segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Aumento do racismo na Itália

Posta-se abaixo matéria do jornal O Globo do dia 26 de outubro de 2008, sobre o racismo na Itália.


Itália preocupada com o aumento do racismo

Presidente faz apelo a que instituições trabalhem juntas para conter a onda de ataques contra imigrantes

ROMA. Nos últimos dois meses, a mídia italiana e internacional assinala que o racismo está se transformando - na opinião de muitos analistas italianos e das organizações de defesa dos direitos humanos - num sério problema social na Itália.

Essa preocupação é partilhada pelo presidente da República, Giorgio Napolitano. No encontro oficial que teve com o Papa Bento XVI no Palácio do Quirinale, em Roma, no início do mês, o presidente lançou um apelo à Igreja e ao Estado para que trabalhem juntos contra essa onda de racismo. Napolitano citou um recente discurso papal que falava de "novos sinais preocupantes" de aumento de tensões sociais na Itália.

Ataques violentos nos últimos meses

Não passa dia sem que jornais e revistas relatem novos episódios de intolerância e ataques de cunho racista. No mês passado, seis operários africanos foram mortos a tiros na cidade de Castel Volturno, perto de Nápoles, por capangas da Camorra, a máfia napolitana. Em outubro, a onda de xenofobia aumentou. Um rapaz de 19 anos, Abdul William Guibre, de origem africana com cidadania italiana, foi assassinado a pauladas pelos donos de um bar de Milão porque roubara um pacote de biscoitos. Poucos dias depois, Emmanuel Bonsu Foster, 22 anos, nascido em Gana, foi espancado na delegacia da polícia municipal de Parma, durante uma operação antidroga. Emmanuel, que quase perdeu um olho, era inocente. Na mesma semana, uma somali de 51 anos, que vinha de Londres com seus dois netinhos, foi presa no aeroporto de Ciampino em Roma, suspeita de tráfico de crianças. Amina Sheikh passou quatro horas nua numa sala da delegacia, enquanto os guardas a ameaçavam e zombavam dela.

Esses casos chegaram às primeiras páginas dos jornais, mas, diariamente, em várias cidades italianas se registram episódios de racismo corriqueiro. Como a menina marroquina atacada num ônibus em Varese por um grupo de jovens locais, que pretendiam que ela se levantasse e deixasse o assento para os italianos. Para não falar dos resmungos e pequenos atos de humilhação que os estrangeiros de cor sofrem no cotidiano em lojas, bares, meios de transporte e repartições públicas.

O governo conservador liderado por Silvio Berlusconi procura minimizar a situação. O ministro do Interior, Roberto Maroni, garante que "são só episódios isolados, não há racismo no país". Maroni é um dos principais dirigentes da Liga do Norte, partido xenófobo cujo líder, o também ministro Umberto Bossi, chegou a propor que os barcos apinhados de imigrantes ilegais e desesperados que chegam aos portos italianos sejam rechaçados por canhões.

As primeiras vítimas da onda de racismo que vem se alimentando desde a vitória da direita nas eleições de abril passado - e da política de "tolerância zero" adotada pelo governo Berlusconi - foram os ciganos. Semana passada, o ministro Maroni apresentou os resultados do recenseamento dos ciganos, promovido pelo governo em Roma, Milão e Nápoles. Segundo Maroni, 12 mil ciganos, principalmente de origem romena, abandonaram a Itália desde junho, rumo a Espanha, França e Suíça. Maroni apresentou esses dados com satisfação, frisando que a fuga dos ciganos é um efeito importante da iniciativa do censo. Várias ONGs, o Parlamento Europeu e a Igreja Católica denunciaram nos últimos meses a perseguição dos ciganos promovida pelo governo italiano.




A oposição a Berlusconi realizou ontem, em Roma, sua primeira grande manifestação contra o governo. O comício, que reuniu dezenas de milhares de pessoas, foi liderado pelo líder do Partido Democrata, Walter Veltroni, que acusou o governo de estar pendendo para a extrema-direita.

- A Itália, senhor Berlusconi, é um país antifascista - disse Veltroni. - A Itália não é um país xenófobo nem racista.




O comício também serviu para a oposição rechaçar uma proposta recentemente aprovada pelo Parlamento, comandado pela direita. A última moção proposta pela Liga do Norte e aprovada pela maioria direitista prevê a instituição das chamadas "classes-ponte", em que os alunos estrangeiros das escolas públicas do ensino fundamental e do ensino médio serão concentrados para não atrapalhar os estudos das crianças italianas. Segundo a "Famiglia Cristiana", principal revista católica da Itália, a moção aprovada pelo Parlamento é racista, e as "classes-ponte" vão se transformar em guetos. As classes especiais, por enquanto, são somente uma declaração de princípios - ninguém (nem os próprios deputados da Liga) ainda sabe como é que vão funcionar e quem vai trabalhar nelas, visto que a ministra da Educação propôs semana passada o corte de 86 mil empregos nas escolas públicas do país.

Quase metade dos italianos tem medo dos imigrantes

A opinião pública parece aprovar as decisões e iniciativas do governo conservador. Numa sociedade cada vez mais multirracial, os italianos se declaram assustados com a presença crescente de imigrantes de povos, línguas, culturas e religiões diferentes. Numa pesquisa sobre os medos e angústias dos cidadãos, ficou claro que 49% dos italianos entre 18 e 64 anos têm medo dos imigrantes.

Outra pesquisa revela um resultado contraditório: 91% dos italianos votariam no americano Barack Obama - negro e filho de um queniano - para presidente. Mas se Obama viesse passear com a sua família na Itália, como um turista qualquer, certamente correria perigo.

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