sábado, 11 de outubro de 2008

Justiça de Transição - Enquanto isso na Argentina...

Postamos matéria publicada no jornal O Globo, sobre a prisão do ex-ditador argentino, Jorge Rafael Videla. Vemos que, enquanto na Argentina aqueles que cometeram crimes de lesa humanidade (portanto imprescritíveis) estão sendo condenados penalmente, no Brasil há uma postura, calcada na chamada Lei de Anistia, de total esquecimento do passado. Certas manifestações em sentido contrário, ainda que geralmente tímidas (vide caso Ustra), ajudam a não apagar da nossa memória certas atrocidades. Entretanto, muito mais ainda deve ser feito e, para isso, dependemos de nossa Corte Maior. Devemos ficar de olho na ADPF que será ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, no sentido de rever a eficácia da sobredita lei, embora o voto do min. Marco Aurélio, no caso de extradição do militar uruguai envolvido na Operação Condor, nos evidencie que a postura do STF tem grandes chances de não ser favorável a uma justiça de transição.


Ex-ditador enfim na prisão

Janaína Figueiredo

BUENOS AIRES. Numa decisão inédita no país, o juiz argentino Norberto Oyarbide revogou ontem o benefício da prisão domiciliar (concedido a pessoas acima dos 70 anos) ao ex-ditador Jorge Rafael Videla, de 83 anos, acusado, entre outros crimes, de ser o responsável pelo seqüestro de bebês durante o último regime militar (1976-1983). Pela primeira vez desde a anulação das leis de Obediência Devida e Ponto Final (as chamadas leis do perdão), há três anos, um membro da junta militar que derrubou o governo de Maria Estela Martínez de Perón, em 24 de março de 1976, será levado para uma prisão comum. Depois de terem passado por centros de detenção na década de 80, quando foram julgados e condenados por violações dos direitos humanos durante o governo militar, todos os chefões da ditadura argentina solicitaram o privilégio da prisão domiciliar, alegando problemas de saúde e idade avançada.

Oyarbide argumentou que a Unidade Penitenciaria 34 de Campo de Maio, para onde será trasladado o ex-presidente argentino (1976-1979), conta com "o equipamento, infra-estrutura e pessoal necessário para atender qualquer emergência médica do acusado". Em sua resolução, o juiz argentino explicou que "a gravidade dos fatos pelos quais está acusado Videla resulta um obstáculo intransponível para a concessão de sua liberdade ambulatória". O texto lembra, ainda, que "até hoje não se sabe o destino dos homens e mulheres que no momento de seu nascimento foram arrancados dos braços de suas famílias originárias".

O traslado de Videla foi solicitado por várias organizações de defesa dos direitos humanos, entre elas as Mães e Avós da Praça de Maio. O ex-presidente militar, que foi condenado a prisão perpétua em meados década de 80 e indultado pelo governo do então presidente Carlos Menem (1989-1999), foi processado em 1998 pelo roubo de bebês e desde então cumpria regime de prisão domiciliar em seu apartamento da Avenida Cabildo, no bairro de Saavedra, em Buenos Aires. Videla também está envolvido no processo pelo seqüestro e assassinato dos empresários Federico e Miguel Gutheim, em 1976, e em violações dos direitos humanos cometidas na Operação Condor, o plano de ação conjunta das ditaduras do Cone Sul.

De acordo com dados do Centro de Estudos Legais e Sociais (Cels), atualmente 1.065 militares e civis argentinos estão envolvidos em processos judiciais por crimes da ditadura. Deste total, 17 já foram condenados, 345 estão com prisão preventiva decretada, 46 estão foragidos e 166 faleceram. Do total de pessoas processadas, 33% estão em prisões comuns, 24% em unidades penitenciárias militares, 30% obtiveram o benefício da prisão domiciliar, e 3% estão no exterior. O Cels não tem informações sobre os 10% restantes.

Um comentário:

Prof. Ribas disse...

É importante a postagem de Renan Cardoso a respeito da Justiça de Transição na Argentina. Embora os govêrnos Alfonsin e Menen acabaram sendo retrocessos na luta pela punição dos responsáveis pela barbarie ocorrida na Argentina a partir da ditadura de 1976 ao dar "perdão" aos praticantes de crimes contra os Direitos Humanos, a pressão sociedade civil argentina foi capaz de retomar a Justiça de Transição. É com muita resistência que nós damos os primeiros passos nesse sentido exemplificado no Caso Ustra. Numa outra notícia postada nesse blog, percebemos como a impunidade ocorrida em relação aos crimes de violação de Direitos Humanos por parte do regime militar de 64 cria uma cultura como é essa do presídio Urso Branco em Rondônia. Assim, não só os Ministérios Públicos (o pedido de intervenção federal em Rondônia) como a sociedade civil tendo como ponto de apoio a universidade devem estar articulados para a concretização intransigente dos Direitos Humanos entre nós. Esse é um dos objetivos desse blog com expressão do trabalho desenvolvido pela universidade brasileira.