terça-feira, 1 de setembro de 2009

Império evanescente

Jornal do Brasil

01/09/2009

José Carlos de Assis, economista e professor

Alguns cientistas políticos ainda não perceberam que o império norte-americano esbarrou na única força que poderia controlá-lo: o povo norteamericano. Com base numa visão estática, o atual poderio militar dos Estados Unidos, estendido pelos quatro cantos do mundo, extrapola a visão dinâmica de um império que não tem oponente visível e como tal é indestrutível.

Se fosse verdade, seria realmente “o fim da história”.

Mas não é. Eis as razões, nos campos da economia, da geopolítica e da política.

Os Estados Unidos continuam sendo a economia dominante, mas não é mais, de forma alguma, a economia imperial (descontando a URSS) que emergiu da Segunda Guerra. Empresas norteamericanas estão entrelaçadas com empresas asiáticas e europeias, sem mencionar a América Latina, e o poder nacional norteamericano não tem como extrair dessa relação vantagens exclusivas para os Estados Unidos. A geopolítica já foi o abre-alas da geoeconomia, desde as colônias.

Não é mais. A geoconomia vai na frente.

Na atual crise, a recuperação econômica sustentada do mundo depende da recuperação norteamericana na mesma medida em que a recuperação norte-americana depende da recuperação do resto do mundo. Não existe a perspectiva de um condomínio de dominação EUA-China, em detrimento do resto do mundo, pela razão óbvia de que os interesses norte-americanos na China estão entrelaçados com os interesses do resto da Ásia e da Europa, principalmente alemães – ainda os maiores exportadores do mundo em valor absoluto.

Os grandes bancos do mundo estão entrelaçados. Nova York, Londres e Berlim comandam o sistema financeiro internacional conjuntamente, o que representa, na atual crise, um imenso desafio de regulação cooperativa: para a estabilidade mundial, é necessário regular os braços internacionais do sistema bancário e financeiro, o que não pode ser feito pelos Estados Unidos sozinhos.

É necessária a cooperação dos demais grandes paises, inclusive dos emergentes, donos de imensas reservas internacionais, como ficou claro nas duas reuniões do G-20.

Um império não coopera, manda.

Não é isso que tem feito Barack Obama. Em todos os seus pronunciamentos de caráter internacional, ele tem tido uma atitude de convocação à cooperação, inclusive nos temas mais delicados em face da política externa herdada por ele: Iraque, Irã, Coreia do Norte e Israel. A secretária Hillary Clinton acenou com uma política generosa para a África, e teve a coragem de proclamar o que todos sabemos, mas que o clã de Bush jamais admitiria: que o terrorismo só se vence com o desenvolvimento e a eliminação da miséria.

A preocupação de alguns países sul-americanos com o uso de bases colombianas pelos Estados Unidos é desproporcional. É o prolongamento de um tratado existente que nunca ameaçou vizinhos.

Ademais, serão 300 soldados, um contingente menor que a polícia de Nova Iguaçu. O governo da Colômbia enfrenta uma guerrilha de três décadas, sem sucesso, e não é a presença quase simbólica de soldados estrangeiros que vai mudar o quadro, pois essa presença vem de longe e o quadro continuou o mesmo por pelo menos uma década.

Talvez a presença norte-americana ajude o governo Uribe aentender o óbvio: o conflito com as Farc só se resolverá na base de negociações honestas. Pelo que sei, o governo brasileiro está tentando ajudar nessa direção. Isso é muito mais importante do que se incomodar com o uso das bases pelos militares dos Estados Unidos. Chávez seria a peça-chave para solucionar o conflito, mas, infelizmente, até aqui ele insiste numa retórica de confronto que a rigor não levará a nada.

Na ótica da velha geopolítica, o suposto poder imperial norte-americano está contido dentro de um triângulo: o poderio nuclear de outras nações, que torna impossível entre elas uma guerra do século 21; o poder tribal dos talibãs, que embaralha, pela assimetria, mesmo o poder militar “convencional” do século 21; e uma provável maioria do povo norte-americano, que se cansou de guerras e não consegue mais ver nelas qualquer proveito. É este povo, ou parte desse povo, que Obama representa. E ele não está ditando uma nova política. É a proposta de uma nova política, coerente com esses sentimentos do povo, que o elegeu presidente.

A ideologia da globalização serviu aos neoliberais para fazer curvar os estados nacionais aos ditames da elite financeira. Extrapolando um fato objetivo, a globalização produtiva, para uma ideologia normativa, a liberação total dos fluxos monetários e financeiros, eles conduziram o mundo capitalista à maior depressão de todos os tempos, só estancada pela intervenção pronta dos governos com grandes pacotes de estímulo monetário e fiscal. O resultado tem sido o resgate do Estado nacional como agente da regulação do capitalismo em todas as suas dimensões, da esfera financeira à esfera ambiental.

Nesse contexto, a geopolítica tornou-se matéria do passado.

Guerras continuarão existindo, mas serão guerras marginais, sem envolver diretamente as potências nucleares centrais. O conceito de Clausewitz de que a guerra é a continuação da política por outros meios cede ao conceito de que, nas relações internacionais, agora só existe espaço para a diplomacia e a política.

E quanto às 800 e tantas bases que os Estados Unidos têm espalhadas pelo mundo, ao custo de US$ 250 bilhões por ano? Não passam de um museu vivo de um império evanescente.

Presidente do Instituto Desemprego Zero

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