Sob o contexto da recente onda terrorista verificada na Índia, aFolha de São Paulo publica matéria na qual é analisada a posição das minorias étnico-religiosas na democracia indiana.
Minorias sem voz tornam democracia indiana explosiva
27/11/2008
João Batista Natali, colaboração para a Folha
A Índia está tão vulnerável aos rabichos de sua cisão com o Paquistão, em 1947, que raramente é lembrada a presença de grupos radicais islâmicos capazes de provocar grandes estragos naquela que os britânicos, por critério demográfico, insistem em chamar de "a maior democracia do mundo".
Os atentados de ontem, que fizeram ao menos 86 mortos e 250 feridos, dão uma imagem bem mais temperada da democracia indiana. De alguma forma, ela não abre espaço para que minorias, mesmo radicais e sem a vocação democrática, possam se manifestar.
Não está aparentemente em xeque a questão da Caxemira, região indo-paquistanesa de maioria islâmica e entregue em grande parte à soberania da Índia quando da divisão do antigo território colonial britânico.
O que os grupos terroristas agora mostram é que eles têm uma lógica própria, independentemente de uma reivindicação territorial. Há obviamente a questão da Caxemira. Mas há também a tentativa de desestabilização do regime indiano por meio de supostos porta-vozes de uma minoria étnica e religiosa. Não é algo historicamente inédito. Atentados anteriores em Mumbai, sobretudo em julho de 2006, mataram 190 pessoas e feriram cerca de 700.
O que está em jogo não é a questão puramente étnica. É o problema religioso. Apesar de uma produção econômica próxima à do Brasil e uma população seis vezes maior, a Índia é um poço de diversidade em que as minorias não encontraram seu lugar ou não consideraram que o pluralismo democrático lhes ofereça um nicho para expressarem suas reivindicações.
É claro que os grupos radicais islâmicos encontram nesse caldo de cultura um ambiente excepcional de atuação. E é também inevitável que -a exemplo dos argumentos do governo indiano em séries anteriores de atentados terroristas- o Paquistão seja apontado como um cúmplice direto. Ele é o porta-voz histórico do islamismo naquela região da Ásia. Mantém uma relação ambígua com o Taleban, no Afeganistão, e de certo modo cobrou dos EUA por um trabalho que não fez na chamada "guerra ao terrorismo" do governo Bush.
Mas o problema não é essencialmente externo. Uma potência estrangeira, por mais sofisticados que sejam seus serviços de inteligência, não conseguiria atingir tantos alvos simultâneos. É necessária uma ampla cumplicidade interna. A Índia é um caldeirão étnico e religioso no qual o crescimento econômico não beneficia de forma equânime todos os extratos da população -religiosos, de castas ainda existentes. A segregação dá margem ao descontentamento, e minorias marginalizadas têm na violência opção.
Os atentados de ontem à noite foram um novo exemplo da intolerância religiosa. O modelo que tem como exemplo a Al Qaeda possui como vertente a cegueira política com relação ao "outro" na escala étnica e demográfica. Ou seja, uma concepção em que a verdade fabricada segundo padrões excludentes serve de motor para as mais absolutas barbaridades.
Mais uma vez aconteceu. E novamente atingiu a Índia, que, se não é exemplar, ao menos possui um modelo político que traz como herança positiva aquele recebido pelos antigos colonizadores europeus.
Minorias sem voz tornam democracia indiana explosiva
27/11/2008
João Batista Natali, colaboração para a Folha
A Índia está tão vulnerável aos rabichos de sua cisão com o Paquistão, em 1947, que raramente é lembrada a presença de grupos radicais islâmicos capazes de provocar grandes estragos naquela que os britânicos, por critério demográfico, insistem em chamar de "a maior democracia do mundo".
Os atentados de ontem, que fizeram ao menos 86 mortos e 250 feridos, dão uma imagem bem mais temperada da democracia indiana. De alguma forma, ela não abre espaço para que minorias, mesmo radicais e sem a vocação democrática, possam se manifestar.
Não está aparentemente em xeque a questão da Caxemira, região indo-paquistanesa de maioria islâmica e entregue em grande parte à soberania da Índia quando da divisão do antigo território colonial britânico.
O que os grupos terroristas agora mostram é que eles têm uma lógica própria, independentemente de uma reivindicação territorial. Há obviamente a questão da Caxemira. Mas há também a tentativa de desestabilização do regime indiano por meio de supostos porta-vozes de uma minoria étnica e religiosa. Não é algo historicamente inédito. Atentados anteriores em Mumbai, sobretudo em julho de 2006, mataram 190 pessoas e feriram cerca de 700.
O que está em jogo não é a questão puramente étnica. É o problema religioso. Apesar de uma produção econômica próxima à do Brasil e uma população seis vezes maior, a Índia é um poço de diversidade em que as minorias não encontraram seu lugar ou não consideraram que o pluralismo democrático lhes ofereça um nicho para expressarem suas reivindicações.
É claro que os grupos radicais islâmicos encontram nesse caldo de cultura um ambiente excepcional de atuação. E é também inevitável que -a exemplo dos argumentos do governo indiano em séries anteriores de atentados terroristas- o Paquistão seja apontado como um cúmplice direto. Ele é o porta-voz histórico do islamismo naquela região da Ásia. Mantém uma relação ambígua com o Taleban, no Afeganistão, e de certo modo cobrou dos EUA por um trabalho que não fez na chamada "guerra ao terrorismo" do governo Bush.
Mas o problema não é essencialmente externo. Uma potência estrangeira, por mais sofisticados que sejam seus serviços de inteligência, não conseguiria atingir tantos alvos simultâneos. É necessária uma ampla cumplicidade interna. A Índia é um caldeirão étnico e religioso no qual o crescimento econômico não beneficia de forma equânime todos os extratos da população -religiosos, de castas ainda existentes. A segregação dá margem ao descontentamento, e minorias marginalizadas têm na violência opção.
Os atentados de ontem à noite foram um novo exemplo da intolerância religiosa. O modelo que tem como exemplo a Al Qaeda possui como vertente a cegueira política com relação ao "outro" na escala étnica e demográfica. Ou seja, uma concepção em que a verdade fabricada segundo padrões excludentes serve de motor para as mais absolutas barbaridades.
Mais uma vez aconteceu. E novamente atingiu a Índia, que, se não é exemplar, ao menos possui um modelo político que traz como herança positiva aquele recebido pelos antigos colonizadores europeus.
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