Devemos lembrar que hoje, dia 10 de outubro, é o Dia Mundial contra a Pena de Morte. Por isso, postamos um importante artigo assinado pelo Secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, ministro Paulo Vannuchi, e publicado na Folha de São Paulo.
Dia Mundial contra a Pena de Morte
Paulo Vannuchi
Celebramos em 2008 os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde 1948, se expandiu o leque de direitos reconhecidos pela comunidade internacional, mas também persistiram entraves antigos à sua efetivação.
A data de hoje, 10 de outubro, é o Dia Mundial contra a Pena de Morte, violação do direito fundamental à vida que ainda faz parte das leis criminais de muitas nações. Em países como o Brasil, o Código Penal não prevê esse tipo de sanção, mas diariamente se repetem chacinas e outros tipos de execuções extrajudiciais cometidas por policiais ou por grupos de extermínio, que receberam recentemente o nome de milícias.
Um relator das Nações Unidas que botou o dedo nessa ferida foi insultado por autoridades brasileiras que, dessa forma, confessam serem ainda garotinhos engatinhando na assimilação dos preceitos universais dos direitos humanos. É preciso aproveitar a data tanto para uma reflexão sobre os debates em curso na ONU quanto para rechaçar os surtos locais de histeria apontando a pena de morte, legal ou tolerada, como resposta ao colapso da segurança pública constatado em muitas metrópoles brasileiras. A declaração universal de 1948 estabelece que todo ser humano tem direito à vida, mas a ONU reconhece que a pena de morte ainda persiste sendo praticada em larga escala.
É por isso que o artigo 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, busca restringir seu alcance por meio da recomendação: nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves. A contradição entre o direito à vida e o reconhecimento da aplicação da pena capital seria, portanto, provisória, já que a morte decretada pelo Estado estaria fadada à extinção. Esse entendimento se repete no 2º Protocolo Facultativo ao Pacto sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição de Pena de Morte, de 1989, ao qual o Brasil aderiu, mas aguarda ratificação pelo Congresso Nacional.
Outra demonstração de que o tema ainda é tratado como tabu por muitos países foi a recente negociação da Resolução sobre Metas Voluntárias em Direitos Humanos, capitaneada pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A aprovação do texto, importante vitória de nosso país e do Mercosul, foi condicionada à retirada da meta de estabelecimento de uma moratória das execuções com vistas a abolir a pena de morte. No Brasil, acaba de ocorrer mais um episódio chocante de violência policial, em que três jovens de Guarulhos (SP), condenados por homicídio após terem confessado sob torturas, foram libertados pela Justiça quando nova investigação apontou outra autoria.
A pena de morte poderia ter custado a execução de inocentes. E nenhum remorso de juiz ou ministro traria de volta as vidas ceifadas. Na trilha de Beccaria e do mestre Alceu Amoroso Lima, Bobbio defende que a pena de morte deve ser repelida por imperativos éticos e jurídicos. Partindo da concepção preventiva de pena, cuja função seria desencorajar um mal à sociedade, o argumento utilitarista é que não há demonstração de que a pena capital seja mais útil do que outras punições severas.
A severidade intimida menos do que a certeza da punição. Contra a concepção que defende a pena como retribuição equivalente ao mal cometido -o olho por olho, dente por dente, do Talião-, Bobbio evoca o imperativo moral "não matarás" para sustentar que a sociedade não deve se igualar ao crime praticado, já que o Estado nunca pode ser colocado no mesmo plano que o indivíduo.
O Estado detém o monopólio legítimo da força, como conceituou Weber, e possui amplo aparelho de Justiça como mediador de sua defesa. Assim, não podendo ser considerada legítima defesa, a pena de morte seria antes um homicídio legalizado e premeditado pela comunidade cidadã, mais deplorável do que o homicídio praticado pelo indivíduo. Não menos importante, há o argumento da irreversibilidade da pena capital ante o risco sempre presente da falibilidade da Justiça, como no recente episódio com os três jovens de Guarulhos, dando força ao mestre Alceu quando defende que, se em alguma hipótese a pena de morte fosse justificável, teria de ser decretada por um tribunal infalível.
Por último, o Estado que decreta a morte, seja qual for a circunstância, jamais levará a sociedade a conceber a vida como bem supremo, que nenhum ser humano está autorizado a eliminar, nem sozinho, nem como ator de um tribunal.
PAULO VANNUCHI , 58, é ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Dia Mundial contra a Pena de Morte
Paulo Vannuchi
Celebramos em 2008 os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde 1948, se expandiu o leque de direitos reconhecidos pela comunidade internacional, mas também persistiram entraves antigos à sua efetivação.
A data de hoje, 10 de outubro, é o Dia Mundial contra a Pena de Morte, violação do direito fundamental à vida que ainda faz parte das leis criminais de muitas nações. Em países como o Brasil, o Código Penal não prevê esse tipo de sanção, mas diariamente se repetem chacinas e outros tipos de execuções extrajudiciais cometidas por policiais ou por grupos de extermínio, que receberam recentemente o nome de milícias.
Um relator das Nações Unidas que botou o dedo nessa ferida foi insultado por autoridades brasileiras que, dessa forma, confessam serem ainda garotinhos engatinhando na assimilação dos preceitos universais dos direitos humanos. É preciso aproveitar a data tanto para uma reflexão sobre os debates em curso na ONU quanto para rechaçar os surtos locais de histeria apontando a pena de morte, legal ou tolerada, como resposta ao colapso da segurança pública constatado em muitas metrópoles brasileiras. A declaração universal de 1948 estabelece que todo ser humano tem direito à vida, mas a ONU reconhece que a pena de morte ainda persiste sendo praticada em larga escala.
É por isso que o artigo 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, busca restringir seu alcance por meio da recomendação: nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves. A contradição entre o direito à vida e o reconhecimento da aplicação da pena capital seria, portanto, provisória, já que a morte decretada pelo Estado estaria fadada à extinção. Esse entendimento se repete no 2º Protocolo Facultativo ao Pacto sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição de Pena de Morte, de 1989, ao qual o Brasil aderiu, mas aguarda ratificação pelo Congresso Nacional.
Outra demonstração de que o tema ainda é tratado como tabu por muitos países foi a recente negociação da Resolução sobre Metas Voluntárias em Direitos Humanos, capitaneada pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A aprovação do texto, importante vitória de nosso país e do Mercosul, foi condicionada à retirada da meta de estabelecimento de uma moratória das execuções com vistas a abolir a pena de morte. No Brasil, acaba de ocorrer mais um episódio chocante de violência policial, em que três jovens de Guarulhos (SP), condenados por homicídio após terem confessado sob torturas, foram libertados pela Justiça quando nova investigação apontou outra autoria.
A pena de morte poderia ter custado a execução de inocentes. E nenhum remorso de juiz ou ministro traria de volta as vidas ceifadas. Na trilha de Beccaria e do mestre Alceu Amoroso Lima, Bobbio defende que a pena de morte deve ser repelida por imperativos éticos e jurídicos. Partindo da concepção preventiva de pena, cuja função seria desencorajar um mal à sociedade, o argumento utilitarista é que não há demonstração de que a pena capital seja mais útil do que outras punições severas.
A severidade intimida menos do que a certeza da punição. Contra a concepção que defende a pena como retribuição equivalente ao mal cometido -o olho por olho, dente por dente, do Talião-, Bobbio evoca o imperativo moral "não matarás" para sustentar que a sociedade não deve se igualar ao crime praticado, já que o Estado nunca pode ser colocado no mesmo plano que o indivíduo.
O Estado detém o monopólio legítimo da força, como conceituou Weber, e possui amplo aparelho de Justiça como mediador de sua defesa. Assim, não podendo ser considerada legítima defesa, a pena de morte seria antes um homicídio legalizado e premeditado pela comunidade cidadã, mais deplorável do que o homicídio praticado pelo indivíduo. Não menos importante, há o argumento da irreversibilidade da pena capital ante o risco sempre presente da falibilidade da Justiça, como no recente episódio com os três jovens de Guarulhos, dando força ao mestre Alceu quando defende que, se em alguma hipótese a pena de morte fosse justificável, teria de ser decretada por um tribunal infalível.
Por último, o Estado que decreta a morte, seja qual for a circunstância, jamais levará a sociedade a conceber a vida como bem supremo, que nenhum ser humano está autorizado a eliminar, nem sozinho, nem como ator de um tribunal.
PAULO VANNUCHI , 58, é ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
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