sábado, 12 de setembro de 2009

Os de fora chegando

O Globo

12/09/2009

Zuenir Ventura

Um dos principais efeitos da globalização nesta primeira década do milênio é a necessidade de redefinição do que seja centro e periferia, que cada vez mais se confundem. Quais são os limites desses espaços na política, nas artes, no comportamento e na moda? Nesse mundo “glocal” — ao mesmo tempo global e local — nestes tempos de aceleração do conhecimento e de intercâmbios além das fronteiras geográficas, o que é uma e outra coisa atualmente? Para discutir esse fenômeno e suas repercussões culturais no Brasil, o curador do Café Literário, Ítalo Moriconi, organizou uma mesaredonda hoje à noite na Bienal do Livro.

No plano universal, esse deslocamento ocorreu com o fim do poder bipolar EUA-URSS e a emergência de países antes periféricos como Brasil, Rússia, Índia e China — os Bric — impondo-se política e economicamente às nações antes hegemônicas. Assim, o mais expressivo crescimento mundial dos últimos anos se verifica nessas economias, cujos países concentram 85% da população do planeta.

Um dos mais respeitados analistas políticos americanos, o indiano de nascimento Parag Khanna, já anunciou que “vem aí uma era tripolar”, feita de EUA, União Europeia e China. No seu livro “Segundo mundo”, ele defende a tese de que não haverá mais uma única superpotência, e sim muitos novos parceiros, entre os quais o Brasil. Khanna não está só nessa sua previsão de um mundo tri ou multipolar. Consultorias e bancos de investimento já especulam sobre quando a China ultrapassará os EUA, havendo quem aposte no ano de 2015.

No Brasil, a invasão do centro pela periferia ocorre há muito tempo e de várias maneiras.

Nas metrópoles, porteiros dos edifícios, empregadas domésticas, garçons de restaurantes, motoristas, babás de nossos filhos são em geral oriundos da parte de cima ou de fora da cidade. O fenômeno é também visível na área cultural. Os morros sempre foram produtores de arte, e uma das maiores festas populares do mundo, o carnaval, é organizada e realizada por seus moradores.

O que há de novo é que a periferia não quer mais que se fale por ela. Não que não tenha sido importante o que foi feito em seu nome nos anos 50 e 60, quando artistas e intelectuais procuraram “dar vez ao morro”, como Vinicius de Moraes, Tom Jobim e o pessoal do Centro Popular de Cultura e Teatro Opinião.

Mas o que ela não quer ser mais é apenas tema. Quer ser a sua própria voz.

Basta lembrar a contribuição do AfroReggae, do Nós do Morro e do MV Bill.

Além dos grupos musicais e cênicos, há também uma produção intelectual menos visível. Um dos participantes da mesa, Ecio Salles, mestre em Literatura Brasileira e autor do livro “Poesia revoltada”, sobre a cultura hiphop, é ele mesmo uma significativa ilustração. Trata-se de alguém que, vindo do subúrbio, “invadiu” a universidade com seu saber da periferia.

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