Folha de S. Paulo
12/07/2009
Kathrin Hille, Richard MCgregor, do ''Financial Times''
ANÁLISE
No passado, a montanha Yamalik era conhecida como "Montanha Fantasma". Ninguém ousava se assentar nas encostas nuas localizadas no limite oeste de Urumqi, capital da Província de Xinjiang, porque os moradores locais temiam que as almas dos mortos, caso perturbadas, passassem a assombrar os vivos. Mas, ao longo das últimas cinco décadas, migrantes -em sua maioria uigures- de regiões rurais pobres de Xinjiang começaram a se acomodar nas colinas, em casebres de barro e folhas de plástico, cercados por seus próprios detritos, sem acesso a água encanada, esgoto ou serviços de saúde. Hoje, Yamalik abriga uma favela com 50 mil pessoas e serve como microcosmo para os problemas que eclodiram violentamente no domingo passado, com saldo de 184 mortos (segundo as autoridades, a maior parte da etnia han, a dominante na China) e um legado de profundo antagonismo. "A economia de Xinjiang vive rápido crescimento, mas a satisfação dos grupos de baixa renda está em queda", disse Abdurrazak Timur, da Academia de Ciências Sociais de Xinjiang. A China tem muitos cidadãos pobres, e todos têm muito de que se queixar. Mas a raiva entre os han é, ao menos parcialmente, compensada pela sensação de serem parte da grande nação chinesa. Os uigures, como os tibetanos, se sentem excluídos política e economicamente. Nenhum dos dois grupos aspira ser parte de um país e de uma sociedade que não parecem aceitá-los como iguais. Em outra semelhança com o Tibete, Xinjiang tem importância estratégica para a China. A Província é rica em petróleo e gás natural e tem áreas agrícolas grandes e produtivas. Seu PIB foi de US$ 60 bilhões em 2008, ante US$ 7,8 trilhões para toda a China.
Disparidade crescente
Mas dados oficiais indicam que, entre a população de baixa renda, a maior parte pertence às minorias. Segundo estatísticas oficiais, a disparidade de renda entre as áreas urbanas, onde os han predominam, e as rurais, de maioria uigur, se ampliou de 2,1 vezes em 1980 para 3,24 vezes em 2007. Jiang Zhaoyong, jornalista político que trabalha em Pequim, disse que os uigures sempre resistiram à ideia de que Xinjiang seja parte da China. "A psicologia coletiva entre os uigures é a de que aquela terra é deles", afirma. Num Estado moderno, cuja base foi o restabelecimento da soberania sobre o amplo império chinês, as queixas dos uigures e dos tibetanos sobre suas condições de vida são facilmente distorcidas para que pareçam parte de um complô cujo objetivo seria dividir o país. "A China faz pouca distinção entre separatistas, terroristas e ativistas de direitos humanos, sejam eles uigures, tibetanos, taiwaneses ou membros da seita Falun Gong", diz Dru Gladney, do Pacific Basin Institute, no Pomona College (EUA). Documentos oficiais alertam para "uma severa ameaça" de separatismo e radicalismo religioso em Xinjiang. A resposta do Partido Comunista é acelerar a tentativa de transformar a Província em algo mais parecido com o resto da China. Como já aconteceu em outras regiões, autoridades pressionam pela urbanização e migração de trabalhadores. Também têm expandido as conexões rodoviárias e ferroviárias aos rincões mais remotos do sul de Xinjiang, a fim de levar mais turistas à região e reforçar a magra renda dos agricultores. E o governo está enviando crianças locais para escolas de outras partes da China, para que recebam educação de segundo grau. Mas muitos representantes de minorias veem nisso uma maneira de fazer com que os estudantes esqueçam suas raízes e sua identidade étnica e cultural. Isso reforça a sensação, entre minorias, de desrespeito por parte do governo dos chineses han. "Os professores sempre consideram os han os melhores alunos. Sempre nos tratam com desdém", afirma Abulaiti, aluno de 15 anos.
Linha-dura
Depois dos distúrbios de domingo passado, a linha-dura retomada pode ser suficiente para devolver a calma a Xinjiang, pelo menos no curto prazo. Mas a raiva quanto à repressão e o medo de retaliação entre os han estão se espalhando rapidamente por outras partes da Província. Ilham Tohti, economista e blogueiro uigur, costuma contar a história de Crimea, empresário uigur rico e de sucesso, mas frustrado por os chineses han não o tratarem como igual. Crimea decidiu aprender dialetos chineses e deixar de lado a dieta muçulmana. Mesmo depois de receber transfusão de oito litros de sangue han, continuou a ser tratado como pária. Na última terça-feira, Tohti foi visitado pela segurança estatal. Acusado de promover sentimentos de hostilidade aos chineses, terminou detido. Não há informações sobre o seu paradeiro desde então.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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