segunda-feira, 13 de julho de 2009

Entrevista: "Na Venezuela, é Davi contra Golias"

Época

13/07/2009

Murilo Ramos
O político de oposição conta como é difícil lutar contra a máquina pública e o poder de Hugo Chávez

Na semana passada, Leopoldo López, 38 anos, desembarcou em Brasília para participar de uma audiência pública no Senado Federal. Adversário do presidente Hugo Chávez, López veio ao Brasil a convite do DEM para dar seu depoimento sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul. Com argumentos de um político que estudou na Universidade Harvard, López disse que a Venezuela deve entrar no Mercosul – mas quando se tornar um regime democrático. Um dos mais populares políticos da oposição a Chávez, ele se queixa da indiferença da Organização dos Estados Americanos (OEA) diante das denúncias da oposição. Também afirma que não se pode olhar a integração apenas pelo lado econômico, que gera muitos benefícios ao Brasil. A seguir, trechos da entrevista que deu a ÉPOCA.

Anderson Schneider QUEM É
Economista formado na Kenyon University, nos Estados Unidos, com pós-graduação em políticas públicas em Harvard. Em 2008, foi apontado como o terceiro melhor prefeito do mundo pela ONG City Mayors

O QUE FEZ
Por duas vezes, foi prefeito de Chacao, na Grande Caracas. Na primeira vez, teve 51% dos votos. Na segunda, 80%. Acusa o governo de ter cassado seus direitos políticos usando pretextos administrativos

ÉPOCA – O senhor se diz favorável ao ingresso da Venezuela no Mercosul, mas não agora. Por quê?
Leopoldo López – Somos a favor da integração sul-americana. Se algo não vai mudar é que Brasil e Venezuela sempre estarão lado a lado. Mas a discussão não pode se restringir à questão econômica, pois estamos falando também de um bloco político. Pelos protocolos do Mercosul, é necessário que todo país cumpra o requisito de ser uma democracia saudável. Não é o caso da Venezuela hoje.

ÉPOCA – Por quê?
López – Por diversas razões. Não há autonomia dos poderes públicos e não existe respeito à vontade popular. O governo busca o ingresso no Mercosul por questões políticas. Quer usá-lo como uma plataforma de discurso no continente, inclusive para seguir com o antagonismo aos Estados Unidos. O incrível é que, na Venezuela, não houve discussão sobre o Mercosul. O assunto nem sequer passou pela Assembleia Nacional. Não foi discutido com os empresários, nem com os sindicatos, nem com os partidos políticos. Tivemos um processo completamente diferente daquele vivido nos outros países do Mercosul. Só o Poder Executivo opinou.

ÉPOCA – O governo brasileiro defende o ingresso da Venezuela no Mercosul, mesmo com Hugo Chávez na Presidência.
López – Do ponto de vista econômico, o Brasil foi bastante favorecido na balança comercial nos últimos anos. Em 1998, as exportações brasileiras eram de US$ 300 milhões para a Venezuela. Hoje são de US$ 5,5 bilhões. Isso mostra o significado da Venezuela para o Brasil. Mas a balança econômica piorou para a Venezuela. E, por essa razão, insisto que deveria haver uma discussão na Venezuela sobre o impacto desse ingresso. No aspecto político, seria importante que os governos dos países do Mercosul avaliassem a situação da democracia na Venezuela. Seria irresponsável ver somente a questão econômica, sabendo que há sérios problemas em relação à democracia venezuelana. Não se pode falar em democracia quando não há autonomia dos poderes públicos. Imagine se o governador de São Paulo ganhasse as eleições e, dois meses depois de assumir, lhe tirassem suas competências. É isso o que está acontecendo na Venezuela. O prefeito que me substituiu, na cidade de Chacao, enfrentou um verdadeiro golpe de Estado. Perdeu suas atribuições tradicionais sobre segurança, saúde, educação e infraestrutura.

ÉPOCA – Por que o senhor não conseguiu se candidatar à prefeitura de Caracas?
López – Fui inabilitado. Não posso me candidatar nem ter função no Estado. Essa inabilitação viola a Constituição e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Para ser impedido de disputar uma eleição, eu teria de receber uma sentença definitiva de um tribunal. Nem julgado fui. Fui eleito com 51% dos votos e reeleito com mais de 80%. Uma organização internacional me escolheu como o terceiro melhor prefeito do mundo. Podemos chamar de democracia saudável um país em que o governo, com medo de perder a eleição, tira o candidato concorrente da disputa? Isso não acontece no Brasil, nem no Chile, nem na Argentina.

ÉPOCA – Por que os vizinhos silenciam sobre esses problemas?
López – Estou no Brasil por isso. Para nós, é Davi contra Golias. É uma situação em que o governo venezuelano investe bilhões de dólares em negócios em vários países. O governo se apresenta como uma democracia saudável, que enfrenta os problemas fundamentais da população. Mas não conta a outra metade da história. Em 1998, quando esse governo chegou, foram registrados 4 mil homicídios. No ano passado foram 18 mil. A Venezuela passou a ser o país mais perigoso do continente americano. E Caracas é a cidade mais perigosa.

"A Venezuela passou a ser o país mais perigoso do continente
americano. E Caracas é a cidade mais perigosa"

ÉPOCA – Recentemente, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, fez uma greve de fome. Por quê?
López – Ele queria chamar a atenção da Organização dos Estados Americanos (OEA). Quer que a OEA avalie e aplique a carta interamericana que versa sobre as condições da democracia, que são violadas em Caracas e noutros lugares do país. Insulza (José Miguel Insulza, secretário-geral da OEA) aceitou avaliar o caso venezuelano. Esta semana, uma comissão irá a Washington para mostrar o que está ocorrendo em Caracas e em outros quatro Estados.

ÉPOCA – O que a OEA tem feito em relação a Chávez nos últimos anos?
López – Vistas grossas. Não tem se pronunciado. Estive com Insulza para falar sobre os problemas em Caracas. Em particular, ele disse: não pode ser que esteja acontecendo isso, é uma barbaridade, é contra a Constituição. Mas, publicamente, não disse nada, até a greve de fome de Ledezma. O comportamento de Insulza em relação à Venezuela tem níveis graves de hipocrisia, ao não atender o que é de sua responsabilidade como secretário-geral: zelar pela democracia e pelos direitos humanos.

ÉPOCA – O que Chávez fez com a economia da Venezuela nos últimos anos?
López – O país tem um ponto de partida que temos de superar: a dependência do petróleo. Quando (Chávez) chegou, em 1998, o barril de petróleo valia US$ 9. No ano passado, chegou a US$ 150. Isso fez da Venezuela uma economia forte internamente. Só que ela está cada vez mais debilitada e dependente do petróleo. Hoje, a Venezuela importa 70% do que consome. Importa insumos de que antes não precisava: ovo, frango, carne e leite. Houve uma contração tremenda do setor privado. Entre outras coisas, por falta de estabilidade jurídica. Nos últimos oito meses, houve 170 confiscos e expropriações. Isso gera insegurança para os investimentos. Nos últimos dois anos, a Venezuela nacionalizou e confiscou o equivalente a US$ 23 bilhões e só pagou US$ 6 bilhões. Isso aconteceu em todas as áreas. A expropriação só responde a critérios políticos. Estamos observando que, nas empresas nacionalizadas, o governo não está cumprindo as convenções coletivas, principalmente na área de petróleo. Essa arbitrariedade, muitas vezes, é mascarada com imensos recursos petroleiros que entraram na Venezuela nos últimos anos. É o boom mais importante da história da Venezuela desde 1922. Mas não houve fortalecimento da economia que não é ligada ao petróleo nem atenção aos problemas básicos de infraestrutura e aos temas sociais. A Venezuela não tem um sistema de seguridade social. Com um governo que se considera socialista, não tem. Isso é para você ver as contradições.

ÉPOCA – Qual será seu futuro político? O senhor será prefeito ou presidente?
López – Estou tentando reverter minha inabilitação política. Meu caso foi admitido pela Comissão Interamericana de Diretos Humanos. Enquanto isso, articulo um movimento social. Nossa principal intenção é organizar os venezuelanos em torno de seus direitos.

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