domingo, 19 de abril de 2009

Caso Fujimori é aviso aos ditadores

O Estado de São Paulo

19/04/2009
Mario Vargas Llosa

A condenação do ex-ditador peruano Alberto Fujimori a 25 anos de prisão por crimes contra os direitos humanos por um Tribunal da Corte Suprema do país transcende amplamente os limites geográficos peruanos e paira a partir de agora sobre toda a América Latina como uma advertência aos que, de uma ponta a outra do continente, aspirem a tomar de assalto o poder e governar amparado na força. Ficam sabendo os governantes que espezinham a Constituição e as leis e mandam torturar e assassinar que seus crimes não ficarão impunes, como quase sempre ocorreu até agora, mas que tarde ou cedo poderão ser julgados e punidos por seus próprios povos. Trata-se de um precedente histórico único para os que sonham com uma América Latina emancipada para sempre da peste autoritária.

O ex-ditador foi condenado por dois sequestros e dois massacres particularmente cruéis entre os muitos que foram perpetrados durante seu regime, mas não pelo delito mais grave que cometeu: ter destruído, por um ato de força militar, em 5 de abril de 1992, a democracia graças a qual havia sido eleito dois anos antes em eleições legítimas para ocupar a presidência do Peru.

FALSO PRETEXTO

Os dois sequestros - do jornalista Gustavo Gorriti e do empresário Samuel Dyer - coincidiram com o golpe de Estado. O primeiro dos massacres foi realizado alguns meses antes, em novembro de 1991, num bairro do centro de Lima - Barrios Altos -, onde um esquadrão da morte conhecido como Grupo Colina, integrado por militares e formado com a anuência de Fujimori, assassinou 15 pessoas, entre elas um menino de 8 anos, que celebravam uma festa. O pretexto - falso - para a invasão e os assassinatos era de que a festa seria na verdade uma reunião para arrecadar fundos para o movimento terrorista Sendero Luminoso.

Um dos fatores que desencadeou a ação foi, contudo, garantir a impunidade para os delitos que o novo governo já vinha cometendo, não só contra os direitos humanos, mas também econômicos, pois já havia começado a espoliação do patrimônio público, algo que, nos anos seguintes, alcançaria um ritmo vertiginoso sob a batuta do braço direito do presidente e especialista em latrocínios Vladimiro Montesinos.

A outra matança foi realizada em julho de 1992. Durante a noite, os pistoleiros do Grupo Colina invadiram a Universidade La Cantuta, que estava sob intervenção e cercada por uma força militar, e sequestraram nove estudantes e um professor. Todos foram assassinados com tiros na nuca em um descampado vizinho da universidade. Os matadores os enterraram ali mesmo, e, tempos depois, quando o jornalismo independente, a despeito das manobras de encobrimento do regime, descobriu as pegadas do crime, os desenterraram, queimaram e tornaram a enterrar os ossos em outro lugar.

MANCHA

O escândalo internacional que eclodiu quando essa história macabra se tornou pública expôs as entranhas sangrentas do sistema. Foi um dos episódios que mais mancharam a imagem da ditadura perante o povo peruano, parte do qual até então a apoiava na equivocada crença de que um governo autoritário poderia ser mais eficiente do que a democracia no combate aos terroristas do Sendero Luminoso e do Movimento Revolucionário Túpac Amaru.

Aliás, não foram os esquadrões da morte da ditadura que derrotaram Abimael Guzmán e os senderistas, mas um fato que marcou uma mudança qualitativa na luta antissubversiva. A captura de seu líder e de quase todo o Comitê Central do Sendero Luminoso deu-se graças a um rastreamento científico conduzido por um pequeno grupo de policiais adversário de Vladimiro Montesinos e do serviço de inteligência do regime.

EXEMPLO

O julgamento de Fujimori durou cerca de 17 meses, foi televisionado, assistido por jornalistas e observadores internacionais, e o acusado teve todas as garantias do direito de defesa respeitadas.

O tribunal de três membros, presidido por um prestigiado criminalista, magistrado e professor universitário, o doutor César San Martín, cuja conduta ao longo do processo foi de uma serenidade e correção reconhecida por gregos e troianos, emitiu uma sentença que devia ser publicada e ensinada nas escolas de toda a América Latina (resumida, porque tem quase 700 páginas).

O veredicto deve ser ensinado nas escolas para que as novas gerações conheçam, mediante fatos concretos e pessoas identificadas, a tragédia que significa para um país - em sofrimento humano, insegurança pública, delinquência, distorção de valores, mentiras, desprezo pelos mais elementares direitos de que um cidadão deveria gozar numa sociedade moderna, em corrupção e degradação das instituições - ter uma ditadura como a com que o Peru padeceu entre 1992 e 2000.

Uma ditadura que só terminou quando Fujimori, fracassando em seu intento de se reeleger em eleições fraudulentas, fugiu para o Japão e, já do outro lado do mundo, renunciou à presidência por fax.

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