Folha de São Paulo
25/04/2009
As coisas estão mais para copo meio cheio: o agronegócio já respira, à exceção dos setores de álcool, carnes e cafeicultura
ROBERTO RODRIGUES
DUAS IMPORTANTES reuniões internacionais foram realizadas nas últimas semanas: a do G20, cujo objetivo era encontrar mecanismos de mitigação da crise financeira nascida nos Estados Unidos; e a da Cúpula das Américas, que terminou nesta semana em Trinidad e Tobago, cuja proposta era discutir os grandes temas de interesse continental (entre os quais a questão da energia).
Vale a pena revisitar os resultados dessas reuniões sob o ângulo específico da crise. Excelente análise da reunião do G20 foi feita por Clóvis Rossi, colunista desta Folha, quando colocou a tese do copo meio cheio versus copo meio vazio. De fato, como canta nossa dupla sertaneja, "tá ruim, mas tá bom". Se os resultados do G20 não foram formidáveis, também não foram desprezíveis. Seus membros, que representam quase 80% do PIB global, decidiram colocar US$ 1 trilhão no FMI para atender às demandas de países em dificuldades, e parte significativa será destinada à ampliação do comércio, fato alvissareiro, na medida em que a Rodada Doha da OMC estava travada em razão da nova onda protecionista dos países ricos.
Aliás, o G20 se posicionou claramente contra esse neoprotecionismo, bem como enfatizou a necessidade de aproveitar a crise para montar um novo projeto de desenvolvimento sustentável. Mais ainda, os membros do G20 estabeleceram prazos e criaram equipes executivas para a implementação dessas decisões. Foram avanços ante o ceticismo que havia quanto à reunião, em razão da perda de protagonismo dos grandes organismos internacionais. É o caso da ONU, que tem a defesa da paz entre seus objetivos principais e não foi capaz de evitar a invasão do Iraque na era Bush.
Ou da OMC, que não consegue obrigar nenhum país a cumprir suas determinações, como no caso do subsídio ao algodão nos EUA: o Brasil venceu um painel nesse sentido, e os americanos não cumpriram a decisão da OMC. Ou da FAO, que há anos propõe medidas contra a fome; os países não tratam disso, e a fome só faz aumentar.
Essas coisas, às vezes em nome da soberania das nações, vão erodindo o "poder" das organizações multilaterais, e isso influiu no pessimismo quanto ao G20. Mas o copo acabou meio cheio. O mesmo aconteceu em Trinidad e Tobago. Nada de muito relevante foi decidido, mas acende-se a luz do túnel, quando os Estados Unidos reveem sua posição no continente, preocupando-se mais com os países pobres.
Por outro lado, os diferentes especialistas continuam se desentendendo sobre a extensão e a profundidade da crise: há os que reiteram que ela irá longe e provocará muitos desastres em empresas e em economias nacionais até agora pouco afetadas; e há os que garantem que o pior já passou e a retomada se inicia lentamente. Tudo se insere no mesmo contexto, nem tanto ao mar nem tanto à terra. De qualquer jeito, no Brasil as coisas estão mais para copo meio cheio: o agronegócio começa a respirar, à exceção da cafeicultura, que precisa de cuidados especiais, e dos setores sucroalcooleiro e de carnes, para os quais o governo já deu sinais de apoio. E, como o agronegócio é propulsor da economia, pois representa mais de um quarto do nosso PIB, gera mais de um terço dos nossos empregos e tem um saldo comercial maior que o do país todo, há uma esperança nascendo no horizonte.
Com políticas adequadas, sairemos desta antes do que imaginávamos há três meses.
ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula).
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