Valor Econômico
13/04/2009
Por Aleksander Kwasniewski, Tadeusz Mazowiecki e Lech Walesa
Um gradual desarmamento precisa ser colocado em movimento e a responsabilidade maior recai sobre as potências com os maiores arsenais
O acordo entre os presidentes da Rússia e Estados Unidos para retomar a redução de armamentos estratégicos reanimou as esperanças de eliminação das armas nucleares. Sua premência não poderia ser mais relevante: armas nucleares poderiam acabar em mãos de Estados dispostos a usá-las ou de terroristas apátridas, trazendo novas ameaças de proporção inimaginável. Um sonho nobre há muitos anos, a eliminação das armas nucleares não é mais a ideia apenas de populistas e pacifistas; agora foi adotada por profissionais - políticos conhecidos por seu realismo e acadêmicos conhecidos por seu senso de responsabilidade.
A invenção de armas nucleares - que cumpriu seu objetivo de dissuasão durante a Guerra Fria, quando o mundo estava dividido em dois blocos opostos - respondeu a necessidades e riscos da época. A segurança descansava em um equilíbrio de medo, como refletido no conceito da certeza de destruição mútua. Nesse mundo bipolar, as armas nucleares estavam em mãos de apenas cinco potências mundiais, todas membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
Hoje, o quadro global é diferente. Desencadeado pelo movimento Solidariedade na Polônia, o Pacto de Varsóvia dissolveu-se, a União Soviética desintegrou-se e o mundo bipolar com sua divisão Ocidente/Oriente desapareceu. A ordem baseada na perigosa doutrina da dissuasão mútua, no entanto, não foi substituída por um sistema fundamentado na cooperação e interdependência. Desestabilização e caos se seguiram, acompanhados de uma sensação de incerteza e imprevisibilidade.
Hoje também existem armamentos nucleares em posse de três Estados empenhados em conflitos: Índia, Paquistão e Israel. Visto o desenvolvimento dos programas nucleares da Coreia do Norte e Irã, estes também podem tornar-se Estados com armas nucleares. Também há o perigo real de que o grupo possa ampliar-se ainda mais, passando a incluir governos que nem sempre foram guiados por considerações racionais. Ainda há o risco de que as armas nucleares caiam em mãos de partes sem ligações com governos, como grupos terroristas.
Um regime eficiente de não-proliferação não será possível até que as principais potências nucleares, especialmente EUA e Rússia, adotem medidas urgentes de desarmamento nuclear. Juntos, possuem cerca de 25 mil ogivas nucleares - 96% do arsenal nuclear mundial.
Que o presidente dos EUA, Barack Obama, admita esses perigos, nos traz esperanças. Com satisfação vemos o novo governo dos EUA não "fechar" os ouvidos para os políticos e cientistas que defendem a eliminação das armas nucleares. De fato, a meta de um mundo livre de armas nucleares foi incorporado à agenda de desarmamento e controle de armas do governo dos EUA. Também apreciamos as propostas do Reino Unido, França e Alemanha, enquanto a Rússia sinalizou recentemente em Genebra sua disposição para embarcar em um processo de desarmamento nuclear.
Os opositores ao desarmamento nuclear costumavam argumentar que o objetivo é inatingível, ante a ausência de um sistema eficiente de controle e verificação. Hoje, contudo, há meios apropriados de controle disponíveis na comunidade internacional. As salvaguardas nucleares da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) são fundamentais.
O mundo precisa ter garantias de que os reatores nucleares civis não serão usados para fins militares - condição para que Estados sem armas nucleares tenham acesso irrestrito a tecnologias nucleares, como proposto recentemente pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, em sua iniciativa para uma negociação nuclear mundial condizente a nossos tempos. Isto é especialmente urgente agora, em meio à busca por novas fontes de energia e ao "renascimento" da energia nuclear.
A Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação em 2010 defenderá urgente formulação de prioridades. A Comissão Preparatória se reunirá em maio, em Nova York, e lá as decisões necessárias deverão ser tomadas. As maiores expectativas são de diminuição das armas nucleares, corte no número de ogivas prontas para lançamento (fim do estado de alerta), mais negociações sobre o Tratado de Redução de Materiais Físseis, ratificação do Tratado Abrangente de Proibição de Testes Nucleares e outros meios de fortalecer a aplicação prática do Tratado de Não-Proliferação, em especial sua adoção universal.
Chegou a hora de uma mudança fundamental nos procedimentos da Conferência de Desarmamento, com sede em Genebra, que por anos fracassou em atender as expectativas da comunidade internacional. Compartilhamos a visão expressa por acadêmicos, políticos e especialistas do Grupo (internacional) de Reflexão de Varsóvia de que deveria considerar-se a "opção zero" de armas nucleares, como base para um acordo futuro de desarmamento nuclear multilateral.
O informe do grupo, "Controle de Armas Revisitado: Desnuclearização e Não-Proliferação", elaborado sob a presidência de Adam D. Rotfeld, da Polônia, e delineado pelo acadêmico britânico Ian Anthony, do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), foi baseado em contribuições de analistas de segurança de potências nucleares e da Polônia, assim como de países que chegaram a ter armas nucleares (África do Sul) e nações pós-soviéticas que chegaram a armazená-las (Bielorússia, Cazaquistão e Ucrânia). O fato desses Estados terem sido desnuclearilizados como parte do programa de Desarmamento Seguro e Garantido traz lições valiosas.
O processo gradual de desarmamento precisa ser colocado em movimento. Não produzirá resultados da noite para o dia, mas nos dará um senso de direção, uma chance para fortalecer mecanismos de não-proliferação. A responsabilidade mais pesada recai sobre as potências com os maiores arsenais. Confiamos que os presidentes dos EUA e Rússia, assim como os líderes de todas as outras potências nucleares, mostrarão a sabedoria e coragem de estadistas para iniciar este processo de liberação do mundo da ameaça nuclear. Tão importante para a ordem e segurança internacional quanto esta meta, entretanto, é o respeito pelos direitos humanos e os direitos das minorias, assim como o estabelecimento, em escala mundial, da democracia e do Estado de direito.
Aleksander Kwasniewsk foi presidente da Polônia entre 1995 e 2005.
Tadeusz Mazowiecki foi primeiro-ministro do primeiro governo não-comunista da Polônia (1989-1990).
Lech Walesa, líder do movimento Solidariedade e prêmio Nobel da Paz (1983), foi presidente da Polônia, de 1990 a 1995. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009.
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