Posta-se matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo do dia 16/10/2008, cuja leitura é importante para que se perceba a dificuldade prática, encontrada pelos direitos humanos, de aliar universalismo e respeito às diversas culturas.
Islâmicos querem impedir entidade do Brasil de defender gays na ONU
Jamil Chade e Simone Iwasso
Com apoio de EUA e Vaticano, bloco liderado por Irã, Egito, Líbia e Argélia diz que homossexualismo não é direito
Uma proposta feita pelo Brasil de permitir que a orientação sexual seja tratada em fóruns das Nações Unidas está gerando polêmica e protesto de países islâmicos. O Brasil tentou inscrever uma organização não-governamental de defesa dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais na ONU para que a entidade possa participar dos debates sobre discriminação, racismo e intolerância. Mas Irã, Egito, Líbia e Argélia lideraram os países islâmicos para tentar impedir a inscrição da ONG.
“O que vocês (brasileiros) chamam de direito, em nossos países é crime e punido duramente. Essa é uma questão religiosa”, afirmou na ONU um diplomata do Irã, que pediu para não ser identificado. Marcia Adorno, chefe da divisão de Direitos Humanos do Itamaraty, confirma que o problema existe e que o Brasil tenta negociar uma saída. “Já esperávamos que haveria resistência. Mas vamos tentar chegar a um acordo.”
Uma das soluções seria a organização, a ABGLT , ser inscrita, mas não falar do assunto dos direitos de gays e lésbicas, o que a entidade rejeita. Existem cinco organizações que trabalham com a defesa dos direitos homossexuais inscritas na ONU - são da Alemanha, Canadá e Holanda.
O principal temor dos países islâmicos é que o tema entre nos debates da conferência sobre racismo e discriminação que ocorrerá na Suíça em 2009. Eles preferem que o encontro se transforme em uma declaração forte contra a blasfêmia, alegando que muçulmanos em todo o mundo ocidental estão sendo atacados por sua religião.
Para a delegação do Irã, não há o que discutir. “Isso é um tema religioso para nós. Não é natural do ser humano essa opção. Quem pratica isso é punido severamente em nossos países. O Corão (o livro sagrado do islamismo) não prevê essa opção”, disse o negociador iraniano. Em nenhum momento da entrevista concedida ao Estado o representante de Teerã mencionou o termo homossexualismo ou gays.
Hoje, 86 países criminalizam a homossexualidade, 7 deles punindo-a com pena de morte. Na ONU, além do apoio dos Estados Unidos - para barrar a inclusão das entidades em defesa dos direitos homossexuais -, esses países têm a colaboração do Vaticano, que mesmo sem direito a voto por não fazer parte do órgão, mantém um delegado em Genebra.
HISTÓRICO
A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) foi criada em 1995 e hoje é uma rede nacional de 203 organizações, sendo 141 grupos de gays, lésbicas, travestis e transexuais e mais 62 voltados aos direitos humanos e aids. É a maior rede do tipo da América Latina. “Há cinco anos começamos um trabalho na ONU para defender a retomada das discussões. Fizemos uma declaração contra a homofobia, que foi apoiada por 54 países, como França e Holanda. E vamos continuar levando a proposta de reconhecimento da entidade pela ONU”, diz Beto de Jesus, secretário para America Latina e Caribe da Associação Internacional de Gays e Lésbias e diretor internacional da ABGLT. “Estamos no meio do processo, enfrentando reuniões e respondendo a perguntas. Mas é difícil, porque os países islâmicos são extremamente violentos em suas posições.”
Em janeiro, na próxima reunião da ONU em que a questão será debatida, a questão pode gerar uma saia-justa para o Brasil. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou os últimos anos tentando uma aproximação com os países islâmicos e africanos. Há quatro anos, devido à pressão desses países, chegou a desistir de proposta que estava fazendo à ONU para que ninguém fosse discriminado por sua opção sexual. Os islâmicos ameaçaram não apoiar Lula se a ofensiva fosse mantida.
TRATADOS INTERNACIONAIS
Princípios de Yogyakarta (novembro de 2006): Todas as pessoas têm o direito de desfrutar de todos os direitos humanos livres de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. A lei deve proibir essas discriminações e garantir proteção igual e eficaz contra qualquer uma dessas discriminações
Resolução do Parlamento Europeu (janeiro de 2006): Condena firmemente discriminação em razão da orientação sexual; convida estados-membros a assegurarem que pessoas LGBT sejam protegidas de discursos de ódio e da violência homófoba e que parceiros do mesmo sexo gozem do mesmo respeito, dignidade e proteção.
Islâmicos querem impedir entidade do Brasil de defender gays na ONU
Jamil Chade e Simone Iwasso
Com apoio de EUA e Vaticano, bloco liderado por Irã, Egito, Líbia e Argélia diz que homossexualismo não é direito
Uma proposta feita pelo Brasil de permitir que a orientação sexual seja tratada em fóruns das Nações Unidas está gerando polêmica e protesto de países islâmicos. O Brasil tentou inscrever uma organização não-governamental de defesa dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais na ONU para que a entidade possa participar dos debates sobre discriminação, racismo e intolerância. Mas Irã, Egito, Líbia e Argélia lideraram os países islâmicos para tentar impedir a inscrição da ONG.
“O que vocês (brasileiros) chamam de direito, em nossos países é crime e punido duramente. Essa é uma questão religiosa”, afirmou na ONU um diplomata do Irã, que pediu para não ser identificado. Marcia Adorno, chefe da divisão de Direitos Humanos do Itamaraty, confirma que o problema existe e que o Brasil tenta negociar uma saída. “Já esperávamos que haveria resistência. Mas vamos tentar chegar a um acordo.”
Uma das soluções seria a organização, a ABGLT , ser inscrita, mas não falar do assunto dos direitos de gays e lésbicas, o que a entidade rejeita. Existem cinco organizações que trabalham com a defesa dos direitos homossexuais inscritas na ONU - são da Alemanha, Canadá e Holanda.
O principal temor dos países islâmicos é que o tema entre nos debates da conferência sobre racismo e discriminação que ocorrerá na Suíça em 2009. Eles preferem que o encontro se transforme em uma declaração forte contra a blasfêmia, alegando que muçulmanos em todo o mundo ocidental estão sendo atacados por sua religião.
Para a delegação do Irã, não há o que discutir. “Isso é um tema religioso para nós. Não é natural do ser humano essa opção. Quem pratica isso é punido severamente em nossos países. O Corão (o livro sagrado do islamismo) não prevê essa opção”, disse o negociador iraniano. Em nenhum momento da entrevista concedida ao Estado o representante de Teerã mencionou o termo homossexualismo ou gays.
Hoje, 86 países criminalizam a homossexualidade, 7 deles punindo-a com pena de morte. Na ONU, além do apoio dos Estados Unidos - para barrar a inclusão das entidades em defesa dos direitos homossexuais -, esses países têm a colaboração do Vaticano, que mesmo sem direito a voto por não fazer parte do órgão, mantém um delegado em Genebra.
HISTÓRICO
A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) foi criada em 1995 e hoje é uma rede nacional de 203 organizações, sendo 141 grupos de gays, lésbicas, travestis e transexuais e mais 62 voltados aos direitos humanos e aids. É a maior rede do tipo da América Latina. “Há cinco anos começamos um trabalho na ONU para defender a retomada das discussões. Fizemos uma declaração contra a homofobia, que foi apoiada por 54 países, como França e Holanda. E vamos continuar levando a proposta de reconhecimento da entidade pela ONU”, diz Beto de Jesus, secretário para America Latina e Caribe da Associação Internacional de Gays e Lésbias e diretor internacional da ABGLT. “Estamos no meio do processo, enfrentando reuniões e respondendo a perguntas. Mas é difícil, porque os países islâmicos são extremamente violentos em suas posições.”
Em janeiro, na próxima reunião da ONU em que a questão será debatida, a questão pode gerar uma saia-justa para o Brasil. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou os últimos anos tentando uma aproximação com os países islâmicos e africanos. Há quatro anos, devido à pressão desses países, chegou a desistir de proposta que estava fazendo à ONU para que ninguém fosse discriminado por sua opção sexual. Os islâmicos ameaçaram não apoiar Lula se a ofensiva fosse mantida.
TRATADOS INTERNACIONAIS
Princípios de Yogyakarta (novembro de 2006): Todas as pessoas têm o direito de desfrutar de todos os direitos humanos livres de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. A lei deve proibir essas discriminações e garantir proteção igual e eficaz contra qualquer uma dessas discriminações
Resolução do Parlamento Europeu (janeiro de 2006): Condena firmemente discriminação em razão da orientação sexual; convida estados-membros a assegurarem que pessoas LGBT sejam protegidas de discursos de ódio e da violência homófoba e que parceiros do mesmo sexo gozem do mesmo respeito, dignidade e proteção.
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