Carta Capital
13/07/2009
Eduardo Graça
Na semana em que o golpe de Estado em Honduras teve sua primeira vítima, a pressão para que os EUA intervenham de forma mais incisiva na política centro-americana aumentou significativamente. A morte de Isis Obed Murillo, 19 anos, nas cercanias do Aeroporto Internacional de Tegucigalpa foi, de acordo com diplomatas norte-americanos, o trágico evento que impulsionou o governo golpista a iniciar negociações formais com o presidente deposto Manuel Zelaya, a partir da quinta-feira, na Costa Rica, sob interferência direta da secretária de Estado, Hillary Clinton. No domingo, usando um avião cedido pelo governo da Venezuela, Zelaya tentou sem sucesso retornar à capital hondurenha. Em terra firme, milhares de manifestantes e soldados entraram em choque e, de acordo com a Human Rights Watch (HRW), há evidências de que os militares dispararam contra ativistas pró-Zelaya.
“A violência das Forças Armadas e o tamanho da multidão, a maior desde o golpe, aumentam a pressão sobre os EUA para encontrar uma solução para o impasse. O cenário parece muito com a tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002, só que o Exército hondurenho tem mais prática do que o venezuelano em táticas repressivas. Daqui foi orquestrada a série de assassinatos nos anos 80 contra cidadãos de El Salvador e Nicarágua”, aponta o economista Mark Weisbrot, presidente da ONG Just Foreign Policy e colunista da rede de jornais McClatchy-Tribune, em artigo publicado na quinta-feira no The Huffington Post. Para Weisbrot, uma das mais reveladoras manifestações sobre a natureza do golpe veio do principal porta-voz legal das Forças Armadas, o coronel Herberth Inestroza, que disse “ser muito difícil para nós, com nosso treinamento, aceitar um governo de esquerda. Na verdade, é impossível”. Tanto Inestroza quanto o líder militar do golpe, o general Romeo Vázquez, receberam treinamento na Escola das Américas, denunciada por grupos de direitos humanos por conta do desenvolvimento de prática de torturas aplicadas contra militantes de esquerda nos anos 60 e 70 pelas ditaduras militares instauradas com apoio de Washington na América Latina.
Em relatório produzido sobre o confronto de domingo, a HRW dá conta de que pelo menos dez outros cidadãos teriam sido feridos à bala, com possivelmente mais uma vítima fatal. “As evidências que analisamos, em vídeo e fotos, sugerem que os soldados atiraram contra manifestantes desarmados. O governo provisório tem a obrigação de iniciar uma investigação independente imediatamente”, diz José Miguel Vivanco, diretor da HRW para as Américas.
O ministro das Relações Exteriores do governo provisório, Enrique Ortez, afirmou que, se houve algum ferido, a culpa é dos manifestantes, já que as Forças Armadas usaram apenas balas de festim. Ortez notabilizou-se por ter dito em entrevista para uma rádio local que o presidente Barack Obama é “um negrito que não sabe de nada”. O vídeo e as imagens de Obed Murillo, ferido na cabeça, sendo carregado pelos manifestantes correu mundo, assim como a maquiagem feita pelo jornal La Prensa, que apoia o golpe, com o sangue sendo eliminado da foto, apresentado como um exemplo da manipulação da mídia pelo governo hondurenho.
A cena dramática aumentou ainda mais a pressão da comunidade internacional contra o governo golpista, mas não arrefeceu a oposição. O descontentamento da classe média não diminuiu desde a última pesquisa sobre o governo Zelaya, conduzida em outubro de 2008 pelo Gailup. O índice de aprovação do presidente - um fazendeiro transformado após as eleições em aliado bolivarianista de Hugo Chávez - beirava a casa dos 25%. Nas ruas de Honduras, as manifestações contra o presidente deposto ainda são mais numerosas do que as de seus seguidores. "De 70% a 80% dos hondurenhos não querem o retorno de Zelaya. Ele e seus partidários são ladrões, corruptos, mentirosos. E é impossível governar um país apenas com os sindicalistas, sem o Legislativo, o Judiciário, a sociedade civil, as igrejas e O empresariado", diz a pediatra Sandra Rivas, 41 anos, que vive na cidade operária de San Pedro Sula, a segunda maior do país.
Rivas, que tem família no Brasil, lembra que a Constituiçao hondurenha não prevê um processo de impedimento legal do presidente pelo Congresso. E, com a negativa das Forças Armadas de garantir segurança do plebiscito que, há duas semanas, determinaria a convocação de uma Assembleia Constituinte, havia o receio de manipulação dos resultados pelo governo. Uma das intenções do presidente seria a de alterar a Constituição a fim de revogar aproibição da reeleição para cargos executivos.
O que os golpistas em Honduras - sede da principal base aérea norte-americana
na América Central - não contavam era com a defesa enfática da ordem democrática por Washington. "Os EUA apoiam a restauração imediata do presidente hondurenho, ainda que ele tenha se posicionado de forma clara contra a política externa norte-americana. Há, aqui, um princípio maior em jogo", afirmou esta semana o presidente Obama.
Durante a semana, a secretária de Estado, Hillary Clintun, negou-se a afirmar, depois de encontro oficial com Zelaya, que apoiava sua volta imediata ao poder: "'Nãn quero me adiantar às conversas em Casta Rica entre as duas partes". Mas Clinton negou-se a receber uma delegação do governo golpista e os EUA anunciara a suspensão total do programa de ajuda militar com Honduras, no valor de 16,5 milhões de dólares. Mais signicativo a maior economia do planeta congelou os 50 milhões de dólares que seriam enviados este ano para os 130 milhões aprovados pela ONU dentro do projeto Metas do Milênio.
Hillary Clinton foi a principal articuladora do encontro de quinta-feira em San José, mediado pelo Prêmio Nobel e presidente costa-riquenho Oscar Arias. Pela primeira vez Zelaya e Roberto Micheletti,que lhe tomou o posto e, há dois anos, era sua escolha para sucedê-lo no cargo, estariam frente a frente. Mas Zelaya deixou a casa de Arias pouco antes da checada de Micheletti. No caminho do hotel o presidente deposto disse que não está interessado em concessões e pediu o "restabelecimento do Estado de Direito, da democracia e do retorno ao poder do presidente eleito pelo povo hondurenho". Midieletti disse que não há negociações que considerem o retorno de Zelaya ao poder. O próximo passo, de acordo com o presidente costariquen, é um encontro com quatro representantes de cada grupo. Se houver avanços, um encontro entre os dois lideres será marcado.
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