segunda-feira, 21 de setembro de 2009

'Chávez tem uma queixa legítima contra EUA' - Entrevista

O Globo

21/09/2009

Ricardo Ávila

Ex-presidente admite que o governo americano tinha conhecimento do golpe de Estado na Venezuela em 2002

ATLANTA, Geórgia. Perto de completar 85 anos, James Earl Carter, ou Jimmy Carter, continua gerando manchetes na imprensa. Presidente dos Estados Unidos entre 1977 e 1981, Prêmio Nobel da Paz em 2002, este ex-governador de seu estado natal (Geórgia) e antigo plantador de amendoim mantém um ritmo de atividades de causar inveja aos mais jovens. Por meio do Centro Carter, com sede em Atlanta, ele promove iniciativas dirigidas à defesa dos direitos humanos e ao entendimento entre diferentes povos e nações. Nesta entrevista ao jornal colombiano "El Tiempo", ele analisa a situação do Brasil, da Venezuela e dos EUA com relação à América Latina, entre outros temas.

Ricardo Ávila

Por que o senhor continua acompanhando de perto os assuntos da América Latina?

JIMMY CARTER: A motivação começou na época em que fui governador e tive que viajar pela América Latina para promover o comércio com o meu estado, a Geórgia. Quando assumi a Presidência, a situação era preocupante, pois a maioria dos países vizinhos, particularmente na América do Sul, era comandada por ditaduras. Desde então, assumi um compromisso com a causa dos direitos humanos no mundo todo e, por isso, comecei a ter conflitos sobre o tema com meus predecessores na Casa Branca e com a comunidade financeira.

Concorda com a afirmação de que as tensões na região aumentaram recentemente?

CARTER: Acho que sim. Na época em que eu era presidente, houve um sério confronto entre Chile e Argentina devido às fronteiras, enquanto a Bolívia defendia o direito a uma saída para o mar. As tensões são antigas. Mas acho que as tensões internas estão mais evidentes agora. É preciso registrar que pessoas antes excluídas conseguiram um nível crescente de influência e autoridade, graças às eleições. Isso ocorreu no Brasil, por exemplo, onde grupos que antes tinham papel menor na estrutura política agora estão na vanguarda.

O que pensa do presidente venezuelano, Hugo Chávez?

CARTER: Eu o conheço bem. O Centro Carter esteve envolvido em quatro ou cinco eleições na Venezuela, algumas delas complicadas. Mas afirmo que cada resultado eleitoral foi basicamente compatível com a vontade do povo venezuelano. Chávez saiu na frente numa eleição honesta, com quase 62% dos votos. Dito isso, acho que sua popularidade no país caiu e que sua influência sobre outros países também decresceu. Chávez conseguiu uma transformação que era necessária na Venezuela, ao deixar que os excluídos tivessem uma participação mais igualitária na riqueza nacional. Mas, agora que os recursos do petróleo diminuíram, estou preocupado com sua tendência de concentrar todo o poder político, em vez de contar com um Judiciário independente e com órgãos autônomos em sua administração, que controla o Poder Legislativo. Pessoalmente, me decepcionei ao vê-lo se afastar do que considero uma oportunidade justa e honesta, que foi o resultado de eleições legítimas, para uma dominação crescente de sua parte, que o levou a ter um governo mais autoritário.

O que acha das críticas de Chávez aos EUA?


CARTER: Não há dúvidas de que, em 2002, os EUA tinham conhecimento ou estiveram envolvidos diretamente no golpe que o derrubou. De forma que ele tem uma queixa legítima contra o governo americano. Agora temos outro presidente e Chávez também mudou. Creio que tanto a Venezuela e Chávez, como as relações internacionais, ficariam melhores se seus ataques contra os EUA, agora fortuitos e injustificados, parassem.

Qual sua opinião sobre o uso de bases aéreas colombianas por militares americanos?

CARTER: Começou mal, com críticas de todos os lados. Antes de anunciá-la publicamente, o presidente Álvaro Uribe deveria ter explicado que não haveria aumento nas forças militares dos EUA e que o propósito seria restrito à luta contra as drogas. É natural, devido à ampla história de intervenções americanas na região, supor que este seria um assunto polêmico.

Mas a ideia é boa ou má?

CARTER: Não sei. Nunca me explicaram bem nem o propósito nem os detalhes do acordo.

Como vê o relevante papel do Brasil na América Latina?

CARTER: É gratificante que o Brasil exerça uma influência maior, que é legítima. É uma grande nação, dedicada à liberdade e à democracia, com um compromisso com os direitos humanos, e que está capitalizando suas possibilidades econômicas. Fico feliz em ver que na próxima reunião do G-20 o Brasil estará ali, junto com outras nações importantes do mundo.

Como vê a situação dos direitos humanos na região?

CARTER: Sempre me preocupei com o assunto, em qualquer parte do mundo. Mesmo nos EUA, nos últimos oito anos, durante o governo Bush, com a tortura de prisioneiros e a violação dos direitos civis, além do mal que fez a acordos internacionais sobre o tema. Quando vejo algum tipo de violação em outras nações, sempre me inquieto.

Há críticas crescentes à política dos EUA na América Latina. O senhor conversa sobre o assunto com Barack Obama?

CARTER: Não foi dada a devida atenção à região no governo passado nem é dada no atual, sobretudo quanto às oportunidades que os EUA têm de desempenhar um papel igualitário e de respeito mútuo. Um dos caminhos seria aumentar nossa participação na OEA.

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