Posta-se abaixo coluna publicada no jornal Folha de São Paulo no dia 22 de dezembro de 2008, sobre a disputa pelo controle dos recursos minerais do Níger.
Uma batalha pelos recursos minerais do empobrecido Níger
Por LYDIA POLGREEN
MONTANHAS AIR, Níger - O único gatilho que Amoumoun Halil tinha acionado até o ano passado era o de sua pistola de vacinação de gado. Nos últimos meses, ele passou a carregar desajeitadamente um velho fuzil Kalashnikov sobre o ombro.
Halil, 40, engenheiro veterinário, é um soldado relutante numa luta por uma bonança improvável em um dos países mais pobres do mundo. A batalha está sendo travada entre um bando de nômades tuaregues, que alegam que a riqueza mineral do subsolo de sua terra está sendo extraída por um governo que lhes dá pouco em troca, e um Exército que descreve os combatentes como traficantes e bandidos.
Trata-se de uma nova frente de batalha na antiga guerra pelo controle da imensa riqueza mineral da África. O deserto do norte do Níger se estende sobre um dos maiores depósitos mundiais de urânio, e a demanda pelo mineral vem aumentando, à medida que o aquecimento global eleva o interesse pela energia nuclear. O urânio poderia render dinheiro suficiente para tirar o Níger da pobreza que leva uma criança em cinco a morrer antes de chegar aos cinco anos de idade. Ou, então, pode resultar em mais uma guerra calamitosa num continente onde os recursos minerais vêm alimentando conflitos há décadas.
Os tuaregues se opõem há anos a um governo que tratam sobretudo com desdém. Mas os rebeldes mais recentes transcenderam as queixas mais comuns, alegando, em lugar disso, que o governo está desperdiçando os recursos naturais do Níger com sua corrupção e atitudes perdulárias. Armados com um site de internet bem-feito e representantes bem articulados na Europa e nos EUA, o movimento vem conquistando simpatia de ocidentais.
E também atrai combatentes de várias origens -não apenas pastores analfabetos, mas universitários, funcionários de organizações humanitárias e até mesmo antigos pacifistas, como Halil. "O urânio pertence a nosso povo; está em nossas terras", disse Halil. "Não podemos deixar que nos roubem do que é nosso por direito."
Quando era menino, Halil sonhava em possuir um enorme rebanho de camelos, como tinha seu pai antes de as grandes secas da década de 1970 exterminarem os animais. Em lugar disso, ele fundou um sindicato de pastores.
Seus esforços fazem parte de uma onda de ativismo cívico que vem varrendo a África nos últimos 15 anos, à medida que o continente tenta se democratizar. Muitos dos governos recém-eleitos são profundamente problemáticos, mas, pelo fato de uma população mais jovem e urbana estar em contato com as novas tecnologias, seus cidadãos são mais bem informados e estão menos dispostos a tolerar a corrupção.
Durante seus deslocamentos pelo país, Halil notou o fluxo de geólogos de França, China, Canadá e Austrália que percorriam as terras de pastoreio dos tuaregues. "Perguntei a mim mesmo: ‘O que nós, tuaregues, ganharemos com isso?’", contou. "Só ficamos cada vez mais pobres."
Em fevereiro de 2007, um grupo de tuaregues armados lançou um ataque ousado contra uma base militar nas montanhas Air. Nascia uma nova insurgência. Intitulando-se Movimento pela Justiça no Níger, o grupo reivindicava o combate à corrupção e que a riqueza gerada por cada região do país beneficiasse à população local.
Para combater a rebelião, o governo isolou o norte do país, devastando sua economia. Observadores internacionais de direitos humanos documentaram violações graves cometidas pelas duas partes. Centenas de pessoas foram mortas e milhares de outras, expulsas de suas terras.
O governo argumenta que o Níger é uma democracia com meios pacíficos de solucionar queixas e afirma que os rebeldes não passam de bandidos e traficantes que há décadas transportam drogas, cigarros de contrabando, gasolina e até cargas humanas de um lado do Saara ao outro. Alguns rebeldes admitem o tráfico para sustentar a rebelião.
Halil assistiu sem participar ao último levante tuaregue, que terminou em 1995 com um acordo de paz. Naquela época, ele era idealista e esperava evitar a violência.
Em junho de 2007, um veículo do Exército explodiu ao passar sobre uma mina dos rebeldes. Moradores de um vilarejo dizem que três idosos foram massacrados pelo Exército, que nega a acusação. Mas a história circulou rapidamente.
Para Halil, foi um sinal de que a não-violência era tolice. Depois de enviar sua filha de dois anos e sua mulher grávida à casa de seus sogros, ele partiu para as montanhas e juntou-se ao crescente exército rebelde.
Ele estava numa missão em junho, quando o som dos rotores de um helicóptero quebrou repentinamente o silêncio do deserto. Ouviam-se havia tempo rumores de que o governo teria comprado helicópteros de ataque, algo que mudaria o conflito de maneira fundamental. Na troca de tiros que se seguiu, 17 rebeldes morreram. Halil conseguiu fugir e foi para a Argélia, onde retomou seus estudos de veterinária. "Não vou abandonar a luta, mas vou continuar com ela usando outros meios", disse.
Os combatentes deixados nas montanhas afirmam que estão lá para ficar.
Uma batalha pelos recursos minerais do empobrecido Níger
Por LYDIA POLGREEN
MONTANHAS AIR, Níger - O único gatilho que Amoumoun Halil tinha acionado até o ano passado era o de sua pistola de vacinação de gado. Nos últimos meses, ele passou a carregar desajeitadamente um velho fuzil Kalashnikov sobre o ombro.
Halil, 40, engenheiro veterinário, é um soldado relutante numa luta por uma bonança improvável em um dos países mais pobres do mundo. A batalha está sendo travada entre um bando de nômades tuaregues, que alegam que a riqueza mineral do subsolo de sua terra está sendo extraída por um governo que lhes dá pouco em troca, e um Exército que descreve os combatentes como traficantes e bandidos.
Trata-se de uma nova frente de batalha na antiga guerra pelo controle da imensa riqueza mineral da África. O deserto do norte do Níger se estende sobre um dos maiores depósitos mundiais de urânio, e a demanda pelo mineral vem aumentando, à medida que o aquecimento global eleva o interesse pela energia nuclear. O urânio poderia render dinheiro suficiente para tirar o Níger da pobreza que leva uma criança em cinco a morrer antes de chegar aos cinco anos de idade. Ou, então, pode resultar em mais uma guerra calamitosa num continente onde os recursos minerais vêm alimentando conflitos há décadas.
Os tuaregues se opõem há anos a um governo que tratam sobretudo com desdém. Mas os rebeldes mais recentes transcenderam as queixas mais comuns, alegando, em lugar disso, que o governo está desperdiçando os recursos naturais do Níger com sua corrupção e atitudes perdulárias. Armados com um site de internet bem-feito e representantes bem articulados na Europa e nos EUA, o movimento vem conquistando simpatia de ocidentais.
E também atrai combatentes de várias origens -não apenas pastores analfabetos, mas universitários, funcionários de organizações humanitárias e até mesmo antigos pacifistas, como Halil. "O urânio pertence a nosso povo; está em nossas terras", disse Halil. "Não podemos deixar que nos roubem do que é nosso por direito."
Quando era menino, Halil sonhava em possuir um enorme rebanho de camelos, como tinha seu pai antes de as grandes secas da década de 1970 exterminarem os animais. Em lugar disso, ele fundou um sindicato de pastores.
Seus esforços fazem parte de uma onda de ativismo cívico que vem varrendo a África nos últimos 15 anos, à medida que o continente tenta se democratizar. Muitos dos governos recém-eleitos são profundamente problemáticos, mas, pelo fato de uma população mais jovem e urbana estar em contato com as novas tecnologias, seus cidadãos são mais bem informados e estão menos dispostos a tolerar a corrupção.
Durante seus deslocamentos pelo país, Halil notou o fluxo de geólogos de França, China, Canadá e Austrália que percorriam as terras de pastoreio dos tuaregues. "Perguntei a mim mesmo: ‘O que nós, tuaregues, ganharemos com isso?’", contou. "Só ficamos cada vez mais pobres."
Em fevereiro de 2007, um grupo de tuaregues armados lançou um ataque ousado contra uma base militar nas montanhas Air. Nascia uma nova insurgência. Intitulando-se Movimento pela Justiça no Níger, o grupo reivindicava o combate à corrupção e que a riqueza gerada por cada região do país beneficiasse à população local.
Para combater a rebelião, o governo isolou o norte do país, devastando sua economia. Observadores internacionais de direitos humanos documentaram violações graves cometidas pelas duas partes. Centenas de pessoas foram mortas e milhares de outras, expulsas de suas terras.
O governo argumenta que o Níger é uma democracia com meios pacíficos de solucionar queixas e afirma que os rebeldes não passam de bandidos e traficantes que há décadas transportam drogas, cigarros de contrabando, gasolina e até cargas humanas de um lado do Saara ao outro. Alguns rebeldes admitem o tráfico para sustentar a rebelião.
Halil assistiu sem participar ao último levante tuaregue, que terminou em 1995 com um acordo de paz. Naquela época, ele era idealista e esperava evitar a violência.
Em junho de 2007, um veículo do Exército explodiu ao passar sobre uma mina dos rebeldes. Moradores de um vilarejo dizem que três idosos foram massacrados pelo Exército, que nega a acusação. Mas a história circulou rapidamente.
Para Halil, foi um sinal de que a não-violência era tolice. Depois de enviar sua filha de dois anos e sua mulher grávida à casa de seus sogros, ele partiu para as montanhas e juntou-se ao crescente exército rebelde.
Ele estava numa missão em junho, quando o som dos rotores de um helicóptero quebrou repentinamente o silêncio do deserto. Ouviam-se havia tempo rumores de que o governo teria comprado helicópteros de ataque, algo que mudaria o conflito de maneira fundamental. Na troca de tiros que se seguiu, 17 rebeldes morreram. Halil conseguiu fugir e foi para a Argélia, onde retomou seus estudos de veterinária. "Não vou abandonar a luta, mas vou continuar com ela usando outros meios", disse.
Os combatentes deixados nas montanhas afirmam que estão lá para ficar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário