O Globo
13/07/2009
Nobel da Paz diz que desejo por liberdade cresceu, mas oposição não é forte para obter mudanças profundas
ENTREVISTA Shirin Ebadi
Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003, acredita que os protestos no Irã continuarão até o governo de Mahmoud Ahmadinejad admitir que perdeu. Segundo a advogada de 62 anos, “o povo iraniano não aceitou em nenhum momento o resultado da eleição” e vai continuar a pressionar para que seja encontrada uma solução. Ebadi foi ameaçada de prisão, mas assim mesmo planeja voltar ao Irã em duas semanas.
Pessoas que trabalham com ela foram presas e sua ONG de direitos humanos, fechada. O marido de Ebadi, um engenheiro, foi também ameaçado. Em entrevista concedida em Bonn, cidade que visitou a convite da Deutsche Welle (emissora estatal que transmite uma hora por dia em farsi para o Irã), Shirin Ebadi pediu o fim da violência de Estado no Irã
Graça Magalhães-Ruether Correspondente
O GLOBO: A oposição ficou mais forte com a onda de protestos nas últimas semanas? SHIRIN EBADI: A oposição começou a se organizar, antes estava muito enfraquecida. Os 30 anos de ditadura e a evasão de intelectuais e dissidentes do país deixaram suas marcas na sociedade. Só agora o desejo de liberdade do povo começa a ficar mais intenso. Mas eu não acho que a oposição seja forte o bastante para conseguir uma mudança de regime. E até agora os manifestantes têm exigido reformas e não uma mudança radical do regime. Nós não queremos uma nova revolução porque a que tivemos e os oito anos de uma sangrenta guerra contra o Iraque foram o bastante. O povo iraniano quer lutar pacificamente por reformas. Os protestos continuarão até o governo admitir que perdeu a eleição.
Que saída a senhora vê para a crise?
EBADI: O povo iraniano, que em nenhum momento aceitou o resultado da eleição, deverá buscar uma solução. No primeiro dia de protesto ocorreu tudo de forma tão pacífica que não foi danificada nenhuma janela.
Quando as pessoas já queriam ir embora, partiram tiros de um prédio do governo.
Oito pessoas foram mortas.
Foi o início da brutalidade estatal. Por volta das três horas da madrugada, a polícia invadiu uma residência estudantil, matando cinco estudantes.
Depois disso, teve início uma onda de prisões. Até agora, foram presas 2.050 pessoas.
A senhora teve algum contato telefônico com o seu colega de trabalho na sua ONG, o advogado Abdolfattah Soltani, que foi preso?
EBADI: Nenhum contato. Mas ele não é o único caso. As mais de duas mil pessoas presas nas últimas semanas não tiveram contato nem com os próprios parentes, estão inteiramente isoladas.
Qual é a principal exigência da oposição? EBADI: Para que a calma volte ao Irã, o governo precisa tomar imediatamente certas medidas.
Precisa acabar com os atos de violência de Estado; todas as pessoas que foram presas devem ser libertadas; os parentes dos mortos e feridos devem ser indenizados; e, por fim, o governo deve aceitar o ingresso no país de uma comissão internacional, liderada pela ONU, para investigar os acontecimentos das últimas semanas. Agora, não se trata mais apenas da investigação se houve ou não fraude.
Precisamos investigar também os crimes.
Que tipo de ajuda a senhora espera do presidente americano Barack Obama?
EBADI: Nenhuma. A democracia não é um produto que pode ser exportado. Democracia é uma cultura. No Irã não temos atualmente a cultura democrática e, por isso, a ajuda de Obama não adiantaria.
Os manifestantes ficariam satisfeitos com o reconhecimento da vitória de Moussavi, o candidato da oposição?
EBADI: As pessoas vão às ruas por Moussavi mas, na minha opinião, o problema não é se o presidente é Moussavi ou Mahmoud Ahmadinejad. O nosso problema são as leis, o Conselho dos Guardiões, a discriminação das mulheres, a falta de respeito dos direitos humanos. O Estado assinou a Convenção de Diretos Humanos, mas ignora claramente essas normas. Temos pena de morte contra pessoas abaixo de 18 anos de idade. Além disso, temos o problema econômico.
A situação piorou drasticamente nos últimos anos. A inflação é alta, o nível de renda, baixo, e há uma elevada taxa de desemprego, que afeta principalmente os jovens, maioria da população.
Quais os maiores problemas para as mulheres no Irã?
EBADI: Para a lei do Irã, as mulheres são pessoas de segunda classe. Um homem pode casar com quatro mulheres, simultaneamente. O valor da vida de uma mulher é considerado apenas a metade do que tem a vida de um homem.
Se uma pessoa é atropelada, por exemplo, o seguro paga cem por cento se a vítima é um homem, mas apenas 50% se é uma mulher. Também na Justiça há diferenças, pois o testemunho de uma mulher tem menos valor do que o de um homem. Todas essas leis foram lançadas depois da revolução.
Nós nos sentimos traídos pela revolução, porque a defendemos há 30 anos como a luta por independência e liberdade. Mas nós fomos traídos por ela. Mas, voltando à situação da mulher iraniana: Ela é tão forte que, apesar da discriminação, ainda consegue fazer muito. Sessenta e cinco por cento das universitárias são mulheres. Principalmente as mulheres jovens não querem mais aceitar o papel de oprimidas, ao contrário da minha geração. E são as mulheres o alicerce dos grupos que têm protestado nas últimas semanas. Sem o trabalho das mulheres, não há chance de reformas no Irã.
A senhora acha possível a redução da influência religiosa no governo do Irã?
EBADI: Acho possível e sou favorável à separação entre religião e Estado. A história da Igreja na Idade Média na Europa mostrou como as pessoas podem ser manipuladas pela religião. O nosso regime faz o mesmo porque oprime as pessoas em nome do Islã.
Como a senhora reagiu à declaração do governo do Brasil a favor de Ahmadinejad? EBADI: Eu apenas espero que o presidente do Brasil acompanhe as notícias pela internet, informe-se sobre os crimes, as prisões, os delitos graves contra os direitos humanos praticados pelo atual governo.
Eu nunca visitei o Brasil, mas admiro muito o país.
Já li quase todos os livros de Paulo Coelho. Uma vez, encontreime com ele na Espanha e tive uma agradável surpresa, pois ele escreveu para mim uma poesia.
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