domingo, 19 de outubro de 2008

Turquia: entre o Islã e o secularismo

O jornal O Globo de 19 de outubro de 2008 publica matéria sobre a questão da proibição de uso de véu na Turquia.


Turquia se debate entre Islã e secularismo

Sabrina Tavernise

Adoção de valores religiosos por parte da juventude põe em xeque identidade moderna do país
ISTAMBUL. Ir à escola era um sofrimento para Havva Yilmaz. Ela acabou fugindo. Nada parecia certo.

- Não havia sinceridade. Era tudo superficial.

Então, aos 16 anos, ela fez algo que nenhuma de suas amigas havia feito: colocou um véu islâmico.

Na Turquia, isso significa uma rebelião. O país construiu sua identidade moderna com base no secularismo. As mulheres nos anúncios não usam véus, cujo porte é proibido em escolas e universidades. Então, Yilmaz teve que largar a escola. Seus pais ficaram furiosos. Seus colegas de sala viraram-lhe as costas.

Como muitos jovens numa época de revivescência religiosa no mundo islâmico, Yilmaz é mais religiosa do que seus pais. Sua mãe usa o véu, mas não sabe ler o Alcorão em árabe. Eles não rezam cinco vezes ao dia.

- Antes de decidir usar o véu, eu sabia quem eu não era - conta Yilmaz. - Após cobrir os cabelos, finalmente descobri quem eu sou.

Embora sua decisão seja de certo modo vista como um ato de rebeldia, na Turquia suas escolhas pessoais são parte de um paradoxo no centro da identidade moderna do país. A Turquia é governada por um partido islâmico, mas sua ideologia e lei são seculares, datando do regime de Mustafa Kemal Ataturk, na década de 1920, um ex-general que impulsionou o país na direção do Ocidente. Para alguns jovens hoje, liberdade significa o direito de praticar o islamismo e, no caso das meninas, expressar isso cobrindo os cabelos com o véu. Eles estão redefinindo as fronteiras entre liberdade e devoção, modernização e tradição, e deixando nebulosas algumas distinções entre Ocidente e Oriente.

Corte Constitucional proibiu véu de novo em universidades

Yilmaz faz campanha para que as mulheres possam usar o véu islâmico em universidades, num movimento que gerou debates emotivos no país sobre se o Islã se encaixa numa sociedade moderna. A questão paralisou a política várias vezes no último ano e meio e tem levado milhares às ruas para protestar contra o que dizem ser uma crescente religiosidade na sociedade e no governo. O premier Recep Tayyip Erdogan prometeu aprovar uma lei permitindo o uso do véu nas universidades.
Em muitos aspectos, o véu de Yilmaz a libertou, mas para muitas outras mulheres ocorre o contrário. Em regiões mais pobres e conservadoras na Turquia rural, as meninas usam véu desde muito novinhas, e muitos turcos acreditam que - sem uma regulamentação do Estado - jovens sejam pressionadas a se cobrir. Uma lei do véu pode, assim, levar a menos liberdade para as mulheres. Meninas como Yilmaz, no entanto, garantem que o uso do véu, ao contrário da crença popular, não lhes foi forçado pelas famílias.
O debate sobre o véu foi encerrado abruptamente em junho, quando a Corte Constitucional turca entendeu que a nova lei permitindo que as mulheres portassem o véu em universidades era inconstitucional, porque violava o secularismo.
Yilmaz diz não se arrepender de nada e acha que as pessoas a ouviram.

- Um dia a proibição é imposta a nós. Outro dia, pode ser imposta a outros. Se trabalharmos juntos, podemos resistir.

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