terça-feira, 14 de julho de 2009

Fim da guerra

O Globo

14/07/2009

Sohaku Bastos

Chega ao fim a guerra fratricida que lamentavelmente assolou a Republica Democrática Socialista do Sri Lanka durante os últimos 26 anos. O presidente Mahinda Rajapaksa anunciou oficialmente a vitória das forças do governo sobre o grupo rebelde separatista intitulado Tigres do Tâmil. Não obstante os protestos de alguns segmentos internacionais de direitos humanos em defesa da população civil envolvida no conflito, importante é que se ressalte a magnitude dos fatores étnicos e sociais que antecederam tal período, o que remonta há séculos de história.

O Sri Lanka, antigo Ceilão, foi domínio português entre os anos 1506 a 1650. Após este período, o país foi dominado pelos holandeses (1658-1880) e em seguida pelos britânicos (1880 até 1948). Portugueses e holandeses se estabeleceram mais no litoral do Ceilão, principalmente no sul. Os britânicos, todavia, optaram pelo interior e norte do país para promoverem o plantio do chá e exploração da borracha.

Integrante independente da comunidade britânica desde 1948, o Ceilão, que anos mais tarde (1972) passaria a se chamar Sri Lanka, apagou de vez a presença dos colonizadores. Entretanto, esses colonizadores que lançavam mão de políticas anacrônicas de governo, tais como “dividir para governar”, deixaram de herança um grande problema para o país — o desafio de enfrentar antigas diferenças e de integrar socialmente diversas tendências étnicas, religiosas e sociais. Nascia, então, o grupo rebelde Tigres de Libertação da Pátria Tâmil (LTTE, pela sigla em inglês) que questionava a discriminação sofrida pelo povo tâmil e reivindicava um governo autônomo legítimo.

Entretanto, esta facção rebelde, que diz representar e defender o interesse do povo tâmil oriundo do sul da Índia, foi responsável por diversos atentados considerados pelas organizações internacionais como atos terroristas, resultando em centenas de mortes de homens, mulheres e crianças, incluindo membros do governo. Dentre as vítimas destaca-se a ex-presidente Chandrika Bandaranayke, que escapou com vida de um atentado a bomba de autoria do grupo rebelde tâmil perdendo o olho direito e seu marido. Paradoxalmente, a presidente Chandrika foi a responsável pelo cessar-fogo e promoveu a retomada do diálogo visando à paz.

Porém, os atentados continuaram.

Nos últimos anos, dezenas de ministros e membros de alto escalão do governo foram assassinados, inclusive o amigo e prestigiado ex-chanceler Lakshman Kadirgama. De origem tâmil, Kadirgama foi assassinado no interior de sua residência por atiradores profissionais do grupo rebelde.

Durante a década de 90, período que estudei no Sri Lanka, pude acompanhar de perto o constante estado de alerta da população cingalesa em relação a possíveis atentados que poderiam ocorrer em qualquer lugar e a qualquer momento. Esta situação tinha que acabar, pois trazia sérios prejuízos ao desenvolvimento, à economia e à soberania do país como sói acontecer em guerras que adentram a área urbana.

Infelizmente, o ser humano não aprendeu que a violência não é um caminho racional para a resolução de conflitos políticos. A solução sempre foi o diálogo e a renúncia da violência — como nos ensinou Mahatma Ghandi.

Valorizar a violência, mesmo motivada por legítimo direito, significa fomentar um mundo cada vez pior.

A política do atual governo de tolerância zero com os recorrentes atentados dos Tigres Tâmeis põe em discussão este tema: dialogar com o grupo rebelde que não concorda com uma trégua verdadeira, financiado que é com recursos estrangeiros de procedência não identificada? Ou combater aqueles que querem dividir um país de pequena dimensão territorial de apenas 65.610 km² onde vivem um pouco mais de 20 milhões de habitantes? Só o tempo será capaz de demonstrar se a vitória sobre os rebeldes separatistas Tâmeis foi uma ação profícua e produzirá uma paz verdadeiramente duradoura. De outro lado, só nos resta lamentar por tantas vidas que foram ceifadas, sobretudo de civis que estavam em áreas de conflito.

O governo do Sri Lanka terá daqui para frente a grande oportunidade de estabelecer não apenas a paz, mas também o desenvolvimento social e econômico prejudicados pela guerra e pelo tsunami de dezembro de 2004. Milhares de pessoas necessitarão de apoio do poder público e da ajuda internacional, rezando para que esta paz jamais possa voltar a ser perturbada

SOHAKU BASTOS é cônsul-geral do Sri Lanka no Rio de Janeiro

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