domingo, 7 de dezembro de 2008

Islâmicos e Índia

Matéria da Folha de São Paulo do dia 7 de dezembro de 2008 aborda a questão das minorias muçulmanas que vivem na Índia.


Pobreza, partilha e EUA isolam islâmicos

Raul Juste, enviado a Mumbai

Historiador vê preconceito contra minoria muçulmana na Índia
Para Ramachandra Guha, educação e inclusão social são a chave para evitar alienação e frear o avanço do extremismo no país
Segundo o historiador Ramachandra Guha, 50, o radicalismo islâmico na Índia se alimenta da situação de pobreza dos muçulmanos no país, dos efeitos da partilha que originou o Paquistão, em 1947, e do patrocínio de guerrilheiros pelos EUA durante a Guerra Fria.
Autor de "A Índia depois de Gandhi" e diretor da organização New India Foundation, que promove o estudo da Índia contemporânea, ele foi considerado um dos cem intelectuais mais influentes no mundo pela revista "Foreign Policy". Abaixo, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha. (RAUL JUSTE LORES)

Al Qaeda recruta
"A Al Qaeda já começou a recrutar na Índia os muçulmanos mais angustiados com sua situação. Os muçulmanos indianos não podem se sentir de lado. Devem ser levados ao sistema de educação moderno, estimulados a aprender inglês, hoje decisivo para se empregar bem na Índia. Durante muito tempo, o governo era negligente com a educação. Hoje vivemos uma fase de empolgação, todo mundo quer estudar."

Sem Justiça
"Em 2002, cerca de 2.000 muçulmanos foram mortos em um massacre. Era resposta a um atentado de radicais islâmicos, que por sua vez foi revanche pela destruição de uma mesquita. Mas nenhum dos assassinos foi levado à Justiça, o que só fortalece os radicais."

Pobres ficaram
"No movimento pela independência da Índia nos anos 30 e 40, a classe média começou a se mudar para o que hoje é o Paquistão na esperança de ter uma nação muçulmana. Empresários, comerciantes, médicos, universitários migraram em massa. Os pobres muçulmanos ficaram na Índia. Há poucos advogados, professores. Muitos matriculam seus filhos em escolas religiosas, não estão na educação moderna."

Preconceito
"Não há discriminação oficial, mas há preconceito. Os muçulmanos estão atrás na educação, e há preconceito velado. Tenho certeza de que um médico muçulmano, próspero em Bangalore, terá dificuldades para alugar um apartamento de indianos. Não é discriminação institucional, é cultural, leva tempo para mudar."

Guerra Fria
"O Paquistão é aliado americano desde 1954. A Índia era próxima da União Soviética. Quando os soviéticos invadiram o Afeganistão, os americanos armaram os guerrilheiros muçulmanos. Nos anos 80, o Paquistão viu a emergência desses fundamentalistas patrocinados pelos EUA, que hoje controlam cada vez mais setores da Justiça, da educação e das Forças Armadas. Ninguém controla os predicadores mais radicais, que pedem a destruição da Índia nas mesquitas."

Revanche
"A tensão do Paquistão com a Índia é religiosa, mas tem algo de revanche. A Índia apoiou o movimento separatista de Bangladesh, que se tornou independente do Paquistão em 1971. O Paquistão nunca a perdoou. Nações, como indivíduos, têm memória. O sucesso econômico recente da Índia é uma explicação menor."

Caxemira livre
"A presença militar na Caxemira é excessiva. Há muitos abusos contra os direitos humanos lá. Há uma espiral de violência. Não era um movimento sectário, mas foi tomado pelos radicais, o que acaba justificando mais repressão pelo Exército da Índia e novas revanches por seus excessos. A Índia não entregará a Caxemira. Pode até dar mais autonomia, mas não interessa a ninguém uma Caxemira livre, que cairia nas mãos da Al Qaeda."

Sem harmonia
"O nacionalismo indiano de Gandhi e Nehru estava comprometido com a criação de um Estado laico, de harmonia entre as minorias, mas, nos anos 60 e 70, com a disputa pela Caxemira, a direita nacionalista cresceu, acha que os muçulmanos não fazem parte da Índia.

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