segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Acordo climático de Copenhague

Folha de São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009




ENTREVISTA DA 2ª - DAVID VICTOR

Acordo de Copenhague não fará diferença em emissão
Para professor da Universidade da Califórnia em San Diego, próximo tratado do clima corre o risco de cometer os mesmos erros do Protocolo de Kyoto

NUM MOMENTO em que o mundo pede pressa na negociação de um novo acordo do clima, a posição do cientista político americano David Victor parece bizarra: ele quer que os governos parem um pouco para conversar. Uns dois anos. Não é que Victor seja contra um acordo forte contra os gases-estufa. Ao contrário: o que ele quer, diz, é evitar que os diplomatas reunidos em Copenhague em dezembro produzam um acordo cheio de promessas impossíveis de cumprir.

DA REDAÇÃO

Victor diz temer um tratado que, no final das contas, não leve a uma redução significativa de emissões e ainda provoque desistências de alguns países no caminho. Um acordo assim já existe: o Protocolo de Kyoto, que tem metas pífias de redução para países desenvolvidos e que foi abandonado pelo maior poluidor do planeta, os EUA. "Estamos cometendo quase os mesmos erros que cometemos com Kyoto", afirma Victor, professor de Relações Internacionais da Universidade da Califórnia em San Diego e um dos mais célebres críticos do acordo no mundo acadêmico. Segundo o pesquisador, autor do livro "The Collapse of the Kyoto Protocol" ("O Colapso do Protocolo de Kyoto"), de 2001, a falta de negociações sérias no ano passado, a extrema complexidade do tema e o número alto de países na mesa (190) têm tudo para produzir em Copenhague um repeteco de Kyoto. "Não há chance nenhuma de que Copenhague sozinha vá produzir um acordo que fará diferença nas emissões", afirmou. "É inevitável que o mundo terá um aquecimento muito grande, mesmo que os governos resolvam levar o problema a sério." Na semana passada, em artigo na revista científica "Nature", Victor propôs que Copenhague produza um acordo provisório e que os principais países poluidores, entre os quais o Brasil, comecem a sério a discutir políticas de redução. Em entrevista à Folha, ele explica sua ideia. (CLAUDIO ANGELO)






FOLHA - Há um grau de interesse público enorme na conferência de Copenhague. Por quê?
DAVID G. VICTOR - Eu acho que virou um grande assunto porque é o próximo grande marco na discussão de clima. O último grande marco foi Kyoto, e Copenhague é a extensão lógica de Kyoto, porque é a data-limite para o tratado substituto. Então é por isso que muitas pessoas começaram a acompanhar o assunto. E muitas empresas também, porque isto se tornou uma grande questão para a maneira como elas operam.

FOLHA - Será que, por causa desse interesse das empresas, o combate à mudança climática não aconteceria mesmo sem um acordo?
VICTOR - O que acontece agora é que o que a maioria dos países está fazendo é o que eles fariam mesmo na ausência de um tratado. Os europeus estão muito preocupados com a mudança climática e estão correndo para fazer o que têm feito, os EUA estão fazendo um um pouquinho, o Brasil está um pouco envolvido. O desafio para os diplomatas é produzir um acordo que faça os países fazerem mais do que fariam sozinhos.

FOLHA - Quais são as chances de que Copenhague vá produzir um acordo significativo para o clima?
VICTOR - Não há chance nenhuma de que Copenhague sozinha vá produzir um acordo que fará diferença nas emissões, porque os processos industriais e de agricultura que causam emissões mudam muito lentamente. O máximo que podemos esperar de Copenhague é mais um passo num longo processo de botar pressão nas atividades que causam emissões.

FOLHA - O sr. publicou em 2001 um livro chamado "O Colapso do Protocolo de Kyoto", no qual explicava por que o acordo havia falhado. Nesta semana, escreveu um artigo para a revista "Nature" dizendo que o acordo de Copenhague também ruma para o fracasso. Quais são os problemas de um e de outro?
VICTOR - O principal é que as pessoas não tratam esse assunto como o problema econômico sério que ele é. Elas ainda o tratam como um problema ambiental. Quando você pensa isso como um problema ambiental, você tem um conjunto de ferramentas no kit dos diplomatas: você fixa metas progressivas, dá só um par de anos para a negociação, as pessoas que negociam são ministros de Ambiente. Essas ferramentas funcionam muito bem para problemas ambientais, mas o aquecimento global é um tipo de problema totalmente diferente. Estamos hoje, em pleno processo rumo a Copenhague, cometendo quase os mesmos erros que fizemos com Kyoto.

FOLHA - Que foram...
VICTOR - Que foram: quase nenhuma negociação séria sobre compromissos aconteceu no ano que antecedeu a assinatura de Kyoto. O mesmo está acontecendo agora. O número de assuntos na mesa é imenso. O número de países é maciço. Parece que não aprendemos nada com a experiência de Kyoto, porque estamos repetindo-a. É por isso que eu fui tão pessimista no artigo da "Nature". Parte disso é porque o problema da mudança climática é muito, muito difícil de resolver. Parte disso é porque os instrumentos desenhados -os tratados, as organizações- não estão à altura da tarefa. E o que me preocupa é que nós vamos perder mais dez anos patinando, fingindo que estamos atacando o problema com organizações que não têm capacidade para isso. E o que eu acho que isso significa é que é inevitável que o mundo terá um aquecimento muito grande, mesmo que os governos resolvam levar o problema a sério. Eu não falo muito disso no artigo da "Nature", mas a consequência disso é que os governos terão de gastar muito mais tempo pensando em adaptação, em geoengenharia e em coisas que são preocupações quando você vê um futuro que terá um bocado de aquecimento global.

FOLHA - O Banco Mundial soltou um relatório nesta semana reconhecendo que será quase impossível não ultrapassarmos as 450 partes por milhão de CO2 na atmosfera, o nível considerado seguro. Qual o sr. acha que será a concentração final antes de estabilizarmos o clima?
VICTOR - A meta de 450 partes por milhão só existe enquanto ninguém realmente tentar cumpri-la. Quando tentarem, verão que vamos passar longe dela. A meta de 2C que a União Europeia pôs na sua lei e que o G8 pôs no seu comunicado vai ser estourada.

FOLHA - O acordo não está certo e os instrumentos não estão à altura da tarefa, na sua opinião. Qual seriam o acordo certo e os instrumentos certos então?
VICTOR - O que eu acho que precisa ser feito é separar as questões sobre as quais os governos já concordam com as questões sobre as quais é impossível haver acordo nos próximos dois anos. Na primeira categoria, o que você faz é um acordo provisório, que garanta os compromissos que os governos já se dispuseram a adotar. E aqui houve um enorme progresso: o Japão fez uma promessa neste ano, a União Europeia fez no ano passado, neste semestre, espero, os EUA farão uma promessa, a Índia e a China estão se preparando. Algo que possa cimentar essas propostas, para que os governos não fiquem chateados com a falta de progresso. A segunda coisa que você precisa fazer é iniciar um processo pelo qual os compromissos que os governos adotam um em relação ao outro possam ser mais orientados pelas coisas que eles podem de fato cumprir. Um dos problemas de Kyoto é que as pessoas chegaram lá fazendo promessas de corte de emissões que não podiam honrar. Precisamos de um processo que se concentre num punhado de governos: Brasil, Indonésia, EUA, UE, Japão, China. Esses governos podem se juntar e fazer promessas uns aos outros, e essas promessas não seriam só o que eles podem fazer já, mas também o que eles se dispõem a fazer caso outros governos façam mais.

FOLHA - Mas como esses compromissos condicionados seriam diferentes de metas voluntárias que não resolvem o problema?
VICTOR - O melhor exemplo é o que a UE está fazendo agora. Eles têm uma meta, que é voluntária, e dizem: se vocês, nos outros países, fizerem coisas parecidas, nós aumentaremos para tanto. E não é esse o diálogo que estamos tendo. O único estilo de negociações que temos no momento é todo mundo falando o que vai fazer voluntariamente, e outros estão até mesmo dizendo que, se os outros não fizerem, eles não vão fazer nada.

FOLHA - O sr. também critica a pressa nas negociações. Mas nós não temos muito tempo, certo? Não podemos gastar mais dois anos falando sobre o assunto.
VICTOR - Eu acho que esta é a realidade (risos). Temos dois caminhos a seguir: um, estamos numa crise e precisamos andar mais rápido e ter tudo finalizado em Copenhague. E o resultado desse caminho será outro Kyoto, onde os grandes países aderem ao acordo e outros não, onde as metas são aguadas e as pessoas ficam pensando que se fez algo a respeito, quando na verdade não há nenhuma estratégia séria. O segundo caminho, o que eu defendo, é que você precisa de mais tempo para que a negociação possa refletir o que os governos podem de fato fazer. E isso, infelizmente, é um processo lento. De uma maneira ou de outra, estaremos comprometidos com uma quantidade grande de aquecimento global.

FOLHA - Muita gente acha que o custo da mitigação vai se tornar proibitivo se demorarmos mais para fazer a emissões começarem a declinar. Além disso, há o temor de um colapso no mercado de carbono, que ficaria sem regra nenhuma depois de 2012, quando Kyoto expira.
VICTOR - A questão mais importante agora é a dos mercados de carbono. Ele precisa de um sinal muito claro de Copenhague de que os governos não vão deixar essas regulações desaparecerem. É por isso que você precisa de um acordo provisório.

FOLHA - Que elementos deveriam constar desse acordo "redux" de Copenhague que o sr. propõe?
VICTOR - Os tópicos centrais são metas e prazos que todos poderão adotar e extensão do MDL [Mecanismo de Desenvolvimento Limpo de Kyoto, que prevê venda de créditos de países pobres para países ricos]. Um problema central é que há um grande número de créditos que não são créditos.

FOLHA - Ele não teve eficácia nenhuma, é isso?
VICTOR - Eu não diria que não teve eficácia nenhuma, porque, se você procurar bem, vai encontrar um bom projeto. Mas, no geral, o MDL tem sido um desastre. Você olha para as curvas de emissões e para os projetos individuais, as pessoas estão recebendo investimentos novos para coisas que seriam feitas de qualquer maneira.

FOLHA - Os países em desenvolvimento devem adotar metas obrigatórias como as de Kyoto?
VICTOR - Eu sempre fui cético quanto a metas tipo Kyoto, porque os governos não controlam emissões: os governos controlam a política e a economia, e é a economia que produz emissões. Nos países em desenvolvimento, em especial, há uma relação muito fraca entre a política dos governos e as metas de emissão que eles podem adotar. Eles não sabem qual será seu nível de emissão no futuro. Então eles fariam como a Rússia, que é oferecer metas de redução muito mais altas que suas emissões. E nós não queremos que isso aconteça.

FOLHA - O sr. está para ser pai pela primeira vez. Como é ter um filho quando o sr. acredita que o cenário para o futuro dele será tão turvo?
VICTOR - Toda geração tem algum problema que a deixa muito deprimida. A última geração teve as armas nucleares. A anterior teve a depressão econômica, a outra teve a guerra na Europa. Eu acho que, no longo prazo, nós vamos resolver o aquecimento global, com tecnologias radicalmente novas. Mas vai levar muito tempo. Daqui até lá, teremos algum aquecimento aqui, e parte dessas mudanças climáticas pode ser muito catastrófica.

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