quarta-feira, 22 de julho de 2009

Paraguai poderá vender excedente, decide Lula

Valor Econômico

22/07/2009

Energia: Decisão passa, porém, pela alteração de duas leis e é difícil que seja implementada no curto prazo

Daniel Rittner e Paulo de Tarso Lyra, de Brasília

Em meio às posições divergentes do Itamaraty e do Ministério de Minas e Energia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva arbitrou a favor da diplomacia: o Paraguai poderá vender a energia excedente de sua cota da usina hidrelétrica de Itaipu, diretamente e de forma gradual, no mercado livre brasileiro. No entanto, há grandes chances de que a decisão não tenha nenhum efeito prático no curto prazo, como desejam as autoridades do setor elétrico.

Para permitir a transação, será necessário alterar pelo menos duas leis - a 5.899, de 1973, e a 10.438, de 2002. Ambas definem a Eletrobrás como responsável pela comercialização de todos os "serviços de eletricidade" de Itaipu. A primeira dá suporte ao tratado firmado entre os dois países. A segunda tratava essencialmente do Proinfa, mas também abrangia a negociação da energia da usina binacional. No sábado, em Assunção, deverão serão anunciados "grupos de trabalho" para encaminhar o assunto juridicamente e estabelecer o ritmo de acesso da autarquia paraguaia Ande ao mercado livre.

Hoje o Paraguai, que consome apenas 5% da energia produzida pela usina, vende o excedente de sua cota à Eletrobrás, pelo preço fixo de US$ 45. Isso gera US$ 120 milhões em compensações para o governo paraguaio, já descontando os recursos destinados a royalties e ao pagamento da dívida assumida por Itaipu Binacional para a construção da usina.

Lula poderá anunciar um pré-acordo com o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, mas precisará do consentimento do Congresso para tornar efetiva a atuação da Ande no mercado livre brasileiro. A avaliação, segundo fontes que participam das negociações, é que o assunto seja colocado em "banho-maria" pelo menos até as eleições presidenciais de 2010.

Todos os representantes do governo brasileiro se calaram sobre os termos do acordo, alegando que não vão "negociar pela imprensa". Apesar do mistério, foram dadas publicamente sinalizações de que algumas propostas deverão passar obrigatoriamente pelo Congresso, sem mudanças na essência do Tratado de Itaipu. "Dentro do tratado, existem alguns anexos que podem ser alterados. Essas mudanças também poderão vir de outros acordos internacionais firmados com o Paraguai. De qualquer maneira, essas alterações terão de ser aprovadas pelo Legislativo", disse Marco Aurélio Garcia, assessor de assuntos internacionais.

A Lugo, o governo brasileiro pode transmitir de que está empenhado em permitir o acesso da Ande ao país, mas um dos poucos resultados concretos para o Paraguai será o aumento no valor das compensações. Esse valor subirá imediatamente para US$ 240 milhões, mas os vizinhos querem mais. Sem comentar a possibilidade de elevar ainda mais esse montante, que fica aquém das pretensões paraguaias, Marco Aurélio afirmou que a saída busca manter "a fluidez nas relações entre os dois país", sem prejudicar a soberania brasileira. "O Brasil não vai rasgar dinheiro e jogá-lo pela janela. Como acreditamos que o Paraguai também não vá fazer isso."

O assessor disse que, nos cálculos feitos pelo governo, não estão previstos impactos inflacionários com as propostas feitas ao Paraguai. A única preocupação, segundo ele, é com a segurança energética brasileira. Marco Aurélio disse ser comum, em questões complexas como essa, divergências de pontos de vistas entre os vários setores do governo. Lembrou também que, no início do governo de Evo Morales, as relações entre o Brasil e a Bolívia eram conflituosas, mas que elas agora se estabilizaram para os dois lados. "Não fomos nós quem inventamos Itaipu nem a dependência do gás boliviano. Temos que administrar essas situações de forma responsável", disse.

Uma missão de negociadores brasileiros viaja hoje a Assunção para dar continuidade às discussões. O Ministério de Minas e Energia preocupa-se com o encarecimento das tarifas residenciais, já que o acesso do Paraguai ao mercado livre brasileiro pode tirar energia do mercado regulado. Nas distribuidoras do Sul e do Sudeste, incluindo grandes concessionárias como a Eletropaulo e a Cemig, a energia proveniente de Itaipu representa até 25% das suas carteiras de fornecimento.

Para evitar reflexos negativos nas tarifas, a entrada da Ande no mercado livre brasileiro deverá ser bastante gradual. Mas, além disso, fontes do governo argumentam que a situação atual do setor elétrico não preocupa. Há uma "sobra" de 4 mil MW médios até 2013 e o mercado livre tem mais oferta do que demanda. Segundo essas fontes, o Paraguai não teria como fazer contratos de curto prazo em valores superiores aos pagos pela Eletrobrás, de US$ 45 por megawatt-hora.

Nas propostas brasileiras, esse valor pode subir para US$ 47, no mínimo. O detalhe é que hoje, no mercado livre, os contratos entre fornecedores e grandes consumidores têm sido celebrados com preços em torno de R$ 90 por MWh. Em contratos de longo prazo, pode chegar a R$ 100 ou pouco mais do que isso. Ou seja, pelo menos hoje, não haveria vantagens ao Paraguai deixar de negociar com a Eletrobrás e vender sua energia excedente de Itaipu no mercado livre brasileiro.

Ontem, o presidente Lula se reuniu com seus principais auxiliares do setor elétrico no Centro Cultural Banco do Brasil (sede provisória do Executivo, enquanto o Palácio do Planalto está em reformas). Participaram o diretor-geral brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, o secretário-executivo de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, além de Marco Aurélio. O ministro Edison Lobão e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, estão em viagem aos Estados Unidos.

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