quarta-feira, 15 de julho de 2009

Conflito étnico eleva tensão entre a China e o mundo islâmico

Valor Econômico

15/07/2009

Religião: Repressão violenta à minoria uigur ameaça afetar interesses de Pequim em países muçulmanos

Agências internacionais

Um dos principais resultados da repressão violenta do governo da China contra a minoria muçulmana uigur, em Xinjiang (oeste do país), pode ser uma grande indisposição com o mundo islâmico. Até agora, poucos países de maioria muçulmana criticaram abertamente a China, já que muitos deles têm relações econômicas importantes com Pequim e não praticam a democracia dentro de suas próprias fronteiras. Mas há sinais de insatisfação crescente entre religiosos e grupos islâmicos.

"Esperamos que os países muçulmanos relevantes e os muçulmanos reconheçam a verdadeira natureza do incidente de 5 de julho em Urumqi", disse Qin Gang, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China. "Não é uma questão de religião ou de grupos étnicos. [Os choques] tinham o objetivo de sabotar a unidade da China e sua solidariedade étnica", completou, dando uma indicação de que o governo chinês está preocupado com sua imagem no mundo islâmico.

A China mandou milhares de soldados para a região de Xinjiang nos últimos dias, impondo um rígido controle sobre sua capital, Urumqi, e sobre as áreas próximas, depois que a erupção de violência étnica da semana passada deixou mais de 180 mortos e 1,7 mil feridos.

Os cerca de 9 milhões de uigures que vivem na região de Xinjiang reclamam do fluxo de chineses han - a maioria étnica do país, com cerca de 90% da população de 1,3 bilhão - e do controle sobre a religião muçulmana. Eles acusam a comunidade han de discriminação e dizem que o Partido Comunista tenta acabar com a língua e a cultura uigures. Ao todo, há cerca de 30 milhões de muçulmanos na China.

Críticas mais ferrenhas a Pequim poderiam afetar os lucrativos laços comerciais dos países islâmicos com a China ou até mesmo chamar a atenção para seus próprios problemas internos de direitos humanos.

Países muçulmanos que não têm maioria árabe, como o Irã e a Turquia, estão entre os poucos que criticaram a China. A Turquia tem laços étnicos com a minoria uigur. O Irã, que está ocupado lidando com suas próprias crises internas após uma eleição presidencial polêmica, criticou também, mas cléricos importantes do país reclamam da reação pouco incisiva.

A resposta mais agressiva foi do governo turco. A violência na China vem provocando protestos diários na Turquia, cuja população tem ligações étnicas, culturais e linguísticas com os uigures. Cerca de 5 mil pessoas protestaram no fim de semana contra a violência étnica, pedindo uma reação do governo turco.

O premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, comparou a situação em Xinjiang a um genocídio. Um jornal estatal chinês reclamou ontem da declaração de Erdogan e pediu uma retratação.

O ministro da Indústria turco conclamou a população a não comprar produtos chineses. O governo, porém, não tem planos ainda para um boicote oficial.

No Irã, o chanceler Manouchehr Mottaki, discutiu por telefone com o chanceler chinês a situação dos uigures em Xinjiang.

Mas a tímida reação oficial não foi bem recebida por cléricos importantes, que condenaram a repressão e pediram ao governo iraniano que reclame com mais veemência com Pequim. "O silêncio e a indiferença em relação à opressão do povo é um vício imperdoável", disse o grande aiatolá Youssef Saanei, um importante líder religioso do país, que também criticou seu próprio governo por causa da repressão violenta aos protestos contra fraudes nas eleições presidenciais de 12 de junho.

Na maior parte do Oriente Médio e do mundo árabe, no entanto, a violência na China gerou poucas reações. Os regimes árabes "não podem criticar os ataques aos muçulmanos chineses porque eles mesmos não têm democracias", disse Labib Kamhawi, analista político jordaniano. "Eles estão no mesmo barco do governo chinês."

A China é o maior parceiro comercial de diversos países árabes, entre eles Sudão, Arábia Saudita e outros ricos produtores de petróleo do Golfo Pérsico. É o terceiro maior parceiro da Jordânia.

Entretanto começaram a aparecer ameaças de grupos extremistas. Dois sites afiliados à rede terrorista Al-Qaeda pediram que seus apoiadores matassem chineses da etnia han no Oriente Médio. Há cerca de 50 mil trabalhadores chineses em países como Argélia e Arábia Saudita.

"Cortem suas cabeças em seus locais de trabalho ou em suas casas para mostrar que o tempo em que se poderia escravizar muçulmanos acabou", disse o pedido postado em um dos sites.

Pequim se manifestou ontem dizendo que tomará todas as medidas necessárias para proteger seus trabalhadores no exterior. A Chancelaria da China também pediu aos turistas chineses no exterior que tomassem cuidado.

A Stirling Assynt, empresa de inteligência e segurança com sede em Londres, disse que a "ameça tem de ser levada a sério". A empresa afirma que três semanas atrás, um grupo islâmico atacou um comboio de soldados argelinos que protegiam engenheiros chineses trabalhando no país africano. Mais de 20 soldados acabaram mortos.

O grupo extremista que se diz representante da Al-Qaeda na África do Norte foi fundado em meados dos anos 90 e jurou fidelidade a Ossama bin Laden em 2003.

Foi o primeiro grupo a reagir formalmente à violência em Xinjiang, disse a Stirling Assynt. A companhia afirmou que houve um aumento na troca de e-mails entre militantes que defendem uma guerra santa em Xinjiang. Muitos deles falam em "vingar as injustiças" cometidas contra os uigures chineses.

"Algumas dessas pessoas vêm tentando ativamente conseguir informações sobre projetos chineses no mundo muçulmano, que poderiam ser alvos de ataques", segundo a Stirling Assynt.

Na Ásia Central, a violência étnica na China também provoca um temor de que outras comunidades uigures se levantem. Cerca de 500 mil uigures vivem nos países centro-asiáticos que foram parte da extinta União Soviética.

Até agora, essas comunidades uigures têm se mostrado controladas pelos governos e elas mesmas se mostram temerosas de que as forças de segurança desses países se mostrem especialmente violentas, como forma de acalmar a China, que é o gigante regional.

"Isso tem sido um forte baque psicológico para os uigures no Cazaquistão", disse Khakhriman Khozhamberdi, líder de um movimento político uigur no país. Cerca de 300 mil uigures vivem no Cazaquistão, sendo a maior concentração da etnia fora da China.

A maior parte dos uigures na Ásia Central é de descendentes dos refugiados que escaparam de Xinjiang durante a conquista chinesa da região, na década de 1870.

Durante a era soviética, a China tinha pouca influência sobre o Cazaquistão. Hoje, a influência de Pequim vem crescendo rapidamente ali. Em abril, o governo chinês emprestou US$ 5 bilhões ao país em troca de maior participação no setor energético cazaque.

Askhat Namanov, líder de um grupo de direitos uigures no Quirguistão, disse que não haveria protestos no país porque é época de campanha eleitoral e poderia haver "atos de provocação". Há cerca de 60 mil uigures no país.

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