terça-feira, 14 de julho de 2009

Mercantilismo repensado

Valor Econômico

14/07/2009

A efetividade dessa política depende, em parte, da ausência de uma similar em outros países

Dani Rodrik

A efetividade das políticas mercantilistas depende, em parte, da ausência de políticas similares em outros países

Um empresário entra em um gabinete ministerial e diz que precisa de ajuda. O que o ministro deve fazer? Convidá-lo para um café e perguntar o que o governo pode fazer para ajudá-lo? Ou mandá-lo embora, sob o princípio de que o governo não deve distribuir favores a empresas?

A questão é um verdadeiro teste psicológico de Rorschach (da interpretação de figuras) para economistas e políticos. De um lado estão os entusiastas do livre mercado e economistas neoclássicos, que acreditam em uma separação absoluta entre Estado e empresas. Em sua visão, o papel do governo é estabelecer regras e regulamentações claras e, então, deixar as empresas afundarem ou nadarem por conta própria. Representantes do governo devem manter distância dos interesses privados e nunca enturmar-se com os mesmos. O consumidor é o rei, não o produtor.

A visão reflete uma tradição venerável, que remete a Adam Smith e continua a existir, orgulhosamente, nos livros acadêmicos de economia atuais. Também é a perspectiva dominante de governança nos EUA, Grã-Bretanha e outras sociedades organizadas na linha anglo-americana - mesmo que, na prática, muitas vezes haja desvios dos princípios idealizados.

Do outro lado, estão os que poderíamos chamar de neomercantilistas, que veem a aliança entre governo e empresas como crucial para o bom desempenho econômico e harmonia social. Neste modelo, a economia precisa de um Estado que, avidamente, dê ouvidos às empresas e, quando necessário, lubrifique os eixos do comércio, com incentivos, subsídios e outros benefícios eventuais. Como os investimentos e a criação de empregos asseguram prosperidade econômica, o objetivo da política do governo deve ser satisfazer os produtores. Regras rígidas e políticos distantes apenas sufocam os "espíritos animais" da classe dos empresários.

A visão reflete uma tradição ainda mais antiga, que remete às práticas mercantilistas do Século XVII. Os mercantilistas acreditavam no papel econômico ativo do Estado - para promover exportações, desencorajar importações de produtos acabados e estabelecer monopólios comerciais que enriquecessem tanto as empresas como os reinos. A ideia sobrevive hoje nas práticas de superpotências exportadoras na Ásia (mais notavelmente, na China).

Adam Smith e seus seguidores venceram, de modo decisivo, a batalha intelectual entre os dois modelos de capitalismo. As evidências encontradas em terra, contudo, contam uma história mais ambígua.

Os campeões de crescimento nas últimas décadas - Japão nos anos 50 e 60, Coreia do Sul entre as décadas de 60 a 80 e China desde o início dos anos 80 - tiveram governos engajados, em íntima colaboração com grandes empresas. Todos promoveram agressivamente investimentos e exportações, enquanto desencorajaram (ou permaneceram indiferentes às) importações. A busca do governo da China, nos últimos anos, por uma economia com grande superávit comercial e alto nível de poupança incorpora lições mercantilistas.

O mercantilismo dos primórdios também merece ser repensado. É questionável se teria sido possível vermos a grande expansão do comércio intercontinental dos Séculos XVI e XVII sem os incentivos fornecidos pelos Estados, como o estabelecimento de monopólios. Como argumentam muitos historiadores econômicos, as redes de comércio e lucros que o mercantilismo possibilitou para a Grã-Bretanha podem ter sido cruciais no lançamento da revolução industrial no país por volta de meados do Século XVIII.

Nada disso significa idealizar as práticas mercantilistas, cujos efeitos nocivos são fáceis de ver. Os governos podem, muito facilmente, acabar nos bolsos das empresas, dando tratamento preferencial a amigos ou incentivando, em vez do crescimento econômico, a busca de renda graças a conexões privilegiadas.

Mesmo quando bem-sucedida de início, a intervenção dos governos em favor das empresas pode estender-se além de sua utilidade e petrificar-se. A busca de superávits comerciais inevitavelmente desencadeia conflitos com os parceiros comerciais e a efetividade das políticas mercantilistas depende, em parte, da ausência de políticas similares em outros países.

Além disso, o mercantilismo unilateral não é garantia de sucesso. A relação comercial China-EUA podia parecer um casamento celestial - entre praticantes dos modelos mercantilista e liberal, respectivamente - mas, com visão retrospectiva, fica claro que apenas levou a uma explosão. Como resultado, a China terá de fazer mudanças importantes em sua estratégia econômica, uma necessidade para a qual ainda precisa preparar-se.

Mesmo assim, a mentalidade mercantilista dá às autoridades políticas algumas vantagens importantes: recebe um melhor retorno de informações a respeito das oportunidades e limitações que as atividades econômicas privadas enfrentam e ganha mais capacidade para criar um senso nacional de propósito em torno de metas econômicas. Há muito sobre o que os liberais poderiam aprender com o modelo.

De fato, a incapacidade em ver as vantagens das relações íntimas entre Estado e empresas é o ponto cego do liberalismo econômico moderno. Basta ver como as análises sobre os motivos da crise financeira desenrolaram-se nos EUA. O pensamento predominante atual coloca a culpa completamente nos laços próximos entre as autoridades políticas e o setor financeiro nas últimas décadas. Para liberais clássicos, o Estado deveria ter mantido distância e atuado puramente como guardião platônico da soberania do consumidor.

O problema, entretanto, não é o governo ter dado excessivamente ouvidos ao mundo financeiro de Wall Street: o problema é não ter ouvido suficientemente o mundo da economia real da "Main Street", onde estão os inovadores e produtores autênticos. Foi assim que teorias econômicas não comprovadas sobre autorregulamentação e eficiência dos mercados puderam substituir o bom senso e permitir que os interesses financeiros ganhassem a hegemonia e acabassem deixando todos os demais, incluindo o governo, recolher os cacos.

Dani Rodrik, professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, é o primeiro ganhador do Prêmio Albert O. Hirschman, do Social Science Research Council.

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