quarta-feira, 15 de julho de 2009

Crise e integração na Ásia

O Estado de S. Paulo

15/07/2009

Wilhelm Hofmeister
Os guindastes de construção são o símbolo moderno de Cingapura e até aos domingos levantam peças para os novos escritórios e condomínios, cada vez mais altos. Dia a dia uma multidão passa pelos inúmeros shoppings com lojas de grifes internacionais. É aquela crise de que no resto do mundo falam tanto?
A Ásia tenta arrostar a crise. Não lamenta. Autoconfiança e otimismo marcam as atitudes. Os asiáticos sabem que sairão fortalecidos da crise e aumentarão tanto a sua participação na economia global como a sua influência política.
O setor financeiro está praticamente intacto porque os ajustes já introduzidos na região dificultaram uma participação no pôquer financeiro internacional. Não há crise de liquidez. Na Malásia, por exemplo, com muita satisfação indicam que tiraram as lições corretas da crise asiática ocorrida há dez anos, quando regularam o seu setor financeiro - contra os "bons" conselhos do Fundo Monetário Internacional e a crítica dos países industrializados. Não obstante isso, com a recessão nos EUA e na Europa, que são os principais importadores de produtos asiáticos, as economias reais da Ásia também são atingidas pelas consequências da crise global.
Isso vale sobretudo para as grandes economias do continente, China e Japão. Mas também o grupo da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) sente a crise em três aspectos: reduziram-se as exportações, os investimentos e as transferências dos trabalhadores emigrantes, que têm um grande significado para alguns países, como Filipinas ou Vietnã. Em consequência, aumentaram o desemprego e o trabalho informal e precário. Mesmo que a situação econômica em geral melhorasse logo, demoraria muito até se recuperarem os danos sociais. O Banco do Desenvolvimento Asiático estima que aproximadamente 60 milhões de pessoas já caíram abaixo da linha de pobreza como consequência da crise.
Juntamente com as pessoas, as relações bilaterais e externas da região foram atingidas pela crise. Por isso, em diferentes lugares da Ásia se pode ouvir neste momento a proposta de duas providências a tomar: por um lado, deveria ser reduzida a dependência do Ocidente e, por outro, a Ásia deveria assumir mais responsabilidade no âmbito internacional. Pois também aqui muita gente pensa que está sofrendo as consequências de uma crise que vem de longe. O papel dominante dos EUA na economia mundial claramente está sendo posto em dúvida.
Para fortalecer a própria posição a Ásia deveria aprender a falar como uma só voz. Ouve-se essa demanda com frequência - junto com as críticas ao nível de integração regional alcançado até agora. Como na América Latina, na Ásia existem múltiplas iniciativas de integração, que funcionam de modo precário. Aqui, as diferenças culturais, idiomáticas, econômicas e políticas são muito maiores do que em qualquer outra parte do mundo. Mas, com vista à crise global, o debate sobre a integração regional ganhou nova força.
Isso vale especialmente para o Leste e o Sudeste da Ásia, incluindo a China. Pequim, por um lado, pretende estar mais ativo na economia global. Por outro, é incerto quanto às reações que causam o seu maior engajamento. Também por isso, a China ultimamente deu alguns passos para ganhar a confiança dos seus vizinhos, por exemplo, por meio da recuperação das suas relações com o Japão e, especialmente, da crítica aberta aos testes atômicos da Coreia do Norte.
A Asean, com seus dez países membros, que somam 600 milhões de pessoas - um pouco mais do que toda a América Latina -, é o projeto de integração mais avançado na Ásia. Após o choque e a paralisação desses países por causa da crise financeira de 1997, começaram a procurar caminhos que possam evitar crises semelhantes no futuro. Descobriram o nível da interdependência do Leste e do Sudeste Asiático. E tiraram a conclusão de que, para serem relevantes como países no futuro, é necessário fortalecer a coesão regional. Os líderes de Estados combinaram fortalecer a associação e criar uma Comunidade Asean, com três pilares: uma comunidade econômica, uma comunidade política e de segurança e uma comunidade sociocultural. Até 2015 essa Comunidade Asean deverá ser construída.
Um desenho concreto da ambiciosa comunidade econômica já foi apresentado. Não obstante, sua realização está demorando. "À Asean nunca faltaram grandes declarações e iniciativas. Mas a sua implementação sempre é muito medíocre" - assim comenta o processo Yeo Lay Hwee, do instituto regional Iseas em Cingapura.
A constituição da comunidade política, outrossim, avança lentamente. Após largas discussões, foi aprovada, em novembro de 2008, uma Carta Asean, em que pela primeira vez a democracia e o respeito dos direitos humanos foram indicados como normas para a organização interna dos Estados membros do grupo. Os críticos, no entanto, reclamam que o princípio de não-intervenção nos assuntos internos foi confirmado, assim como o procedimento de consenso e unanimidade nos processos de decisão. O regime militar em Mianmar, que é membro da Asean, então não vai ter de enfrentar críticas abertas dos seus vizinhos quando reprime a oposição violentamente. A Carta não criou novos arranjos institucionais. Por isso alguns observadores, frustrados, temem que junto à Asean os países do Sudeste Asiático possam perder espaço de atuação no contexto regional e global.
Em Cingapura, centro dinâmico e motor do Sudeste Asiático, nota-se essa frustração. Aqui se sabe muito bem que a relevância da região somente alcança peso real por meio da cooperação entre os vizinhos e que, na próxima fase de crescimento, como diante de crises futuras, o aperfeiçoamento da integração regional será um instrumento adequado para fortalecer os interesses comuns. Não obstante, traduzir essa intenção em decisões políticas é um processo afanoso.
Wilhelm Hofmeister é diretor do Centro de Estudos da Fundação Konrad Adenauer em Cingapura

Nenhum comentário: