quarta-feira, 29 de abril de 2009

Clima tenso marca véspera da desocupação de terra indígena

Valor Econômico

29/04/2009

Mauro Zanatta
A proximidade do prazo final para a retirada de fazendeiros, pecuaristas e moradores "não-índios" da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, acirrou os ânimos e criou um clima tenso na região. A federação estadual das associações de moradores promete fechar a BR-174 e ocupar os prédios de Incra, Ibama e Funai na capital Boa Vista se houver retirada à força pela Polícia Federal e a Força Nacional. E parte dos produtores de arroz, liderados pelo gaúcho Paulo César Quartiero, promete resistir e permanecer nas fazendas situadas dentro da terra indígena. A PF informa que controla a delicada situação com 300 agentes na reserva.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março, pela demarcação em área contínua da reserva de 1,7 milhão de hectares, equivalente a 12 municípios de São Paulo. Os ministros da Corte também determinaram a saída dos "não-índios" da área até amanhã. A decisão colocou em conflito os fazendeiros e dois grupos de índios, um favorável à permanência dos "não-índios" e outra contrário aos "invasores" da terra. A situação piorou desde que o governo federal prometeu, e não cumpriu, indenizar e reassentar quem fosse retirado da reserva. Ainda não há áreas aptas e disponíveis para acolher os "desocupantes" e os valores pagos pela União são contestados na Justiça por produtores, pecuaristas e moradores da área.

Integrante do "Movimento Pró-Roraima", que reúne lideranças e empresários da indústria, comércio e agricultura, a Federação das Associação de Moradores de Roraima (Famer) prepara uma reação. "Se houver a prisão de algum morador dentro da reserva, a gente fecha o acesso ao Estado", avisa o presidente da Famer, Faradilson Mesquita. "Essa é a posição da sociedade roraimense. Não tem como haver essa retirada total até dia 30 (amanhã)". Para ele, o STF agiu de maneira "intransigente" e faltou "bom senso" para evitar o acirramento dos ânimos. "A Justiça tinha que fazer uma reunião com o governo estadual, com as partes interessadas e decidir sobre retirada e reassentamento dentro de um prazo aceitável", afirma.

Mesquita, cujas ligações políticas incluem o líder arrozeiro Quartiero e o deputado Marcio Junqueira (DEM-RR), afirma que o problema mais grave é retirar os pequenos produtores e os moradores "não-índios". "Os grandes produtores já saíram. O Quartiero vai plantar na Guiana. Mas tem o impacto social em pessoas que moram no interior e terão que se adequar para viver na periferia e viver do Bolsa Família", afirma.

Uma comissão do Congresso tentou intermediar uma solução alternativa, como estender o prazo até a colheita do arroz e a retirada total das 10 mil cabeças de gado da terra indígena. Mas o ministro Carlos Ayres Brito, relator do caso no STF, disse ontem que o prazo está mantido. "Se algo de ruim acontecer lá, e tomara que nada aconteça, a culpa será do ministro e do presidente Lula", disse o deputado Marcio Junqueira. A comissão deve voltar hoje a Roraima para acompanhar as ações de retirada da PF.

Principal opositor da retirada, Paulo César Quartiero diz que resistirá. "Vou ficar na fazenda, esperar a polícia chegar e me levar preso. Só saio de lá dessa forma", promete o ex-prefeito de Pacaraima, eleito pelo DEM. "E o pior é que até agora não apareceu ninguém para nos notificar". Ele informa ter retirado "100 carretas" com equipamentos, insumos, gado e material de construção de suas duas fazendas na reserva. "E ainda falta metade do gado", afirma. "Esse prazo é inviável, inclusive pela colheita do arroz e a retirada do gado", reclama. Quartiero, que já foi preso pela PF em um episódio de confronto com os índios, diz que o governo não cumpriu sua parte. "Nada foi feito. E não tem para onde ir porque o governo não indenizou e não deu outra área", afirmou. Segundo ele, o Ibama o multou ontem em R$ 20,5 milhões por danos ambientais na Fazenda Providência. Antes, ela já tinha sido multado em R$ 36 milhões. "Eles avaliaram meu arroz em R$ 900 mil, mas vale pelo menos R$ 3 milhões. É o roubo legalizado."

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