quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos III

A Folha de São Paulo publica no dia 10 de dezembro de 2008 entrevista com Sérgio Adorno acerca dos efeitos da Carta de Direitos Humanos da ONU.


'Omissão também é violação'

Clara Fagundes, da redação
Vácuo institucional alimenta animosidades e solapa Declaração Universal dos Direitos Humanos, diz Sérgio Adorno

Para sociólogo, ações internacionais têm sido ineficazes na reconstrução de Estados; casos como o de Guantánamo são paradoxo
A omissão do Estado é também uma forma de violação humanitária, afirma Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Violência da USP. Otimista sobre o efeito prático da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sexagenária hoje, o sociólogo disse à Folha que o tema se impôs nas relações entre países, embora a eficácia das convenções internacionais ainda seja "um grande desafio".

FOLHA - Qual o legado da Declaração Universal dos Direitos Humanos após 60 anos?
SÉRGIO ADORNO - O principal legado é o reconhecimento de que, apesar das diferenças étnicas, religiosas, sexuais, políticas, econômicas, culturais e de poder, todos têm direito a ter direitos. O principal deles é o direito à vida, do qual decorrem as liberdades civis, políticas e os direitos coletivos.

FOLHA - A declaração produziu consciência sobre os direitos humanos. Mas como esse reconhecimento internacional se traduz em ações práticas?
ADORNO - Essa consciência sobre os direitos humanos resultou em convenções assinadas por diversos Estados. Além da própria declaração de 1948, há hoje convenções internacionais sobre os direitos de grupos específicos, como mulheres e crianças, de repúdio a práticas como o racismo e o genocídio.
A ampliação e a eficácia das convenções ainda é um grande desafio, mas acho que muita coisa aconteceu nesses 60 anos.
Foram criados, no âmbito da própria ONU, mecanismos de fiscalização, como sanções e tribunais. Os direitos humanos são uma pauta constante das relações internacionais.

FOLHA - A principal crítica à Comissão de Direitos Humanos da ONU era o seu viés político. Até que ponto o Conselho de Direitos Humanos, que a substituiu em 2006, representa um avanço?
ADORNO - A pressão política é muito forte nos fóruns internacionais. Mas a iniciativa da comissão de visitar os países e fazer relatórios é uma forma de pressão. O monitoramento é feito também por agentes do Estado, sobretudo, não-governamentais. Estamos falando, porém, de relações políticas...
Há países que limitam a visita das comissões, o que é grave.

FOLHA - É o que ocorre em Guantánamo [base militar, em Cuba, onde os EUA mantêm os detidos da "guerra ao terror"]...
ADORNO - O caso de Guantánamo é um contra-senso. Os EUA alegam que os detidos são terroristas e não prisioneiros de guerra. Mas você não pode excluir pessoas da comunidade humana; o direito à defesa e à dignidade se aplica a todos, independentemente dos crimes que possam ter cometido.

FOLHA - Os direitos humanos surgiram como uma afirmação do indivíduo face à tirania do Estado. O que muda hoje, quando a falência do Estado é considerada uma razão primordial de violações?
ADORNO - As violações não envolvem necessariamente uma intervenção ativa do Estado, mas também a omissão. O vácuo institucional cria um clima de todos contra todos. A ação internacional tem sido ineficaz quando é preciso restaurar as bases do Estado.

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