sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Desenvolver com soberania

Jornal do Brasil

11/09/2009

Mauro Santayana
Os fatos ocorridos nas últimas horas devem convocar os sentimentos de patriotismo das elites brasileiras, se é que elas ainda os têm. Tivemos, no julgamento do caso Battisti, a inusitada ingerência do governo italiano. Contraria o bom senso que um governo estrangeiro se dirija diretamente ao Poder Judiciário de outro país, em busca da extradição de um cidadão seu. Ao fazê-lo, o governo que assim age desconhece o seu interlocutor natural e, mais ainda, contesta sua autoridade institucional. Desde que se inventou a diplomacia, os chefes de Estado se entendem entre eles, mediante embaixadores e enviados credenciados. Só eles representam suas nações, com todas as instituições que integram os Estados. Mas estamos vivendo um tempo em que todas as estruturas políticas desmoronam. É o tempo do vale-tudo, o tempo do deboche. É o tempo em que o primeiro-ministro da Itália é acusado de promover festas estimuladas com narcóticos, e apregoa a sua virilidade como se tratasse de uma virtude de estadista. Mais ainda, considera-se o mais importante chefe de governo italiano desde o Risorgimento. Equipara-se, assim, a Cavour, o grande ministro da unificação política da península, quando não passa de uma contrafacção de Mussolini - um Mussolini sem Mosca, sem Pareto, sem Marx.

Não é apenas a Itália que arrosta a nossa soberania. É provável que a compra de aviões franceses não seja a melhor opção estratégica e tática para equipar a Força Aérea, mas não cabe ao governo norte-americano manifestar seu desagrado - se é que as informações da imprensa procedem. Quando os norte-americanos decidiram lutar pela sua independência, recorreram às armas e à experiência de combate dos franceses. Sem o concurso de La Fayette, a vitória sobre os ingleses - que viria mais cedo ou mais tarde - não teria sido como foi. Se realizarmos o negócio com Paris, estaremos exercendo o mesmo direito de escolha que exerceram os americanos que, além de armas, receberam recursos de Luís XVI. A França, em permanente guarda contra Londres, agia conforme seu interesse geopolítico, o de enfraquecer o eventual adversário. É assim - e dessa forma se faz a História - que agem as nações.

Informa-se também que o embaixador norte-americano pediu explicações ao Itamaraty sobre a tese do físico Dalton Girão e a possibilidade de que o Brasil venha a produzir um artefato nuclear. Cabe ao governo norte-americano, se tem tais suspeitas, dirigir-se ao organismo internacional, submetido à ONU, encarregado de fiscalizar o eu cumprimento do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que firmamos, em momento de descuido de nosso brio, e de fraqueza diante da pressão de Washington.

Há o deliberado propósito de testar a resistência do Brasil, no momento em que as circunstâncias nos empurram para novo salto histórico. Entendem os competidores internacionais que, se não tolherem agora o nosso caminhar, dentro de mais alguns anos estaremos com posição consolidada no mundo, e seus esforços serão tardios. As coincidências costumam ser suspeitas. A descoberta das novas jazidas de petróleo excita o ânimo neocolonialista. A cobiça sobre os depósitos do profundo subsolo marinho não visa só os resultados econômicos da exploração. Ela se associa ao quadro geopolítico do continente. Se o óleo for explorado sob o controle direto do Estado, os recursos obtidos da lavra e do refino poderão financiar o desenvolvimento do país como um todo e, assim, garantir o exercício de sua autonomia.

É momento de menosprezar as rivalidades menores, de conduzir o debate político sob regras civilizadas, de encontrar projeto comum a todas as correntes políticas - e esse projeto só pode ser o da soberania nacional. Em 1955, diante do vazio que a morte de Vargas deixara - ele que ocupara, nos 25 anos anteriores, o imaginário nacional- todos os candidatos à sua sucessão, acompanhando Juscelino, decidiram defender o desenvolvimento econômico como o programa prioritário para o Brasil e o meio de dar ao povo uma nova esperança. Juscelino chegou à vitória, entre outras razões, porque podia exibir, como garantia de seu projeto, o governo desenvolvimentista que realizara em Minas.

Já que lembramos o mineiro, cujo aniversário de nascimento comemoraremos amanhã, o binômio que nos serve hoje é o de "desenvolvimento e soberania".

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