sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Mais sobre o pacto de imigração europeu

O jornal Estado de São Paulo publica no dia 17 de outubro matéria sobre o pacto de imigração feito pela União Européia (já noticiado aqui na última quarta-feira).


Nova lei ameaça imigrantes ilegais

Andrei Netto, Bruxelas

Com política seletiva, União Européia fecha o cerco contra clandestinos e tenta atrair apenas trabalhadores qualificados
A União Européia deu mais um passo para a implementação de sua polêmica política de "imigração seletiva", tema de interesse direto dos países latino-americanos. Em Bruxelas, líderes dos 27 países membros aprovaram ontem o Pacto Europeu de Imigração e Asilo, um instrumento que na prática se traduzirá no aumento do rigor contra imigrantes clandestinos e, ao mesmo tempo, na atração de trabalhadores altamente qualificados para a Europa. Na Espanha, latino-americanos formam 50% do contingente de novos imigrantes todo ano.
Em entrevista coletiva, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ressaltou que "o pacto foi aprovado de forma unânime", dizendo-se satisfeito porque seu governo havia feito todos os esforços pela aprovação. Na declaração conjunta publicada após a assinatura do acordo, os líderes políticos afirmam que "o Pacto de Imigração espelha o compromisso da UE e seus Estados de levar a cabo uma política de imigração justa, eficaz e coerente com os desafios e oportunidades que representam as migrações".
Controvertido, o documento havia sido alvo de intensos debates, em especial entre os governos da França e da Espanha, ao longo dos últimos meses. Em linhas gerais, o pacto estabelece a imigração seletiva, ou seja, a atração de imigrantes qualificados ou que atuem em profissões nas quais há carência de mão-de-obra na Europa. Ele cria ainda o "cartão azul", visto temporário com duração prolongada que terá como critério a renda do candidato a imigrante em seu país de origem.
O pacto reforça ainda a luta contra clandestinos e o controle de fronteiras, estipula a exigência de visto biométrico - com fotografia e impressões digitais - a partir de 2012, endurece os critérios para reagrupamento familiar (uma das principais fontes de imigração no continente) e veta a regularização maciça por um país membro, como a realizada na Espanha no início da década. A nova legislação também encoraja partidas voluntárias de imigrantes ao seu país de origem, autoriza a expulsão de menores de idade e prolonga o tempo de detenção de ilegais para até 18 meses.
O Comitê Europeu pelos Refugiados e Exilados, uma confederação de 60 ONGs internacionais, denunciou a lei como "um muro construído pela União Européia". Outras associações de defesa dos direitos humanos também acusaram a Europa de oportunismo ao adotar a imigração seletiva.

POPULAÇÃO CRESCENTE
As restrições à imigração são um tema delicado na Europa em razão do grande número de estrangeiros que chegam ao bloco todo ano. Na Alemanha, eles já são 8,9% da população economicamente ativa, e 6,6% na Espanha.
O tema também interessa cada vez mais a América Latina. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 725 mil latino-americanos, em sua maioria jovens em idade de trabalho, vivem na Espanha. Outros 220 mil residem na Itália. Na França, eles seriam 85 mil; em Portugal, 67 mil.
Em razão do fluxo contínuo de imigrantes, o pacto causa protesto de autoridades latino-americanas, entre elas o do governo brasileiro. Em declarações públicas sobre o assunto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu a medida como "xenófoba". "O outro lado do oceano desencadeia odiosa perseguição aos latino-americanos, muitas vezes cercada de conteúdos racistas", disse Lula. Hugo Chávez, presidente da Venezuela, ameaçou cortar seu fornecimento de petróleo para a Europa, que representa 0,95% do consumo do Velho Continente.
Preocupado com a recepção da nova lei, o Fórum de Biarritz - instância de discussão e análise política entre os dois continentes - discutirá nos dias 3 e 4 a influência do pacto sobre as relações entre a Europa e a América Latina. São esperados presidentes e ex-presidentes de vários países das Américas, que debaterão o tema com o primeiro-ministro francês, François Fillon.

O PACTO
Imigração legal - Os países da UE poderão aplicar uma política de imigração de profissionais, levando em consideração as necessidades de seu mercado de trabalho
Imigração ilegal - Os Estados devem reforçar a cooperação com os países de origem e de trânsito para combater a imigração irregular. Os ilegais devem abandonar o território da UE
Controle nas fronteiras - Os membros do bloco devem dar à Agência Européia de Fronteiras (Frontex) meios para exercer plenamente sua função de controle
Asilo - Os refugiados serão cada vez mais obrigados a pedir o status de asilado estando fora do território da UE
Países de origem - O Conselho Europeu se compromete a apoiar o desenvolvimento de países de origem e de trânsito de imigrantes.

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