O jornal O Globo do dia 7 de dezembro publica entrevista com a alta comissária de direitos humanos da ONU, Navanethem Pillay.
ONU: desafio de garantir a aplicação da Declaração em todo o mundo
Deborah Berlinck
Violações de direitos humanos continuam a ocorrer no mundo e de todas as formas: de execuções a violações ao direito à comida. Por que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é tão freqüentemente ignorada?
NAVANETHEM PILLAY: Estou consciente de que, para muitas pessoas no mundo, a Declaração Universal é uma promessa não cumprida. A vontade política necessária para fazer respeitar as obrigações de direitos humanos lamentavelmente não acompanha as promessas. É verdade que a impunidade, o conflito armado e o autoritarismo não foram derrotados e, infelizmente, direitos humanos são colocados de lado em nome da segurança. Entretanto, nos últimos 60 anos, os princípios da Declaração Universal tiveram eco em vários tratados e convenções internacionais, como também em Constituições e leis nacionais de mais de 90 países. Mecanismos internacionais, regionais e nacionais, incluindo o Alto Comissariado para Direitos Humanos e o Conselho de Direitos Humanos, com seus especialistas independentes, foram criados para custodiar e monitorar os direitos humanos, sua promoção e proteção. E a sociedade civil, cada vez mais capacitada e influente, está vigilante em relação à implementação.
As violações diminuíram no mundo ou simplesmente estão acontecendo de formas ou com padrões diferentes?
PILLAY: Há várias questões emergentes de direitos humanos que requerem nossa atenção. Elas incluem mudanças climáticas e as conseqüências das condições de clima calamitosas, que já são visíveis em várias partes do mundo. Isso é uma ameaça direta à enorme gama de direitos humanos universalmente reconhecidos, incluindo o direito à comida, à habitação e à água, ou simplesmente à vida. Outra questão importante surge da ameaça do terrorismo, porque representa uma ameaça crescente e um desafio profundo aos direitos humanos. Os Estados têm o dever de proteger suas populações contra o terrorismo. Ao responder às preocupações legítimas de segurança, no entanto, os Estados precisam levar em conta suas obrigações quanto aos direitos humanos.
Tendo sido uma vítima de violações dos direitos humanos na África do Sul durante o regime do apartheid, o que a senhora aconselha às vítimas em países onde não há liberdade de expressão ou um sistema equitativo de Justiça ?
PILLAY: Eu cresci no meu país, a África do Sul, como cidadã de segunda categoria, e sem poder recorrer legalmente contra isso. Mas, ao longo da minha vida, assisti a uma completa transformação. O apartheid era como um modo de vida. Você sabia que não podia freqüentar as praias, porque eram só para pessoas brancas. Você hesitava antes de entrar no elevador, porque os elevadores eram segregados. Então, quando cresce com isso, você cria um sentimento de que há algo errado com você, de que você é inferior. Nunca pensei que esse sistema fosse acabar. E aqui estou, ainda viva, como muitos sul-africanos, graças à visão de Nelson Mandela, que optou por um compromisso e pela negociação, palavras que eu desprezei no tempo em que era estudante universitária. Isso ajudou a deixar o passado para trás e a erguer uma nova e democrática África do Sul. Mandela me ensinou que, longe de ser acomodação, chegar a um acordo com as experiências de outras pessoas ou pontos de vista pode servir melhor aos interesses de justiça do que estratégias que não deixam espaço para negociação. Graças a ele, eu não acredito que o "ou tudo ou nada" é a boa abordagem para afirmar princípios ou ganhar um argumento. E espero que o seu exemplo me guie no meu desafiador mandato. Então, meu conselho às vítimas de direitos humanos é : não abra mão da esperança, siga o exemplo dos que lutam de forma energética, mas pacífica, pela mudança. Sobretudo, lute por seus direitos e pelos direitos dos que estão em pior situação que você. Se não tivéssemos feito isso na África do Sul, o regime do apartheid ainda estaria de pé.
A senhora foi a primeira mulher "não branca" na África do Sul a abrir um escritório de advocacia. Quão duro foi trabalhar como advogada durante o apartheid?
PILLAY: Eu tinha 16 anos quando escrevi um ensaio sobre o papel das mulheres sul-africanas na educação de direitos humanos para as crianças. Quando o ensaio foi publicado, minha comunidade levantou fundos para mandar esta jovem promissora, mas sem dinheiro, para a universidade. Apesar dos esforços da comunidade, eu quase não consegui, porque quando entrei para a universidade durante o regime de apartheid tudo e todos eram segregados. Quando comecei a trabalhar como advogada por conta própria, em 1967, não foi por escolha, mas sim porque ninguém queria empregar uma mulher negra como advogada. No início dos anos 70, eu desafiei as leis do apartheid que permitiam tortura. Na minha primeira visita à prisão de Robben Island, os administradores da prisão me disseram para não beber água da bica dos prisioneiros e me deram água do continente. Eu bebi da bica e descobri que a água era salgada. Estava causando problema de saúde aos meus clientes. Entrei com ação no Tribunal, que decidiu pela primeira vez que prisioneiros não eram propriedade, que eles tinham direito de serem tratados humanamente, direito a terem acesso aos regulamentos das prisões e o direito a um advogado.
Ativistas esperam que a senhora seja uma militante que fale sem rodeios em nome dos oprimidos do mundo. Sua antecessora foi atacada por causa disso. A senhora está preparada para a batalha ?
PILLAY: Acredito que sim. Durante a minha carreira, eu vi o crescimento e contribuí para expandir o quadro da legislação internacional que, junto com instrumentos nacionais e regionais, representam um esforço para implementar os princípios da Declaração Universal. Este corpo de leis e mecanismos que resultaram deles, como os tratados, criaram um sistema de promoção e proteção de direitos humanos no mundo todo. O desafio agora é fazer este sistema funcionar melhor para superar os abusos persistentes, as omissões e negligências que ainda impedem a implementação total dos direitos humanos. O mais importante neste esforço, acredito, é a imparcialidade na operação do sistema e a adesão a um único e consistente padrão representado pela Declaração Universal.
A senhora terá que persuadir governos acusados das piores violações. Quão delicado é o seu trabalho?
PILLAY: Meu trabalho, certamente, não é fácil. No mundo moderno, não importa o quão repressivo um regime possa ser: ele não consegue suprimir todas as informações ou derrubar todas as liberdades de expressão. Então, a situação dentro de um país acaba sendo conhecida, pelo menos até um ponto, mesmo que se impeça organizações como o escritório da alta comissária de Direitos Humanos, ou os relatores especiais da ONU, de entrar fisicamente no território. Os países que persistentemente ignoram a legislação internacional e a opinião pública internacional pagam um preço alto. As pessoas se sentem menos inclinadas a fazer negócio com eles, e podem ser até proibidas de fazer negócios com eles, no caso de sanções internacionais. Os líderes podem se sentir protegidos durante algum tempo, mas, com o passar do tempo, a pressão os afeta também.
Muita gente não consegue entender como um milhão de ruandeses foram assassinados num período de cem dias. Eles perguntam: "Quem pode fazer algo assim?" Como ex-juíza do Tribunal Penal Internacional para Ruanda, a senhora sente que entendeu completamente o que aconteceu?
PILLAY: Não acho que alguém possa algum dia entender realmente um colapso da civilização tão imenso e horrendo como este. Mas pode-se entender alguns processos (que levaram ao genocídio). Minha experiência no Tribunal Penal Internacional de Ruanda me mostrou como o discurso vigoroso do ódio pode fazer deslanchar os piores crimes. Ouvi o testemunho de pessoas que de repente se tornaram vítimas de uma explosão de ódio étnico. Eu vi em primeira mão as conseqüências de deixar a discriminação, a desigualdade e a intolerância inflamarem, e como a espiral fora do controle pode causar genocídio. Como juíza do tribunal, eu tive um papel em levar o ex-primeiro-ministro à Justiça, em responsabilizar aqueles que controlavam a mídia por alimentar o ódio frenético que explodiu em genocídio. O tribunal de Ruanda foi o primeiro tribunal internacional a julgar, condenar e sentenciar pessoas por genocídio. Também foi pioneiro em criar jurisprudência internacional sobre estupro relacionado ao genocídio. Então, teve um impacto muito importante. O sistema criminal internacional de Justiça que foi desenvolvido nos últimos 15 ou mais anos nos deu um instrumento para responsabilizar as pessoas por suas ações, o que não tínhamos antes, e isso é uma dissuasão.
Que lições podem ser tiradas de Ruanda?
PILLAY: O que aprendi como juíza do tribunal de Ruanda sobre como a sociedade pode se desintegrar, e sobre a forma como um ser humano pode tratar outro, vai me perseguir para sempre. Temos que aprender como quebrar os ciclos de violência, a mobilização do medo, e a exploração política da diferença - diferença étnica, racial e religiosa. A Declaração Universal cresceu do Holocausto, mas temos ainda que aprender a lição do Holocausto, uma vez que o genocídio continua acontecendo. Genocídio é a máxima forma de discriminação, e nós precisamos fazer tudo ao nosso alcance para prevenir isso.
O que deve ser feito no caso das atrocidades em Darfur (Sudão) ou na República Democrática do Congo, duas tragédias que estão acontecendo?
PILLAY: São duas situações enormes e complexas. Me concentrarei em um destes lugares, aquele onde estimadas 5 milhões de pessoas morreram por causas ligadas ao conflito nos últimos 12 anos, e onde luta e violações graves dos direitos humanos eclodiram novamente nas últimas semanas, apesar da presença da maior força da paz do mundo. A parte leste da República Democrática do Congo está num estado desesperador. A maior ameaça à paz durável e à estabilidade na região continua sendo a impunidade. Freqüentemente a exploração sangrenta e ilegal dos recursos naturais está alimentando o conflito. Estes fatos interligados contribuem para uma grande leque de violações dos direitos humanos, como assassinatos e violência contra mulheres. A escala de brutalidade e violência sexual no Congo extrapola uma definição. Todos os grupos e Forças Armadas - do Congo e estrangeiras - estão usando estupro como arma de guerra. Embora violência sexual seja um fenômeno que tristemente existe no mundo, ela atingiu proporções pandêmicas no Congo por uma simples razão: é permitida. Impunidade é o grande desafio.
O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, anunciou que vai fechar o centro de detenção de Guantánamo. O que a senhora espera da nova administração americana?
PILLAY: Eles disseram muito claramente que vão fechar Guantánamo, e eu aplaudo esta decisão. Há grandes expectativas de que haverá maior cooperação e apoio dos EUA aos trabalhos de direitos humanos da ONU. Os grandes desafios que teremos que enfrentar nos próximos anos, de mudanças climáticas ao racismo, para achar soluções para os atuais e futuros conflitos, tudo isso vai requerer que a nova administração trabalhe junto com outros líderes para lidar com problemas que nós todos enfrentamos. Nós esperamos que a nova administração vá colocar o estado de direito no centro de sua política doméstica e internacional.
ONU: desafio de garantir a aplicação da Declaração em todo o mundo
Deborah Berlinck
Violações de direitos humanos continuam a ocorrer no mundo e de todas as formas: de execuções a violações ao direito à comida. Por que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é tão freqüentemente ignorada?
NAVANETHEM PILLAY: Estou consciente de que, para muitas pessoas no mundo, a Declaração Universal é uma promessa não cumprida. A vontade política necessária para fazer respeitar as obrigações de direitos humanos lamentavelmente não acompanha as promessas. É verdade que a impunidade, o conflito armado e o autoritarismo não foram derrotados e, infelizmente, direitos humanos são colocados de lado em nome da segurança. Entretanto, nos últimos 60 anos, os princípios da Declaração Universal tiveram eco em vários tratados e convenções internacionais, como também em Constituições e leis nacionais de mais de 90 países. Mecanismos internacionais, regionais e nacionais, incluindo o Alto Comissariado para Direitos Humanos e o Conselho de Direitos Humanos, com seus especialistas independentes, foram criados para custodiar e monitorar os direitos humanos, sua promoção e proteção. E a sociedade civil, cada vez mais capacitada e influente, está vigilante em relação à implementação.
As violações diminuíram no mundo ou simplesmente estão acontecendo de formas ou com padrões diferentes?
PILLAY: Há várias questões emergentes de direitos humanos que requerem nossa atenção. Elas incluem mudanças climáticas e as conseqüências das condições de clima calamitosas, que já são visíveis em várias partes do mundo. Isso é uma ameaça direta à enorme gama de direitos humanos universalmente reconhecidos, incluindo o direito à comida, à habitação e à água, ou simplesmente à vida. Outra questão importante surge da ameaça do terrorismo, porque representa uma ameaça crescente e um desafio profundo aos direitos humanos. Os Estados têm o dever de proteger suas populações contra o terrorismo. Ao responder às preocupações legítimas de segurança, no entanto, os Estados precisam levar em conta suas obrigações quanto aos direitos humanos.
Tendo sido uma vítima de violações dos direitos humanos na África do Sul durante o regime do apartheid, o que a senhora aconselha às vítimas em países onde não há liberdade de expressão ou um sistema equitativo de Justiça ?
PILLAY: Eu cresci no meu país, a África do Sul, como cidadã de segunda categoria, e sem poder recorrer legalmente contra isso. Mas, ao longo da minha vida, assisti a uma completa transformação. O apartheid era como um modo de vida. Você sabia que não podia freqüentar as praias, porque eram só para pessoas brancas. Você hesitava antes de entrar no elevador, porque os elevadores eram segregados. Então, quando cresce com isso, você cria um sentimento de que há algo errado com você, de que você é inferior. Nunca pensei que esse sistema fosse acabar. E aqui estou, ainda viva, como muitos sul-africanos, graças à visão de Nelson Mandela, que optou por um compromisso e pela negociação, palavras que eu desprezei no tempo em que era estudante universitária. Isso ajudou a deixar o passado para trás e a erguer uma nova e democrática África do Sul. Mandela me ensinou que, longe de ser acomodação, chegar a um acordo com as experiências de outras pessoas ou pontos de vista pode servir melhor aos interesses de justiça do que estratégias que não deixam espaço para negociação. Graças a ele, eu não acredito que o "ou tudo ou nada" é a boa abordagem para afirmar princípios ou ganhar um argumento. E espero que o seu exemplo me guie no meu desafiador mandato. Então, meu conselho às vítimas de direitos humanos é : não abra mão da esperança, siga o exemplo dos que lutam de forma energética, mas pacífica, pela mudança. Sobretudo, lute por seus direitos e pelos direitos dos que estão em pior situação que você. Se não tivéssemos feito isso na África do Sul, o regime do apartheid ainda estaria de pé.
A senhora foi a primeira mulher "não branca" na África do Sul a abrir um escritório de advocacia. Quão duro foi trabalhar como advogada durante o apartheid?
PILLAY: Eu tinha 16 anos quando escrevi um ensaio sobre o papel das mulheres sul-africanas na educação de direitos humanos para as crianças. Quando o ensaio foi publicado, minha comunidade levantou fundos para mandar esta jovem promissora, mas sem dinheiro, para a universidade. Apesar dos esforços da comunidade, eu quase não consegui, porque quando entrei para a universidade durante o regime de apartheid tudo e todos eram segregados. Quando comecei a trabalhar como advogada por conta própria, em 1967, não foi por escolha, mas sim porque ninguém queria empregar uma mulher negra como advogada. No início dos anos 70, eu desafiei as leis do apartheid que permitiam tortura. Na minha primeira visita à prisão de Robben Island, os administradores da prisão me disseram para não beber água da bica dos prisioneiros e me deram água do continente. Eu bebi da bica e descobri que a água era salgada. Estava causando problema de saúde aos meus clientes. Entrei com ação no Tribunal, que decidiu pela primeira vez que prisioneiros não eram propriedade, que eles tinham direito de serem tratados humanamente, direito a terem acesso aos regulamentos das prisões e o direito a um advogado.
Ativistas esperam que a senhora seja uma militante que fale sem rodeios em nome dos oprimidos do mundo. Sua antecessora foi atacada por causa disso. A senhora está preparada para a batalha ?
PILLAY: Acredito que sim. Durante a minha carreira, eu vi o crescimento e contribuí para expandir o quadro da legislação internacional que, junto com instrumentos nacionais e regionais, representam um esforço para implementar os princípios da Declaração Universal. Este corpo de leis e mecanismos que resultaram deles, como os tratados, criaram um sistema de promoção e proteção de direitos humanos no mundo todo. O desafio agora é fazer este sistema funcionar melhor para superar os abusos persistentes, as omissões e negligências que ainda impedem a implementação total dos direitos humanos. O mais importante neste esforço, acredito, é a imparcialidade na operação do sistema e a adesão a um único e consistente padrão representado pela Declaração Universal.
A senhora terá que persuadir governos acusados das piores violações. Quão delicado é o seu trabalho?
PILLAY: Meu trabalho, certamente, não é fácil. No mundo moderno, não importa o quão repressivo um regime possa ser: ele não consegue suprimir todas as informações ou derrubar todas as liberdades de expressão. Então, a situação dentro de um país acaba sendo conhecida, pelo menos até um ponto, mesmo que se impeça organizações como o escritório da alta comissária de Direitos Humanos, ou os relatores especiais da ONU, de entrar fisicamente no território. Os países que persistentemente ignoram a legislação internacional e a opinião pública internacional pagam um preço alto. As pessoas se sentem menos inclinadas a fazer negócio com eles, e podem ser até proibidas de fazer negócios com eles, no caso de sanções internacionais. Os líderes podem se sentir protegidos durante algum tempo, mas, com o passar do tempo, a pressão os afeta também.
Muita gente não consegue entender como um milhão de ruandeses foram assassinados num período de cem dias. Eles perguntam: "Quem pode fazer algo assim?" Como ex-juíza do Tribunal Penal Internacional para Ruanda, a senhora sente que entendeu completamente o que aconteceu?
PILLAY: Não acho que alguém possa algum dia entender realmente um colapso da civilização tão imenso e horrendo como este. Mas pode-se entender alguns processos (que levaram ao genocídio). Minha experiência no Tribunal Penal Internacional de Ruanda me mostrou como o discurso vigoroso do ódio pode fazer deslanchar os piores crimes. Ouvi o testemunho de pessoas que de repente se tornaram vítimas de uma explosão de ódio étnico. Eu vi em primeira mão as conseqüências de deixar a discriminação, a desigualdade e a intolerância inflamarem, e como a espiral fora do controle pode causar genocídio. Como juíza do tribunal, eu tive um papel em levar o ex-primeiro-ministro à Justiça, em responsabilizar aqueles que controlavam a mídia por alimentar o ódio frenético que explodiu em genocídio. O tribunal de Ruanda foi o primeiro tribunal internacional a julgar, condenar e sentenciar pessoas por genocídio. Também foi pioneiro em criar jurisprudência internacional sobre estupro relacionado ao genocídio. Então, teve um impacto muito importante. O sistema criminal internacional de Justiça que foi desenvolvido nos últimos 15 ou mais anos nos deu um instrumento para responsabilizar as pessoas por suas ações, o que não tínhamos antes, e isso é uma dissuasão.
Que lições podem ser tiradas de Ruanda?
PILLAY: O que aprendi como juíza do tribunal de Ruanda sobre como a sociedade pode se desintegrar, e sobre a forma como um ser humano pode tratar outro, vai me perseguir para sempre. Temos que aprender como quebrar os ciclos de violência, a mobilização do medo, e a exploração política da diferença - diferença étnica, racial e religiosa. A Declaração Universal cresceu do Holocausto, mas temos ainda que aprender a lição do Holocausto, uma vez que o genocídio continua acontecendo. Genocídio é a máxima forma de discriminação, e nós precisamos fazer tudo ao nosso alcance para prevenir isso.
O que deve ser feito no caso das atrocidades em Darfur (Sudão) ou na República Democrática do Congo, duas tragédias que estão acontecendo?
PILLAY: São duas situações enormes e complexas. Me concentrarei em um destes lugares, aquele onde estimadas 5 milhões de pessoas morreram por causas ligadas ao conflito nos últimos 12 anos, e onde luta e violações graves dos direitos humanos eclodiram novamente nas últimas semanas, apesar da presença da maior força da paz do mundo. A parte leste da República Democrática do Congo está num estado desesperador. A maior ameaça à paz durável e à estabilidade na região continua sendo a impunidade. Freqüentemente a exploração sangrenta e ilegal dos recursos naturais está alimentando o conflito. Estes fatos interligados contribuem para uma grande leque de violações dos direitos humanos, como assassinatos e violência contra mulheres. A escala de brutalidade e violência sexual no Congo extrapola uma definição. Todos os grupos e Forças Armadas - do Congo e estrangeiras - estão usando estupro como arma de guerra. Embora violência sexual seja um fenômeno que tristemente existe no mundo, ela atingiu proporções pandêmicas no Congo por uma simples razão: é permitida. Impunidade é o grande desafio.
O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, anunciou que vai fechar o centro de detenção de Guantánamo. O que a senhora espera da nova administração americana?
PILLAY: Eles disseram muito claramente que vão fechar Guantánamo, e eu aplaudo esta decisão. Há grandes expectativas de que haverá maior cooperação e apoio dos EUA aos trabalhos de direitos humanos da ONU. Os grandes desafios que teremos que enfrentar nos próximos anos, de mudanças climáticas ao racismo, para achar soluções para os atuais e futuros conflitos, tudo isso vai requerer que a nova administração trabalhe junto com outros líderes para lidar com problemas que nós todos enfrentamos. Nós esperamos que a nova administração vá colocar o estado de direito no centro de sua política doméstica e internacional.
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