O Globo
11/09/2009
Americanos listam 11 setores com crianças trabalhando no Brasil. Governo teme viés comercial
Gustavo Paul e Cássia Almeida BRASÍLIA e RIO
No Brasil, há trabalho infantil e/ou forçado em 13 setores da economia, como criação de gado, cana-de-açúcar e algodão, afirmou relatório divulgado ontem pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Há crianças brasileiras trabalhando em 11 diferentes atividades econômicas. O documento lista 122 produtos, oriundos de 58 países, em situação de trabalho infantil ou análogo à escravidão, com o objetivo de “conscientizar consumidores e empresas americanos” para não comprarem esses itens.
Em número de ocorrências, o Brasil está empatado em terceiro lugar com Bangladesh, depois de Índia, com 19, e Mianmar, com 14.
O relatório ressalta que o número de ocorrências não significa que esses países estejam em pior situação, e sim que admitem o problema e permitem a divulgação desses dados. São citados como países mais transparentes Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Índia, México, Quênia, Tanzânia, Turquia e Uganda.
O Brasil recebeu elogios por seu combate ao problema, o que também foi ressaltado pelo cientista político Leonardo Sakamoto, da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ele lembrou a transparência no governo sobre o trabalho forçado no Brasil — de 1995 a 2009, 35 mil pessoas foram libertadas no país.
— No Brasil, há muito mais casos reportados do que pela ditadura chinesa, por exemplo. Aqui a imprensa é livre, e essas questões são mais visíveis.
E temos uma economia mais diversificada, com mais atividades — disse Sakamoto, que criticou o fato de os EUA não estarem no relatório. — Há trabalho escravo no mundo inteiro.
O relatório, porém, admite haver trabalho infantil e forçado nos EUA, lembrando que cinco fazendas de mirtilo foram processadas este ano por uso de crianças na lavoura.
Mas o governo brasileiro mostrou indignação. Para o Ministério das Relações Exteriores, faltam transparência e confiabilidade ao documento, que pode servir de pretexto para medidas protecionistas contra os países citados. “O Brasil não reconhece a legitimidade de relatórios sobre direitos humanos produzidos unilateralmente por terceiros países, cujas fontes e critérios de elaboração não possuem transparência (...). O Brasil tampouco concorda com a vinculação entre padrões trabalhistas e questões comerciais, dada a possibilidade de que tal procedimento seja usado com fins protecionistas”, afirmou o Itamaraty em nota.
O Ministério das Relações Exteriores disse ainda que, ao contrário dos EUA, o Brasil ratificou as convenções internacionais sobre o combate ao trabalho forçado e infantil.
Empresários brasileiros ouvidos pelo GLOBO vão na mesma linha: a lista seria uma forma de criar barreiras aos produtos nacionais e uma resposta às decisões do país de impor sanções aos americanos. O Brasil foi autorizado, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a retaliar os EUA em cerca de US$ 800 milhões, devido a subsídios ilegais aos produtores de algodão
Empresários falam em ‘golpe baixo
Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Rodrigues da Cunha, isso já era esperado: — São barreiras não tarifárias e um golpe baixo dos americanos. Isso é conversa fiada — disse Cunha.
A Associação Brasileira de Calçados (Abicalçados) teve a mesma reação. O vice-presidente da entidade, Elcio Jacometti, presidente do Instituto PróCriança, desafiou os americanos a apresentarem provas. Ele afirmou que a produção brasileira de calçados é auditada pela embaixada americana e referendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica) admitiu que podem ocorrer casos eventuais de trabalho infantil no setor, mas reclamou da generalização.
O professor do Instituto de Economia da UFRJ José Roberto Novaes ressaltou que, devido à inovação tecnológica e às mudanças na organização do trabalho, que levam a jornadas muito exaustivas, as crianças deixaram a lavoura de cana-de-açúcar, mas ainda há muita exploração. E acrescentou que políticas como o Bolsa Família tendem a reduzir o problema.
No Brasil, em 2007, segundo o IBGE, havia 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando.
Em 2006, eram 5,1 milhões.
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