser estabelecido um programa de gradual retirada das tropas do Iraque e de mudança do foco da ação militar para o Afeganistão com vista a dominar a ameaça taleban e a capturar Osama bin Laden. As relações com o Irã, o Paquistão, a Rússia, a China e um renovado esforço para tentar resolver o conflito no Oriente Médio (Israel e palestinos) ocuparão as atenções iniciais do novo governo. O tom e o estilo (mais diálogo, e não uso da força) deverão mudar, mas não as prioridades do que o novo presidente entender como do interesse nacional americano.
As relações com a América Latina e com o Brasil não deverão sofrer alteração. A América Latina continuará fora da tela dos radares dos formuladores de decisão em Washington. Não representando uma ameaça à segurança nacional e não sendo uma região atrativa para os interesses comerciais e de investimento das empresas dos EUA, a região permanecerá como prioridade baixa na política externa. As atenções do Departamento de Estado se concentrarão nas relações com o México (Nafta e imigração), Cuba (restrições e embargo comercial), Colômbia (narcotráfico, Farc-Plano Colômbia), Haiti (operação de paz) e com os países percebidos como de esquerda, Venezuela, Bolívia e Equador (democracia, respeito aos tratados e contratos).
O Brasil continuará a ocupar uma posição diferenciada como interlocutor privilegiado dos EUA, não só para temas regionais, mas também por ser um país emergente com crescente projeção externa em temas globais, como energia, bicombustíveis (etanol), meio ambiente e mudança de clima e comércio. As relações bilaterais estão em nível excelente, não havendo nenhum problema político ou diplomático. No tocante às relações comerciais, pouco se poderá esperar, em conseqüência da tendência protecionista do Congresso, dominado pelos democratas, agravada pelo aumento do nível do desemprego decorrente da crise financeira. É possível prever o aumento do contencioso comercial em razão de novas medidas restritivas que afetam os produtos brasileiros (inclusive o etanol) e dos subsídios. No tocante às negociações multilaterais da Rodada Doha, uma das prioridades do governo Lula e do Itamaraty, são nulas as possibilidades de sua retomada pelo menos durante os primeiros dois anos da gestão Obama.
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