Folha de S. Paulo
01/09/2009
Andrea Murta, da redação
Cobiça por recursos de seu país ajudou Gaddafi a deixar de ser pária internacional
Ao celebrar, hoje, os 40 anos do golpe que o levou ao poder na Líbia, Muammar Gaddafi, 67, poderá se vangloriar de ter passado de "cachorro louco", como fora apelidado pelo presidente americano Ronald Reagan na década de 80, a ditador cortejado por potências mundiais, ávidas pelos recursos energéticos que abundam no território e pelo poder de investimento de um fundo soberano avaliado em US$ 70 bilhões.
Apenas neste ano, Gaddafi acumula um pedido de desculpas da Suíça -cujo governo não suportou as retaliações comerciais sofridas por prender o filho do ditador, que havia espancado um empregado em Genebra-, uma oferta de US$ 5 bilhões da Itália como compensação pelo período colonial e a libertação pela Escócia do ex-agente de inteligência Abdel Basset al Megrahi, único condenado pelo atentado de Lockerbie de 1988, no qual 270 pessoas morreram.
Mas os sucessos internacionais não escondem a realidade de um país governado com punhos de ferro, onde toda oposição é brutalmente esmagada e uma abertura democrática segue invisível no horizonte.
A retirada do país da condição de pária começou no final dos anos 1990, quando Gaddafi, antigo patrocinador de movimentos radicais como o IRA, concordou em enviar Megrahi e outro suspeito pelo atentado de Lockerbie para julgamento na Holanda. Mais tarde, o governo líbio assumiu responsabilidade pelo ocorrido e indenizou as famílias das vítimas.
O processo se acelerou após o 11 de Setembro, quando Gaddafi ficou ao lado dos EUA na "guerra ao terror" do ex-presidente George W. Bush (2001-2009). Ele concordou em se livrar de seu programa nuclear e foi usado por Bush como exemplo de que sua estratégia internacional poderia dar certo.
"Estávamos todos esperando que os EUA, especialmente, tentariam algum tipo de troca pelo retorno do país ao palco internacional, exigindo mais direitos humanos e boa governança. Mas não houve nada", afirmou à Folha Yahia Zoubir, analista internacional especialista em norte da África.
"Os países desenvolvidos veem um mercado gigantesco, onde há muito a ser feito em infraestrutura. O petróleo local é um dos melhores do mundo em termos de custo-benefício, e há muito gás natural disponível. Tudo isso patrocina uma "realpolitik'", diz Zoubir.
Não se nega que o sistema de Estado que Gaddafi impôs no país, que mistura socialismo e islã, garantiu educação, saúde e moradia populares. Mas os salários continuam muito baixos, e o governo ainda é o principal provedor de empregos.
Para Ali Ahmida, diretor de ciência política da Universidade da Nova Inglaterra (nos EUA), "se não fosse pelo petróleo, a Líbia seria a Cuba da África". "Instituições públicas estão terrivelmente decadentes, a população viveu em isolamento por muito tempo, e há um medo muito grande de permitir qualquer debate real."
Os governos podem se dobrar a interesses econômicos, mas ainda têm de lidar com uma opinião pública contrária a Gaddafi. Os EUA estão enfrentando dificuldades para achar um local onde hospedar o ditador durante a Assembleia Geral da ONU, neste mês.
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