sexta-feira, 3 de abril de 2009

Repensando a Otan como aliança militar

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Folha de São Paulo


São Paulo, sexta-feira, 03 de abril de 2009



Aliança militar é família disfuncional
ADRIAN HAMILTON
DO "INDEPENDENT"

Se você achou a cúpula do G20 cheia de divisões, é porque ainda não viu a Otan. A organização, que neste ano celebra seu 60º aniversário, não conseguiu ainda anunciar seu novo secretário-geral porque a Turquia se opõe à escolha do premiê dinamarquês, Ander Fogh Rasmussen, em razão das charges dinamarquesas que satirizaram o profeta Maomé.
Os EUA e o Reino Unido discordam da maior parte dos outros membros em relação ao nível de tropas a serem enviadas ao Afeganistão, com algumas acusações veladas e outras nem tanto de covardia lançadas contra aqueles, como os alemães, que estariam evitando se envolver nos combates reais. Os membros antigos da Europa Ocidental e os membros novos do Leste Europeu discordam em relação ao tratamento a ser dado à Rússia e ao incentivo ou não ao ingresso da Ucrânia. Mesmo a boa notícia -o retorno da França ao comando militar da Otan- suscitou reações divididas. Se a Otan fosse uma família, diríamos que ficou disfuncional. Se fosse uma empresa, que já é hora de desmontá-la.
Provavelmente a analogia com a família é a mais apropriada para falar da cúpula de hoje, em Estrasburgo. Apesar dos antagonismos e ciúmes mútuos, os membros da Otan parecem realmente querer fazer parte de uma unidade maior. Com certeza serão encontradas palavras para passar por cima das diferenças, como no G20.
Aos participantes relutantes na aventura afegã será pedido que contribuam com assessores civis e dinheiro, em lugar de tropas de combate. A discussão sobre os novos membros será adiada. Os antagonismos com a Rússia serão postos de lado. A Turquia será aplacada.
Mas é a analogia com uma empresa em processo de falência a mais apropriada. A Otan é um modelo cuja data de vencimento já passou. Ela foi fundada com um objetivo claro: conter e desafiar a URSS. Depois da queda da União Soviética, perdeu essa missão. Em lugar dela, seus parceiros e sua burocracia inventaram duas razões de ser, ambas as quais se mostraram erradas. Uma delas era incluir os países recém-libertados da Europa Oriental e redefinir seus objetivos para tornar-se promotora da democracia, em lugar de simples pacto de segurança para o Ocidente. A segunda era redesenhar suas fronteiras de atuação: em vez de uma aliança defensiva restrita à Europa, seria uma organização militar ofensiva, capaz de operar fora de seu teatro normal, como na África e no Afeganistão. As duas iniciativas foram válidas enquanto meios de evitar a redundância e preservar empregos. Mas o que houve foi um desastre de extrapolação de atribuições.
Não existe futuro nessa estrada. A Otan vai ter de recuar e começar de novo. Para alguns, ela deveria simplesmente ser abandonada para ir à falência, como uma montadora falida.
Mas isso também destituiria a Europa de uma aliança militar de eficiência comprovada.
Uma Otan voltada à defesa mútua e ao desarmamento teria um propósito real. O que não vai funcionar, neste mundo pós-Bush, é uma Otan voltada à difusão de um evangelho político ou que se enxergue como polícia do mundo. A vida antiga não pode mais continuar.

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